Ultimamente, para cada jogo da seleção argentina buscamos relembrar jogadores com origens no país adversário, e/ou que o defenderam. Algo assim ficou inviável na última sexta, pois o oponente era a Itália, origem de mais da metade da população argentina – no lugar, relembramos um italiano em especial no futebol argentino (Delio Onnis). Por motivos óbvios, o mesmo se aplica à Espanha, adversário de hoje. Já inclusive lembramos os hermanos que jogaram pela Furia. Mas é válido lembrar os anos dourados do time da colônia, o Deportivo Español. Que inclusive chegou a ter uniformes a, também da Adidas, empregar os mesmos desenhos da seleção espanhola!
Os Gallegos – gíria comum na Argentina a quem tem origem espanhola imediata (como um imigrante ou filho) e que naturalmente virou apelido do clube – não foram o primeiro time da colônia. Nos anos 10, existiu o Hispano Argentino, clube que chegou a fornecer um atleta à seleção, simplesmente no primeiro Brasil x Argentina da história: o zagueiro Mariano Aldea. A equipe posteriormente fundiu-se com outras para dar origem ao atual Almagro.
Em 1934, foi fundado o Centro Español, que nunca saiu da última divisão – e que só veio a estrear nela já em 1959. Ainda nos anos 30, a seleção argentina teve seus dois jogadores nativos da Espanha: Pedro “Arico” Suárez, do Boca, foi titular na Copa de 1930 e ainda defendia a seleção em 1940, ocasião em que teve o fair play de perder propositalmente um pênalti contra o Brasil ao notar a irregularidade de sua marcação; o outro foi Manuel de Sáa, do Vélez, e um dos atletas importados em 1934 pelo America-RJ (na época, America-DF, quando a cidade do Rio de Janeiro era separada do Estado homônimo, como Distrito Federal), o primeiro time brasileiro a apostar largamente em argentinos.
Com a fraqueza do Centro Español, quem inicialmente firmou-se como “o clube dos espanhóis” foi o San Lorenzo, ao abrigar diversos jogadores da seleção basca exilada da Guerra Civil Espanhola, algo detalhado neste outro Especial. Os bascos compunham dez dos onze titulares do primeiro jogo da Espanha em Copas, na partida de 1934 em que ela eliminou o Brasil por 3-1. E os autores desse gols viraram azulgranas: José Iraragorri e o superartilheiro Isidro Lángara. Ausente daquela Copa, o volante Ángel Zubieta foi o mais longevo, defendendo o clube em três décadas diferentes, de 1939 a 1952.
Desde então, o principal espanhol a jogar no futebol argentino foi o meia-direita José García Castro, o Pepillo. Jogador de seleção e do Real Madrid de Di Stéfano, esteve no River entre 1963-65. Giovanni Simeone, filho de Diego, Iván Moreno y Fabianesi e Antonio García Ameijenda jogaram no futebol de elite, mas são filhos de argentinos que nasceram na Espanha e criados desde cedo na terra dos pais. Já o mencionado Zubieta foi justamente o técnico campeão com o Deportivo Español na quarta divisão, em 1958, pouco mais de um ano depois da fundação do clube, em outubro de 1956. O ritmo meteórico de ascensão foi mantido e em menos de dez anos os Gallegos (de uniforme nas mesmas cores da seleção espanhola) já estreavam na elite argentina: em 1960, também sob o comando de Zubieta, foi vencida a terceirona.
O acesso à elite veio em 1966. O Unión foi o campeão, mas uma segunda vaga se abriu e foi disputada em mata-mata do segundo ao nono colocado. Quinto colocado na temporada regular, o Español teve 100% de aproveitamento na fase posterior, batendo San Telmo, Temperley e Nueva Chicago. O treinador foi o iniciante Carmelo Faraone, e o feito o credenciou a assumir a própria seleção argentina no ano seguinte.
A estreia na elite foi um 6-1 sofrido para o River. O time, que mandava suas partidas no estádio do Tigre, conseguiu segurar um 0-0 em Avellaneda com o Independiente, vencer em Boedo os “primos” do San Lorenzo por 2-1 e o próprio River no Monumental por 3-1. Exceções em uma campanha ruim, a deixar os novatos em penúltimo no seu grupo, ainda que revelando futuros campeões da Libertadores: Christian Rudzky (curiosamente, um tcheco) pelo Estudiantes e Carlos Veglio, autor sobre o Cruzeiro do gol do primeiro título do Boca, em 1977. Foi necessário jogar um decagonal contra o rebaixamento. Alberto Cattania foi o vice-artilheiro dessa repescagem, mas os estreantes caíram.
O time chegou a voltar à terceirona em 1971 e só voltar dela em 1979, A volta à elite só se daria em 1984. Em alto estilo. Afinal, foi na primeira edição da segundona desde o amadorismo a contar com o gigante Racing, além das camisas tradicionais de Lanús, Gimnasia LP, Quilmes, Banfield, Nueva Chicago… todas ignoradas em uma campanha avassaladora em que o Español somou doze pontos a mais que o segundo colocado, em tempos em que a vitória só valia dois pontos. Oscar López e Oscar Cavallero foram os treinadores de um elenco cujo jogador mais renomeado era Héctor Candau, grande ídolo do sumido Atlanta.
O ritmo de ascensão dos anos 60 foi retomado e tornou o clube um ícone do futebol ochentoso. De cara, o Español obteve no um terceiro lugar na reestreia na elite, na temporada 1985-86 – com a mesma pontuação do vice, permitindo aos reestrantes liderarem a tabela de promedios. A ironia é que seu jogador mais renomado da vez sequer passou de seis partidas. Foi o zagueiro José Luis Brown, que não teve espaço, o que não o impediu de ir à Copa do Mundo de 1986 para abrir o placar na decisão.
O veloz atacante José Luis Rodríguez, El Puma, acabaria convocado à seleção no ano seguinte ao terminar entre os cinco artilheiros daquele campeonato. O seguinte foi decepcionante, com um 14º lugar, mas ganhando por 1-0 os dois dérbis com o Sportivo Italiano na história da elite (o rival do “clássico dos imigrantes” só esteve naquela temporada na primeira divisão. Curiosamente, de 1987 a 1989 outro time de colônia apareceu na elite, o Deportivo Armenio). No de 1987-88, Rodríguez foi artilheiro do campeonato, com o Deportivo ficando a três pontos de terminar entre os cinco primeiros.
O ímpeto se manteve na de 1988-89, encerrando o primeiro turno a dois pontos da liderança e terminando o torneio novamente em terceiro. Nesse período, outro gallego defendeu a Argentina, o volante Jorge Ortega, em 1989. Dali o time despencou para penúltimo no torneio de 1989-90. Os bons promedios acumulados, porém, o salvaram. Na nova década, as boas campanhas viraram exceção.
Salvo o Clausura 1992 (terceiro, a dois pontos do campeão Newell’s), o Clausura 1993 (a dois pontos do vice Independiente) e o Clausura 1995 (em quinto), o time sofreu para ficar na metade superior da tabela. Na campanha de 1995, Hugo Castillo foi vice-artilheiro do campeonato e tornou-se o último jogador do clube aproveitado pela seleção. Em paralelo, o time, com o mesmo fornecedor de material da seleção espanhola, emulava em seus uniformes (até no distintivo) as vestimentas da Furia entre 1994 e 1997, quando adotou a Puma.
Hoje o clube do bairro de Parque Avellaneda jaz na terceira divisão, sem disputar a segundona desde 2003. Mas as lembranças permanecem. Nosso amigo e consultor Esteban Bekerman, por exemplo, é também torcedor do Vélez, com quem o Español conseguiu um retrospecto equilibradíssimo de nove vitórias para cada um – com o detalhe de que seis das vitórias velezanas vieram a partir do vitoriosíssimo ciclo iniciado em 1993. Ao cornetar seu clube no twitter, Bekerman já soltou que “obrigado por me lembrar como o Español nos tinha de fregueses naqueles tempo. É sério, obrigado” e “‘‘Parem com isso, o Vélez mudou, já não é o time que perdia no último minuto com o Español’, gritei quando La Equidad ganhava. E sim: o Vélez mudou“.
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