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Conheça os principais “Bascos” do futebol argentino

Serrizuela é o segundo em pé, Goycochea é o terceiro. Burruchaga é o primeiro agachado, Olarticoechea é o terceiro e Basualdo, o quarto

Há exatos 40 anos, a Real Sociedad conseguia sua maior goleada no clássico basco, contra o Athletic Bilbao. Apesar dos 5-0, aquele dérbi de 5 de dezembro de 1976 ficou mais lembrado por outra razão: ambos os rivais se uniram na entrada em campo (algo por si só já incomum na época) para exibirem a Ikurrina, a bandeira basca, proibida durante a ditadura de Franco – falecido no ano anterior. Um bom gatilho para relembrarmos os jogadores hermanos apelidados de Vasco. Pois seria extenso demais lembrarmos todos os da comunidade basca, proeminente desde os primórdios da nação: Buenos Aires foi fundada duas vezes, uma por Pedro de Mendoza e outra por Juan de Garay.

No primeiro jogo oficial da seleção, nos 6-0 sobre o Uruguai, em 1902, o único na escalação hermana não pertencente à comunidade britânica era justamente El Vasco José Buruca Laforia, o goleiro em meio aos colegas de sobrenomes Anderson, Brown (dois), Buchanan (dois), Dickinson, Duggan, Leslie, Moore e Morgan. Embora seguro, era ainda melhor no jogo com os pés, atuando às vezes como atacante naqueles tempos de amadorismo. Tinha 18 anos em 1902, quando jogava no extinto Barracas Athletic, campeão da segundona no ano anterior.

Defendeu a seleção até 1907, época em que já havia se “infiltrado” em outro ambiente britânico, o Alumni, clube mais poderoso do país (dez vezes campeão entre 1900-1911 e natural base da seleção). Pela Argentina, não sofreu gols. Crescido em Avellaneda, posteriormente passaria ainda pela dupla Racing e Independiente. Seu sobrenome de batismo era Buruca; adicionou o Laforia em homenagem ao padrasto que o criou. Jogava de boné e as lendas diziam que ele girava a aba para provocar cobradores de pênalti, “indicando” para qual lado eles iriam chutar a bola. Só parou de jogar aos 37 anos, para administrar a fazenda familiar após a morte paterna.

Antes dos dezessete anos de Maradona (1977-1994), Ortega (1993-2010) e Zanetti (1994-2011) e dos dezesseis de Ángel Labruna (1942-1958), o recorde de longevidade na seleção argentina foi do zagueiro Juan Carlos Iribarren. Foram quinze anos entre a estreia em 1922, como jogador do Argentinos Jrs, e a despedida em 1937, no 1-0 sobre o Brasil na vitoriosa Copa América, vindo do Chacarita (clube para o qual o elegemos para o time dos sonhos). Ganhou as Copas América também em 1923. Nesse meio-tempo, foi ídolo também no River, participando do primeiro título profissional do clube, em 1932. Seu irmão Jorge Iribarren, colega no Argentinos Jrs e no River, também jogou pela seleção nos anos 20.

Também nos anos 20, o San Lorenzo logrou seus três primeiros títulos argentinos. Uma das figuras era o ponta-direita Alfredo Carricaberry, que acabou titular na campanha da prata nas Olimpíadas de 1928. Uma lesão tirou El Vasco da Copa de 1930, embora ainda voltasse a jogar pela Argentina em 1931. Neste ano, passou ao rival Huracán, onde não foi tão bem. José Echevarrieta, Vasco revelado no Gimnasia LP no início dos anos 30, se tornaria o maior artilheiro estrangeiro do Palmeiras. Chegou a ser o maior artilheiro absoluto, e ainda tem a melhor média de gols no Verdão: 105 em 127 jogos.

Buruca Laforia, Jorge Iribarren, Carricaberry e Echevarrieta

Vale registrar à parte que na virada dos anos 30 para os 40 o San Lorenzo virou “o clube dos espanhóis”, refugiados ou não da Guerra Civil Espanhola, ao abrigar jogadores da seleção basca – ela vinha excursionando pelo mundo para arrecadar fundos contra Franco. O conflito acabara em 1939 e alguns resolveram não voltar de imediato (ou nunca) à casa: contamos aqui.

Os azulgranas tiveram nada menos que os autores dos primeiros gols da Espanha em Copas do Mundo (nos 3-1 sobre o Brasil em 1934), José Iraragorri e Isidro Lángara, além de Emilín e Ángel Zubieta. O superartilheiro Lángara brilhou no breve tempo, estreando com quatro gols sobre o River e sendo artilheiro do campeonato em 1940. Já Zubieta ficaria mais de dez anos. Pedro Areso (Tigre e Racing), Serafín Aedo, Gregorio Blasco e Leonardo Cilaurren (todos no River), eleito o melhor zagueiro da Copa de 1934, vieram também, sem o mesmo êxito. Outro Vasco nato já estava na Argentina antes da guerra: o beque Fermín Lecea, crescido em Rosario e ídolo de Newell’s e Independiente.

Nos anos 50, o River já não tinha La Máquina, mas tinha La Maquinita, que conseguiu cinco títulos argentinos na década – incluindo o primeiro tri seguido do Millo. Naturalmente, o clube foi base da seleção para a Copa do Mundo de 1958. Juan Urriolabeitia, volante, só ausentou-se dela por lesão. El Vasco esteve nos 2-1 da Argentina sobre o Brasil no Maracanã na estreia de Pelé e foi um dos mais elogiados pela imprensa brasileira. Já o Huracán decaía: brigou contra o rebaixamento entre 1954-58, o que não impediu que seu goleiro Edgardo Madinabeytia se transferisse ao Atlético de Madrid, onde este outro Vasco conseguiu um campeonato espanhol, três Copas do Rei (duas sobre o Real Madrid) e uma semifinal de Liga dos Campeões. Porém, só nos anos 70 a seleção passaria a convocar quem atuasse no exterior. Madinabeytia ficou restrito a um amistoso não-oficial, contra a seleção paulista, em 1957, em derrota de 3-1 no Pacaembu.

Se o Huracán decaía, quem brilhava dos anos 50 para os 60, vivendo seu auge, era o nanico Atlanta. Seu lateral-direito era Marcelo Echegaray, que mesmo sem ser brilhante (se limitava à defesa) teve oportunidades na seleção, uma delas em um 4-2 sobre o Brasil em 1960. Como muitos daquele Atlanta (Mario Bonczuk, Luis Artime, Hugo Gatti), esse Vasco também passaria pelo River. Foi contemporâneo de David Iñigo, zagueiro que jogou pela Argentina entre 1957-63 por San Lorenzo e Chacarita. Também não tinha grande técnica, se ausentando das duas Copas do Mundo. Venceu a Copa América de 1957. No Sanloré, esse Vasco foi titular no título de 1959, único do time entre 1946-68.

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Urriolabeitia, Madinabeytia, Iñigo e Echegaray

O próximo apelidado de Vasco a ter destaque foi o volante Julio Olarticoechea. Mesmo sem ser craque, sua aplicação lhe rendeu convocações a três Copas do Mundo, por River em 1982, Boca em 1986 e Racing em 1990: só Oscar Ruggeri, posteriormente, também conseguiu convocações vindo de três grandes diferentes. Foi Olarticoechea quem salvou no finzinho a Argentina de levar um dramático empate da Inglaterra naquelas quartas-de-final em 1986: explicamos aqui. Por clubes, se identificou mais com o Racing, onde começou e terminou a carreira.

Na Copa de 1990, ele foi colega do goleiro Sergio Goycochea, mais chamado de Goyco mas também apelidado de Vasco eventualmente (como nesta capa). Promovido no River, Goycochea atuava no forte narcofútbol colombiano da época, pelo Millonarios. Seria a terceira opção de gol na Copa, mas Luis Islas pediu dispensa, insatisfeito com a reserva para Nery Pumpido. No segundo jogo, Pumpido quebrou a perna e assim Goycochea assumiu por anos a titularidade. Foi a grata surpresa de uma Argentina malquista em 1990, ainda que depois se revelasse mais confiável para defender pênaltis do que bolas rolando: sua carreira clubística nunca decolou, servindo à seleção vindo da segunda divisão francesa (Brest) ou por Cerro Porteño e Olimpia.

O último apelidado de Vasco a ter destaque foi o ofensivo lateral Rodolfo Arruabarrena: foram dele os dois gols do Boca na vitoriosa final da Libertadores 2000, as primeiras dos xeneizes (então igualados com o rival River) desde 1978. Jogou pela seleção esporadicamente entre 1994 e 2006. Também foi um dos primeiros argentinos que “colonizaram” o Villarreal, com o qual quase foi finalista da Liga dos Campeões de 2006. Destacou-se ainda pelo Tigre, que em 2008 esteve muito perto de seu primeiro título nacional. Arruabarrena teve boa passagem como técnico no Boca, com dois títulos nacionais no ano passado e um 5-0 (ainda que em jogo amitoso) sobre o River.

Vale ainda registro a três filhos de bascos que desenvolveram a carreira na Espanha, defendendo a Furia: Eduardo Arbide (Real Sociedad, que só em 1989 admitiria estrangeiros sem origens bascas) e Juan Errazquín (Real Irún) brilharam nos anos 10 e 20, com Errazquín ainda sendo quem mais marcou em um só jogo contra o Boca: na primeira turnê de um clube argentino pela Europa, os auriazuis encantaram na maioria dos jogos (venceram o Real Madrid e empataram com o Bayern Munique), mas do Irún levaram de 4-0 com quatro gols de Errazquín. Já nos anos 60 e 70, José Eulogio Gárate foi artilheiro da liga e campeão pelo Atlético de Madrid, incluindo o título mundial de 1974.

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Zubieta, Lángara, Lecea (nascidos no próprio País Basco) e Arruabarrena

Além deles, Rubén Cano e Juan Carlos Heredia, também de sobrenomes bascos, igualmente jogaram pela Espanha, nos anos 70. Revelado no Atlanta, Cano chegou a jogar pela Argentina em amistosos não-oficiais. Outro ídolo no Atlético de Madrid, esteve na Copa de 1978, para a qual fez o gol da classificação espanhola sobre a Iugoslávia em Belgrado. Heredia, filho de ex-jogador da seleção argentina também chamado Juan Carlos Heredia, saíra do futebol cordobês para brilhar no Barcelona. Também iria à Copa de 1978, mas desistiu após seu pai ser quase morto pela ditadura por seu nome ser confundido com o de um militante. Heredia filho assegura que foi por saber do ocorrido que a estrela holandesa Johan Cruijff também não veio: falamos aqui.

Dos principais clubes argentinos, o Vélez Sarsfield nomeou-se com o sobrenome do pai do Código Civil Argentino, jurista de origens bascas e irlandesas. O estádio do River situa-se na Avenida Figueroa Alcorta e o do Banfield, na Vergara; o Nuevo Gasómetro, estádio do San Lorenzo, leva oficialmente o nome de Pedro Bidegain e o do Ferro Carril Oeste, de Ricardo Etcheverri; o Belgrano situa-se no bairro cordobês de Alberdi. Por fim, uma lista de sobrenomes bascos já presentes na seleção:

Aguirre, Alonso, Amuchástegui, Alzúa, Andújar, Araya, Argañaraz, Arredondo, Arregui, Arrese (ex-America-RJ), Arrieta, Arrillaga (ex-Fluminense), Ayala, Barcos (ex-Palmeiras e Grêmio), Basualdo, Beristain (ex-Portuguesa Santista), Betúlar, Canaveri, Chaparro, Chazarreta, Echecopar, Echeverría, Elordi, Errea (ex-Vasco), Erviti, Figueroa, Funes, Gainzarain, Gamboa, Garábal, Garay, García, Goicoechea, Guiñazú (ex-Internacional e Vasco), Gurutchague, Gutiérrez, Heredia, Higuaín, Ibagaza, Ibarra, Insaurralde, Insúa, Irañata, Irurieta, Irusta, Izaguirre, Larraquy, Leguizamón, Lizárraga, Loustau, Loyarte, Murúa, Navarro, Ochandío, Ochoa Baigorri, Ohaco, Olázar, Onega, Onzari, Orban, Ortiz (ex-Grêmio), Ostúa, Otamendi (ex-Atlético Mineiro), Ovide, Pastoriza (ex-Fluminense), Redondo, Reparaz, Riquelme, Rivarola (ex-America-RJ), Roa, Rotchen, Rúa, Sáinz, Sarasíbar, Serrizuela, Somoza, Tarrío, Tramutola, Uñate, Urbieta, Urruti, Ustari, Vairo, Vázquez, Veira (ex-Palmeiras e Corinthians), Velázquez, Yazalde, Zabaleta, Zamora, Zapata, Zárate, Zárraga, Zava, Zelaya, Zoroza, Zozaya, Zubeldía, Zumelzú.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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