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Copa Roca: A hegemonia argentina (1939-1940)

Lance de Brasil x Argentina pela Copa Roca de 1939

A Copa Roca estava há 16 anos sem ser disputada quando 1939 apareceu no calendário. A última edição do torneio havia sido disputada em 1923, em Buenos Aires. Com gols de Soda (o primeiro gol contra da história da seleção brasileira) e Onzari (o autor do primeiro gol olímpico), a Argentina venceu por 2 a 0 e conquistou pela primeira vez o troféu idealizado pelo ex-presidente argentino Julio Roca.

Muita coisa tinha acontecido nesse intervalo de tempo. Os jogadores argentinos e brasileiros já estavam atuando sob regime profissional, a seleção argentina já havia chegado a uma final olímpica e uma final de Copa do Mundo e o Brasil vinha de um honroso 3º lugar conquistado no ano anterior na Copa do Mundo da França.

Em 1939 as relações entre AFA e Conmebol não eram das melhores. Assim, a associação que comanda o futebol argentino recusou o convite para participar do Campeonato Sul-Americano, alegando que iria participar da Copa Roca. O Brasil, que havia condicionado a participação no Sul-Americano à presença da Argentina, também recusou. E em 15 de janeiro de 1939, um domingo, Brasil e Argentina entraram no gramado do estádio de São Januário para decidir a 3ª edição da Copa Roca.

A partir daquele ano, o regulamento da Copa Roca havia sido alterado. Ao invés de somente um jogo para decidir o campeão do torneio, agora estava prevista a realização de no mínimo duas partidas anuais e, se fosse preciso, seriam realizadas até quatro partidas. No  caso de uma das equipes vencer as duas partidas, ela ficaria com a taça. Se uma das seleções ganhasse o primeiro jogo e empatasse o segundo, haveria uma prorrogação de 30 minutos e então a equipe que vencera a primeira partida jogaria por mais um empate para conquistar a taça. No caso de quatro empates, a Copa Roca ficaria com o vencedor da edição anterior.

O clima era de festa. A Argentina entrou em campo com uma bandeira brasileira e o Brasil entrou em campo com uma bandeira argentina. Nem parecia que pouco menos de dois anos antes as duas seleções tivessem se envolvido numa grande confusão pelo Sul-Americano. Mal o jogo começou e, aos nove minutos, García abriu o placar para os visitantes. Os brasileiros foram para cima tentando o empate e deixaram espaços. A Argentina se aproveitou disso e fez mais dois gols: um com Masantonio e outro com o grande José Manuel Moreno, craque do River Plate. Assim, o placar final do primeiro tempo assinalava um categórico 3 a 0 para a Argentina ante o olhar estupefato de mais de 50 mil pessoas.

A albiceleste voltou para o segundo tempo e continuou a esperar o Brasil no seu campo, para sair para o ataque com rapidez. Aos 12 minutos, outra vez Masantonio venceu a meta brasileira e colocou 4 a 0. Também pela segunda vez, Moreno pouco depois marcou o quinto gol argentino. Um minuto após o gol de Moreno, Leônidas aproveitou confusão na área e marcou o gol de honra do Brasil.  As duas seleções tiveram mais chances, mas a partida terminou 5 a 1 para a Argentina. Pela primeira vez na história o Brasil era derrotado em casa e  o resultado selou a maior vitória da Argentina sobre o rival.

Uma semana depois, brasileiros e argentinos se encontraram novamente em São Januário.  O Brasil entrou em campo com várias modificações em relação ao time que havia dado vexame e veio com sede de vitória. Abriu o placar com Leônidas, aos 20 minutos de jogo. Mas nem deu tempo para comemorar: dois minutos depois Rodolfi empatou para a Argentina. E aos 28 minutos García recebeu lançamento de Sastre, invadiu a área e chutou sem defesa para Thaddeu. Novamente a Argentina assumia a frente do placar, para desespero dos brasileiros, que começaram a apelar para a violência. O primeiro tempo terminou com vitória dos visitantes.

No segundo tempo, as jogadas violentas continuaram e os dois capitães foram advertidos. Aos 35 minutos Adílson empatou a partida. Quatro minutos depois, quando tudo indicava que o jogo iria para a prorrogação, aconteceu a confusão: logo após a marcação de um pênalti para o Brasil, houve protestos dos jogadores argentinos. A partir de então houve agressões a jogadores brasileiros, argentinos e ao árbitro. A polícia entrou em campo para garantir a segurança do espetáculo e acabou por agredir os argentinos. Com isso, a Argentina se retirou do campo e o árbitro determinou que mesmo assim o pênalti deveria ser cobrado. Perácio colocou a bola na marca fatal e a empurrou para um gol vazio, marcando o terceiro gol do Brasil. Como a Argentina não voltou para o campo, o jogo foi encerrado e o Brasil declarado vencedor.

Com isso, era necessária a realização de um terceiro jogo para decidir a Copa Roca. Mas a AFA resolveu dar uma resposta à altura dos incidentes e decidiu que seus jogadores deveriam voltar a Buenos Aires. Após muitas negociações entre a CBD e a AFA, ficou decidido que, antes da disputa da Copa Roca de 1940, deveria ser disputado o terceiro jogo referente à edição de 1939. Assim, no domingo de 18 de fevereiro, Brasil e Argentina entrariam no campo do Parque Antarctica, em São Paulo, para a decisiva partida.

Após um empate sem gols na primeira etapa, a Argentina foi ao ataque e marcou o gol aos 29 minutos, com Fabio Cassan. Aos 42 minutos, Leônidas recebeu passe de Romeu Pelliciari na grande área e foi derrubado por Valussi. Pênalti assinalado e novamente muito protestos do time argentino. Apesar das reclamações, o pênalti foi batido e a partida terminou empatada. Conforme o regulamento da Copa, uma prorrogação deveria ser disputada. O Brasil desempatou logo aos 4 minutos, novamente com Leônidas. E a Argentina, após pressionar durante todo o segundo tempo, empatou novamente aos 12 minutos do segundo tempo, com Baldonedo. O jogo terminou 2 a 2 e uma quarta partida foi necessária para decidir a Copa Roca de 1939.

Uma semana após o empate, argentinos e brasileiros se encontraram novamente em São Paulo. Sob os olhares de mais de 35 mil pessoas, a Argentina saiu na frente com Baldonedo aos 35 minutos do primeiro tempo. Segundo relatos da época o resultado era justo e o primeiro tempo terminou com a seleção brasileira sendo vaiada. O Brasil voltou melhor para a segunda etapa, mas não conseguiu furar a defesa argentina. Com os brasileiros cansados, Manuel Fidel e Sastre aproveitaram os espaços e decretaram o placar final: 3 a 0 para a Argentina e a manutenção da Copa em Buenos Aires. Mas não haveria muito tempo para comemorar, pois a Copa Roca de 1940 seria disputada dali a duas semanas, agora na Argentina.

A primeira partida válida pela Copa Roca estava marcada para o dia 3 de março, um domingo à tarde. Mas devido ao mau tempo o jogo teve de ser remarcado para dois dias depois. Assim, na noite de 5 de março, Argentina e Brasil entraram no gramado do “Viejo Gasómetro”, antigo estádio do San Lorenzo.

Logo aos dois minutos, Masantonio tabelou com Sastre e marcou o primeiro gol argentino. Aos 32 minutos, Peucelle marcou o segundo, de cabeça. No segundo tempo o domínio argentino continuou e Peucelle marcou o terceiro. Aos 25 minutos, Jair Rosa Pinto marcou de falta o gol brasileiro. Mas dois minutos depois, Peucelle marcou seu terceiro gol no jogo e o quarto dos argentinos. Um minuto depois, mais um gol argentino. Peucelle dessa vez foi o garçom e cruzou para Baldonedo, que de cabeça, marcou o quinto gol. E faltando quatro minutos para o final do jogo, Masantonio marcou o sexto e último gol da Argentina. Final de jogo e a Argentina aplicava a maior goleada da história do clássico: 6 a 1.

No outro domingo, Brasil e Argentina fizeram o segundo jogo da Copa Roca. Mais de 80 mil pessoas voltaram ao campo do San Lorenzo para ver o clássico e acreditando em outro passeio argentino. Mas, ao contrário do outro jogo, o Brasil saiu na frente: Hércules fez 1 a 0.  A Argentina não se abalou e Baldonedo empatou. No segundo tempo, novamente Baldonedo recebeu lançamento e chutou forte para fazer o segundo gol dos platinos. Quando o estádio comemorava mais uma vitória, Hércules e Leônidas foram os responsáveis pela grande virada brasileira. 3 a 2 e assim um terceiro jogo deveria ser realizado na próxima semana.

O terceiro jogo ficou marcado para a “Doble Visera”, antigo estádio do Independiente. Novamente cerca de 80 mil pessoas foram à Avellaneda para ver a grande decisão da Copa Roca de 1940.  Mais uma vez, aos dois minutos os argentinos abriram o placar, com o sempre presente Baldonedo. Aos nove, Masantonio recebeu um passe dentro da área e fuzilou Jurandir: 2 a 0. Peucelle recebeu passe de García aos 21 minutos e marcou o terceiro gol argentino. Leônidas diminuiu aos 38 minutos e quando todos achavam que a Argentina diminuiria o ritmo, marcou mais um. Baldonedo aproveitou cruzamento de Peucelle e marcou o quarto gol.

No segundo tempo os argentinos continuaram a atacar com mais frequência e os brasileiros também, afinal de contas perdiam por 4 a 1. Mas, no finalzinho da partida, García, que foi o melhor do jogo, deu um belíssimo passe para Cassán, que completou a goleada da Argentina. Inapeláveis 5 a 1, que mantiveram a Copa Roca em solo argentino e consolidaram o domínio argentino sobre o Brasil no início dos anos 40. Domínio esse que perduraria por toda a década e que Mário Filho chamaria de “platinismo”, num complexo de inferioridade em relação aos argentinos e uruguaios. Mas o Brasil conseguiria, em 1945, uma importante vitória contra a Argentina, a ser visto no próximo capítulo, o que trata da hegemonia brasileira na Copa Roca.

Alexandre Leon Anibal

Analista de sistemas, radialista e jornalista, pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte. Neto de argentinos e uruguaios, herdou naturalmente a paixão pelo futebol da região. É membro do Memofut, CIHF, narrador do STI Esporte (www.stiesporte.com.br ) e comentarista do Esporte na Rede, programa da UPTV (www.uptv.com.br ).

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