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Ramón Díaz e o desafio de virar ídolo em comum entre Corinthians e River Plate

Confronto aceso nos anos 2000, Corinthians e River Plate têm como regra guardar nomes históricos em comum – embora especialmente do lado argentino. Ramón Díaz, e alguns membros de sua comissão técnica, é apenas o nome mais recente de lista que inclui gente vencedora de Libertadores e de Copa do Mundo.

Assim, em que pese El Pelado Díaz ter trabalhado também por San Lorenzo e Independiente, vale aproveitar sua chegada para relembrar a relação entre o Timão e o Millo, inclusive por já termos no passado traçado os elementos em comum dos alvinegros também com esses outros dois gigantes: em 2015 a respeito do San Lorenzo (como Herrera), em 2018 sobre o Independiente (como Gamarra) somados a notas similares em 2017 com o Racing (defendido pelo gêmeo de Romero) e em 2022 com o Boca (como Tévez).

Héctor Veira

El Bambino foi eleito em 2008 o maior ídolo do primeiro centenário do San Lorenzo, onde acumulou mais de uma passagem como jogador (nos anos 60 e 70) e, sobretudo, como treinador (anos 80, 90, 2000…). Ainda assim, sobrou carisma para diversos outros clubes, inclusive rivais: teve passagem artilheira pelo arquirrival sanlorencista Huracán, do qual chegou a declarar-se torcedor, além de treinar um rival de ambos, o Vélez; jogou e treinou o Banfield, mas também foi técnico do rival banfileño, o Lanús; foi ainda técnico da dupla Boca e River, simplesmente.

Veira, técnico do primeiro River campeão da Libertadores e do Mundial

A rotina de virar a casaca não se limitou ao futebol argentino. Em janeiro 1976, Veira, já um meio-campista precocemente decadente pela boemia, fez dois amistosos pelo Palmeiras… para ter sua negociação com os alviverdes atravessada pelo folclórico presidente corintiano Vicente Matheus, fazendo já em fevereiro sua primeira partida como jogador do Parque São Jorge. Chegava prometendo o título expressivo que a Fiel já aguardava há mais de vinte anos, em tempos de importância muito maior dada ao Estadual. Veira até permaneceu no clube para 1977, mas, somente até janeiro, nunca conseguindo firmar-se. Em 2013, relembrou à revista argentina El Gráfico como “era bravo o campeonato paulista” naqueles tempos.

Em 1983, ele, treinador iniciante, conseguiu lutar até a rodada final pelo título argentino com o seu San Lorenzo; isso foi um feito, considerando que um ano antes o clube havia saído da segundona, quase chegando assim ao raríssimo bicampeonato seguido de segunda com primeira divisões. Foi a credencial para o River apostar no jovem Veira a partir do segundo semestre de 1984, reagindo ao vice amargurado no Torneio Nacional para o modesto Ferro Carril Oeste.

Veira eternizou-se como o comandante da tríplice coroa, ainda inédita a qualquer time argentino: em 1986, seu Millo venceu o campeonato doméstico (com rodadas e rodadas de antecedência) e, mesmo já sem Francescoli, enfim obteve pela primeira vez a Libertadores e o Mundial Interclubes. Incrivelmente, porém, não teve o contrato renovado, deixando Núñez em meados de 1987. Já dedicamos este especial a Veira – alguém que, como Cuca, chegou a ser condenado por estupro, embora fosse efetivamente preso por alguns anos no início da década de 90.

Hugo de León

O xerife uruguaio fez história por Nacional e Grêmio, mas não conseguiu o mesmo protagonismo em outros clubes brasileiros. Esteve no Corinthians ao longo de 1985, vindo precisamente do Grêmio. Era a contratação mais cara do futebol brasileiro até então, mas ao fim do ano, avaliado como irregular, acabou cedido ao rival Santos. Refez seu cartaz no continente ao ser em 1988 novamente campeão de Libertadores e Mundial, com o seu Nacional (tal como em 1980, também nesse clube, e em 1983, como gremista) e assim foi requisitado sob empréstimo pelo River para a temporada argentina de 1989-90.

De León, o mais renomado sem êxito na dupla

Com 32 anos nas costas, De León até foi campeão argentino naquela temporada. Mas jogou somente dez das 38 rodadas, com o Millo confiando mais em Jorge Higuaín (pai de Gonzalo) e Ernesto Corti na dupla de zaga titular e em Jorge Gordillo e José Serrizuela como opções imediatas. Ironia: o segundo que menos jogou no setor foi Serrizuela (16 vezes), mas ele e o uruguaio foram à Copa do Mundo de 1990 e os demais, não.

Daniel Passarella (e Alejandro Sabella)

Passarella dispensa apresentações como jogador e treinador do River. Mas era em baixa que o Kaiser vinha na carreira de treinador, com direito até a turbulenta passagem como técnico do rival Uruguai, quando foi outro medalhão anunciado pela MSI na gestão corintiana em 2005. De certo modo, foi campeão brasileiro, por ter trabalhado nas rodadas iniciais do Brasileirão daquele ano, embora Márcio Bittencourt e a Antônio Lopes – que lhe sucederam ao longo do ano – fossem os técnicos mais associados à conquista.

O ex-zagueiro teve como grande momento como técnico alvinegro resumido a um 5-1 no Cianorte pela Copa do Brasil, devolvendo goleada de 3-0. Mas seus terminaram boicotados e foi defenestrado após outro 5-1… só que contra o arquirrival São Paulo e no lado derrotado.

Na foto esquerda, Passarella é o jogador mais à esquerda e Sabella, ainda cabeludo, é o agachado. Trabalharam juntos nas comissões técnicas do Corinthians e do próprio River

Dentre os auxiliares técnicos de Passarella, havia um velho compadre dos tempos de jogador do River nos anos 70: Alejandro Sabella, refinado camisa 10 que calhava de concorrer em Núñez com um ídolo feito Norberto Alonso, espécie de Zico do River. Conseguiu ter momentos de luz própria na sequência de títulos do clube na época, mas sem o protagonismo que exerceria como maestro do Estudiantes nos anos 80, sendo a partir dali que pôde defender como jogador à seleção.

Passarella e Sabella retomaram a parceria nos anos 90, com o ex-meia tornando-se fiel auxiliar da carreira de técnico do ex-zagueiro, tanto por River como na seleção argentina presente na Copa do Mundo de 1998. A parceria manteve-se naqueles breves meses de Corinthians bem como em nova passagem na comissão técnica do River até El Pachorra começar voo solo em 2008. E que voo: já em 2009 vencia a Libertadores com o seu Estudiantes e, em meia década, recolocava a Argentina em uma final de Copa do Mundo.

Javier Mascherano

Mascherano simplesmente estreou pela seleção argentina principal quando ainda era juvenil do River, feito raríssimo que só outros três conseguiram por qualquer clube que seja no futebol argentino. Isso se deu em 16 de julho de 2003 e tamanha precocidade lhe permitiu ser nome simultâneo da primeira medalha de ouro olímpica da Albiceleste, dali a cerca de um ano, bem como da seleção principal. Mas acabou menos vencedor no River do que parece: obteve apenas o Clausura 2004, no semestre em que o Millo acabou dolorosamente eliminado nas semifinais da Libertadores pelo arquirrival.

Mascherano: único jogador campeão nos dois

Em julho de 2005, ela já se tornava nova aposta argentina da MSI, após o amigo Tévez (que lhe convencera a vir), Sebá Domínguez e a dupla acima. El Jefe estreou de forma promissora, em um 3-1 no clássico com o Palmeiras. Mas machucou-se seriamente algumas rodadas depois, não se consagrando muito com o título do Brasileirão 2005. Ele foi como corintiano à Copa do Mundo de 2006, mas já após o caldo da MSI entornar: a obsessão alvinegra por uma Libertadores ainda inédita havia parado justamente diante do River, em eliminação tumultuada que pesou para ele e Tévez rumarem juntos ao modesto West Ham United pouco depois do Mundial.

Masche continuou figura querida ao menos no River na sequência da carreira de brilho por Liverpool e, principalmente, Barcelona… até ignorar a antiga torcida no Mundial de Clubes de 2015. Tachado de ingrato, declarou recentemente que sentia necessidade no ato para manter foco total a serviço dos catalães, algo que ele não conseguira quando enfrentara o ex-clube naquela Libertadores de 2006, deixando-se comover até demais pelo bom tratamento da hinchada riverplatense: foi expulso ao receber um segundo amarelo, chegando a ter sua honestidade questionada pela Fiel. Quando voltou à Argentina para jogar, acabou fazendo-o no Estudiantes e já resignou-se em saber que nunca será totalmente perdoado.

Juan Cazares

O equatoriano reforçou o River ainda como juvenil em 2010, sem tomar parte da temporada do rebaixamento – só estreou no time adulto em dezembro de 2011, um semestre após a queda. Mas ficou mais relegado ao sub-20, onde foi campeão e destaque da Libertadores da categoria em 2012. Não bastou para ganhar lugar na equipe principal: em março de 2013, acertou um retorno ao Barcelona de Guayaquil, onde se formara. Foi o primeiro de sucessivos empréstimos negociados pelo River, que enfim o vendeu em 2016 ao Atlético Mineiro sem nunca realmente aproveitar o meia-atacante.

O equatoriano Cazares, atualmente no Paysandu após rodar o Sudeste brasileiro

No Brasil, Cazares rodou inicialmente o Sudeste: o Galo lhe repassou em setembro de 2020 ao Corinthians, para já em abril de 2021 o meia reforçar o Fluminense. Já com negativa fama boêmia, viriam ainda passagens por América Mineiro e por um Santos de segunda divisão até saltar ao Norte, reforçando em julho desse 2024 o Paysandu no extenso currículo brasileiro. Como corintiano, foi titular em apenas metade dos 27 jogos, deixando somente dois golzinhos.

Ramón Díaz (e Emiliano Díaz, Osmar Ferreyra e Bruno Urribarri)

Goleador revelado no final dos anos 70, El Pelado Díaz teve uma carreira de relevo só não maior pela inimizade nunca totalmente explicada iniciada entre 1984 ou 1985 com Maradona, antigo compadre do título mundial com a seleção sub-20 em 1979. O riojano era um craque com muita bola para ter jogado as Copas de 1986 e 1990, mas limitado apenas ao desempenho aquém do esperado na de 1982.

Outrora um atacante até tímido no trato pessoal, já era um verborrágico veterano com pé calibrado quando voltou a Núñez para os anos finais da carreira de jogador – inclusive sendo treinado por Passarella no início dos anos 90. O time não soube se virar em 1995 sem ele e Américo Gallego, sucessor inicial logo cooptado pela AFA para ser, junto de Sabella, o outro auxiliar do ex-zagueiro na comissão técnica da seleção pós-Copa 1994.

Emiliano e Ramón Díaz como líderes da comissão técnica campeão argentina em 2014 – e dez anos depois, nos primeiros treinos corintianos

Díaz estava aumentando na nascente J-League o pé-de-meia e tinha inicialmente a ideia de uma última dança ainda como jogador no Millo, mas acabou recontratado como técnico bombeiro mesmo. Deu certo, e demais, embora colecionasse novas inimizades, até mesmo entre os próprios comandados: foi o treinador mais vitorioso do clube antes da Era Gallardo. Festejou inicialmente seis títulos entre 1996 e 1999, notadamente a Libertadores 1996 e a Supercopa 1997. Retirou-se inicialmente na pré-temporada de 2000, mas voltou para ganhar ainda o Clausura 2002, insuficiente para a nova gestão recém-eleita renovar-lhe o contrato – optando por trazer o chileno Manuel Pellegrini para 2003.

Na passagem como treinador em 2002, Ramón deu-se ao gosto de treinar o próprio filho, Emiliano Díaz, além do promissor juvenil Osmar Ferreyra, que chegara a ter convocações à seleção em 2001 (embora sem entrar em campo). A parceria entre ambos e com Ferreyra renovou-se também no San Lorenzo campeão do Clausura 2007 – onde, vale dizer, Ferreyra foi o único presente em todas as partidas. Emiliano, por sua vez, calhou de ser treinado pelo pai justamente no semestre seguinte a ambos os títulos, com a moral paterna permitindo o “nepotismo”. Sem a mesma categoria com a bola no pé, o filho seria muito mais reconhecido nos bastidores, como o elo de bom trato entre Ramón e elencos desde que passou acompanha-lo em 2011 como membro ativo do staff técnico do riojano; por vezes, até o substituiu interinamente, como no Botafogo.

No primeiro semestre de 2014, Ramón e Emiliano dirigiram o primeiro título argentino do Millo desde a volta do clube à primeira divisão para então passarem o bastão ao iniciante Gallardo. Bruno Urribarri, por sua vez, era um defensor reserva – embora em 2015 se tornasse um raríssimo nome a ter festejado o título da Libertadores tanto por Boca (seu clube em 2007) como por River. Dez anos depois, Urribarri também juntou-se a Emiliano Díaz e Ferreyra na comissão corintiana liderada por Ramón.

Juvenis do River nos anos 90, coordenados pelo brasileiro Delém (de óculos escuros): René Lima, Rubens Sambueza (depois flamenguista), Germán Lux, Maxi López (depois gremista e vascaíno), Adrián Romero, Juan Pablo Carrizo, Andrés D’Alessandro (depois carrasco e colorado), técnico Jorge Ghiso e preparador físico Javier Ciliberti; Federico Almerares, Juan Carlos Menseguez, Matías Argüello, Fernando Capobianco, Lucas Mareque, Gastón Fernández (depois gremista), Osmar Ferreyra (hoje auxiliar no Corinthians) e Javier Mascherano (depois corintiano)

Mais em comum

Corinthians e River Plate têm a segunda maior torcida de seus países, embora tenham amargurado jejuns muito similares entre os anos 50 e 70: o do Timão, sem conquistas estaduais e nacionais entre 1954 e 1977 (embora, a rigor, fosse um dos quatro campeões do Torneio Rio-São Paulo de 1966, além de taças amistosas de memória curta), e o do Millo, entre 1957 e 1975, período onde só festejou troféus amistosos. Por outro lado, a tônica é de décadas sempre marcadas por títulos.

Considerando apenas o Paulistão, os alvinegros venceram vários torneios no mesmo ano em que o River foi campeão argentino: 1937, 1941, 1952, 1977 (Metropolitano, no caso do River), 1979 (tanto o Metropolitano como o Nacional), 1997 (tanto o Clausura como o Apertura), 1999 (Apertura) e 2003 (Clausura). Em meio a esses anos, a Banda Roja festejou ainda, em 1997, a edição final da Supercopa, valorizado torneio que desde 1988 reunia somente os campeões da Libertadores. Já o Parque São Jorge também saboreou em 1999 um Brasileirão.

As duas torcidas também comemoram conjuntamente por torneios alusivos a 1954 (Argentino; Rio-São Paulo), 1990 (Argentino; Brasileiro), 2000 (Clausura; Mundial de Clubes), 2002 (Clausura; Rio-São Paulo e Copa do Brasil), 2015 (Libertadores e Recopa; Brasileiro), 2017 (Copa Argentina; Estadual), 2018 (Supercopa Argentina; Estadual) e 2019 (Copa Argentina; Estadual). Já o sorriso comum em 2012 foi mais contrastante, com o título millonario na segunda divisão se somando à alegria de secar o arquirrival batido na decisão da Libertadores pelos alvinegros, logo campeões mundiais também. Algo parecido ocorrera em 2008: Clausura ao River, título corintiano na Série B.

Cenas do River 2-1 Corinthians em 1946. À direita, Loustau, Pedernera e Labruna seguram a bandeira paulista

Já os duelos diretos são antigos. Começaram na Fazendinha, em 17 de fevereiro de 1935, em excursão brasileira que propiciou os primeiros jogos de José Manuel Moreno no time principal do River. Moreno costumava ser descrito como mais habilidoso que Maradona pelas testemunhas oculares de ambos, mas quem roubou a cena foi Bernabé Ferreyra, autor de dois gols nos 3-1 dos visitantes. Bernabé, diga-se, foi precisamente o supeartilheiro com mais de um gol por jogo, responsável por ter popularizado nacionalmente o River e o próprio apelido de Millonario diante da cifra recorde que o clube pagara ao Tigre para ter El Mortero de Rufino.

O duelo seguinte também foi outro amistoso histórico, em 22 de dezembro de 1946, no Pacaembu. Tempos em que o River tinha um timaço apelidado de La Máquina, cujo ataque mais conhecido reunia junto ao citado Moreno os pontas Juan Carlos Muñoz (na direita) e Félix Loustau (na esquerda), o armador Ángel Labruna (símbolo máximo do River no século XX) e o falso 9 Adolfo Pedernera, considerado o maior jogador da história por seu reserva de nome Alfredo Di Stéfano. Apesar da fama, a linha Muñoz-Moreno-Pedernera-Labruna-Loustau foi usada junta apenas 18 vezes na liga argentina. E aquele amistoso foi o único em que os cinco participaram no exterior, ainda que não simultaneamente.

Aquele também foi o último jogo de Pedernera pelo River. Ele e Labruna começaram no banco. Roberto Coll fez o primeiro gol argentino na vitória por 2-1 e Labruna, que o substituiu, fez o da vitória – ao passo que o centroavante titular fora o jovem Di Stéfano, com Pedernera entrando no decorrer do jogo para substituir improvisadamente Muñoz na ponta. Embora amistosa, o jogo não foi exatamente amigável, com o veterano Domingos da Guia perdendo sua famosa classe para atingir propositalmente Loustau; seria para lavar a honra destruída em um duelo travado um ano antes pela Copa América, cada um por sua seleção.

D’Alessandro se apresentando ao Brasil em 2003 (o perfil é da revista Placar): Roger Guerreiro, ao fundo, será expulso após agredi-lo, a pedido do próprio treinador

Di Stéfano relembraria isso ao livro do centenário do River: “sempre me lembro do dia que joguei contra Domingos da Guia. Era um cavalheiraço. Mas naquele jogo deu uma patadona fenomenal em Loustau e se criou um tumulto bárbaro. Todos nos amontoamos e El Negro tirou o que tinha guardado adentro há vários anos: ‘nunca vou perdoar esse senhor Loustau que humilhou Domingos…’. Ficamos olhando-o e nesse momento me veio à memória um jogo de 1945, quando Félix reluziu todo o seu repertório e fez coisas de cinema. Eu estava na arquibancada e saltava de felicidade. Em Domingos, para ser sincero, deu um baile incrível… essas eram questões de honra que todos respeitávamos muitíssimo nesses tempos”.

Em 15 de janeiro de 1948, o Pacaembu viu uma revanche. E Domingos saiu vencedor contra Loustau, por 2-1, com Di Stéfano anotando o gol visitante. Já a fila comum a ambos nos anos 60 foi permeada por uma série de encontros em torneios amistosos: River 2-1 no Monumental pelo Octogonal de Verão de 1961 (em 24 de junho); Corinthians 3-1 no Pacaembu em 3 de outubro de 1962; Corinthians 2-1 em Montreal, no Canadá (!), pelo Torneio Internacional de 1969 (em 27 de julho), que também viu um 1-1 na revanche em 2 de agosto; e River 3-1 no estádio Centenário pela Copa Montevidéu, em 3 de fevereiro de 1970. Nesses três últimos duelos, o velho craque Labruna era o técnico riverplatense.

O encontro então adormeceu, mas voltou com tudo, já nos anos 2000, quando ganhou até contornos de clássico: valeu pelas oitavas-de-final da Libertadores 2003, da Sul-Americana 2005 e da Libertadores 2006. Em 2003, um Timão que vinha embalado pelo título paulista e com espinha-dorsal copeira em 2002 aspirava seriamente encerrar o incômodo ineditismo na Libertadores. Jorge Wagner abriu o placar no Monumental, mas a vitória escapou com uma virada-relâmpago nos minutos finais, anotada por gols dos garotos Andrés D’Alessandro e Fernando Cavenaghi – que começavam ali a se apresentar ao grande público brasileiro.

Na Sul-Americana 2005, Tévez sorriu

A classificação corintiana, ainda assim, parecia palpável, especialmente quando Liedson abriu o placar na revanche em menos de dez minutos no Morumbi. A reação visitante não tardou: D’Alessandro cavou falta cuja execução viu a cabeça de Martín Demichelis empatar aos 22; e ao fim do primeiro tempo, a noite infernal do meia fez o técnico corintiano Geninho e o volante Roger Guerreiro perderem a cabeça – Roger, futuro membro da seleção polonesa na Eurocopa 2008 (!), acabou expulso ao fim do primeiro tempo. Aos 30 do segundo tempo, uma mão de Fábio Luciano em jogada de Cavenaghi resultou em pênalti convertido por Esteban Fuertes.

Fabinho viria a ser outro expulso entre os paulistas, que se desmanchariam em uma campanha morna no Brasileirão 2003 e em quase-rebaixamento no estadual de 2004, outro ano apático no Brasileirão, inclusive com ligeira luta contra a queda. Foi em reação a esse declínio que o Corinthians sujeitou-se à suspeita gestão do fundo MSI para 2005. Em tempos em que a Sul-Americana era pouco atraente no Brasil, serviu como revanche: o 0-0 no Morumbi favoreceu, pelo critério do gol fora de casa, uma classificação dentro do Monumental, silenciado quando Marinho empatou em 1-1 aos 46 minutos do segundo tempo. No mata-mata seguinte, o Timão foi eliminado pelo Pumas UNAM, mas o ano seria de glória no Brasileirão.

Mas logo viria a revanche da revanche, na Libertadores seguinte. Mascherano, ausente por lesão nos duelos da Sul-Americana, enfim enfrentaria o ex-clube (e, em via inversa, Daniel Passarella, novamente técnico riverplatense, reencontraria antigos comandados de Corinthians), mas os holofotes estavam mais voltados a um Tévez sempre provocador contra as gallinas. Para os gaviões, Carlitos festejou com todo o gás o placar aberto no Monumental em golaço de fora da área. Os donos da casa viraram para 3-1, mas outro gol brasileiro no finzinho, de Xavier, permitiu algum sorriso por último aos visitantes – apesar da expulsão de Masche.

Mascherano foi considerado pouco profissional ao enfrentar em 2006 o River – o ainda jogador Gallardo, ao seu lado, teve a sagacidade de provocar a expulsão do então jovem volante

O 3-2, além de tornar o confronto indefinido, tornava a classificação brasileira mais palpável, pois, diferentemente de 2003, haveria critério do peso extra dos gols fora de casa. Contudo, reexibiu-se filme parecido ao de 2003. No Pacaembu, os paulistas abriram o placar, em cabeceio de Nilmar – que até conseguira um gol mais cedo, anulado por falta sua no lance. O 1-0 inaugurado aos 38 minutos de jogo dava a classificação ao Timão… até Coelho marcar gol contra ao tentar desviar falta cobrada pelo veterano Marcelo Gallardo, aos 11 minutos do segundo tempo. Os donos da casa ainda dependiam de apenas um gol para se classificarem, desde que não sofressem nenhum.

Mas, aos 27, o garoto Gonzalo Higuaín, vindo do banco, virou o marcador, concluindo nova jogada construída por Gallardo. O cenário palpável que restava aos brasileiros era virar para 3-2 em cerca de vinte minutos, o que ao menos forçaria decisão por pênaltis. Mas nova assistência de Gallardo a Higuaín fulminou até mesmo isso, aos 36. Seria preciso uma vitória corintiana por 5-3 e tamanha improbabilidade somada ao rancor por 2003 e ao adiamento do sonho inédito da Libertadores foi demais para expressivo segmento das arquibancadas. Foi talvez o principal momento de Higuaín no River: ao fim daquele ano, El Pipita, profissionalizado em 2005, marchou ao Real Madrid, sem chegar a ter títulos como jogador millonario.

O pandemônio tomou conta do Pacaembu, acelerando um melancólico fim de jogo – e o fim dos ciclos de Tévez, Mascherano e da MSI no Parque São Jorge. Os dois hermanos logo embarcaram à Copa do Mundo, mas o susto contra a segurança seguia vívido e o clima continuou azedo no regresso do Mundial, os fazendo optar pelo West Ham. Novo desmanche pós-River terminou ainda mais contundente, resultando no inédito rebaixamento alvinegro já em 2007. Não que os argentinos estivessem imunes a uma convulsão institucional: a péssima gestão do presidente José María Aguilar (que simbolicamente desligou o brasileiro Delém, grande mentor dos lucrativos juvenis do River nos anos 90, onde chegara a polir os próprios Gallardo, D’Alessandro, Mascherano e Higuaín), sem ser remediada precisamente pelo sucessor Daniel Passarella, também viraria outro rebaixamento gigantesco, em 2011. Crises que ajudaram a inviabilizar novos encontros.

Rafael Moura se desola, o garoto Higuaín e o veterano Gallardo comemoram: o jogo no Pacaembu em 2006 ainda é o último duelo entre River e Corinthians
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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