Barras bravas de time da 4ª divisão humilham a polícia de Buenos Aires
Confusão não é novidade no ascenso argentino. E mais uma vez o pau comeu solto em jogo válido pela Primeira C, a quarta divisão do país para os clubes da Grande Buenos Aires. Em campo, o Laferrere era anfitrião para o Sportivo Dock Sud, o que, por si só, já prometia confusão, pois as pauladas de ontem foram uma espécie de “segundo tempo” de um conflito ocorrido no ano passado, quando veículos do Lafe foram incendiados na cancha do Docke. Mesmo assim, as autoridades perderam de novo para os barras. Furiosos, tentaram invadir o estádio para dar um trato nos “amiguinhos” do setor dissidente da própria barra. Sabiam que a polícia não deixaria.
Então, as duas facções foram para cima da polícia e a confusão começou. Enquanto um corredor polonês era feito para salvar os dirigentes visitantes, alguns delinquentes invadiam o campo para pegar os jogadores visitantes. Uma ação “heroica” dos policiais impediu o pior. Mas ao menos um deles já deve estar morto, neste momento.
Jogo acontecia na cancha do Villero, o pequeno clube de massa da distante e “perigosa” Gregório Laferrere, região de La Matanza, a casa do Lafe, o “Verde” do sudoeste bonarense. O visitante era o Dock Sud, o amado clube do peculiar bairro do mesmo nome, mas que cujo apelido, “inundado”, oferece uma rara dimensão das injustiças sociais que permeiam a sociedade argentina. É que no local se respira somente a atmosfera do Docke e da raivosidade em relação ao rival histórico, San Telmo, de Isla Maciel. A pouco metros do local, contudo, ao norte, se respira a atmosfera de uma Argentina moderna, turística, representada na grandiloquencia de Puerto Madero.
O “primeiro tempo” da briga aconteceu em abril do ano passado, quando o Laferrere foi jogar na casa do Dock Sud. A equipe local perdia por 1×0, quando seus barras ameaçaram entrar em campo para dar “um trato” nos jogadores rivais. Enquanto a polícia se ocupava de proteger todos em campo, outros barras se ocuparam de incendiar alguns veículos dos dirigentes rivais. Veja a imagem abaixo:
Na data de ontem, 02/03/2015, teve o troco. Só que todos sabiam que isto iria acontecer, inclusive o secretário dos esportes de Buenos Aires, Alejandro Rodríguez. O político disse que o operativo policial foi o suficiente e que não sobrou nada de grave para elenco e dirigentes do Dock Sud. Contudo, a miopia – ou má fé e canalhice – de Rodríguez não explica os 14 policiais que saíram feridos do evento e a possível morte de um deles, além de dois outros que ainda lutam pela vida.
A confusão
O jogo rolava numa boa até os 27 minutos da etapa final. Foi então que explosões fora do estádio sinalizaram aos jogadores, em campo, que a confusão seria grande e que parte dela poderia sobrar para eles. Diego Jaime, atleta do Dock, disse que “de uma hora a outra, viu que os seus dirigentes, na tribuna, eram convencidos a sair às pressas e que um amontoado de gente logo se fez em torno deles para que saíssem com seus familiares”. Jaime se referia ao verdadeiro corredor polonês, feito pela polícia, para dar conta da “fuga” dos dirigentes visitantes.
E este corredor foi feito não apenas por policiais, que eram cercados pelos barras, mas por outros torcedores do Lafe, que foram responsáveis por salvar os cartolas rivais. “Depois disso”, continua Jaime, “os nossos reservas entraram em campo para avisar ao árbitro que o jogo deveria ser encerrado, pois precisávamos salvar nossas vidas”.
Tudo indica que a confusão foi mais planejada do que pensam as autoridades locais. Nada aconteceu antes do jogo e nem mesmo no translado do elenco visitante pelas ruas de La Matanza. Já no segundo tempo, um grupo dissidente da barra tentou entrar no estádio, que já contava com quase 10 mil pagantes e que conta com uma capacidade para 12 mil. Cálculos estimam em mais de quatro mil hinchas querendo forçar os portões. Setecentos deles – duzentos, para o secretário Rodríguez – foram diretamente para cima da polícia. Os barras sabiam que a maneira de começar a confusão seria justamente a de tentar entrar no estádio sem ingressos. A ideia parecia a de retirar o efetivo policial do estádio de forma a que chegassem no elenco do Docke.
Fora de cancha, uma batalha campal passou a ser mais importante do que o jogo que minutos antes se realizava para os 10 mil torcedores nas arquibancadas. Emboscadas esperavam os policiais em cada esquina. Atrás de “trincheiras”, alguns homens da lei eram isolados para apanhar até a morte. O “esperado” confronto entre os dissidentes da barra deu lugar a união dos irrestrita dos “marginais” para surrar os policiais.
De forma humilhante, os carros do efetivo bonarense eram tomados pelos barras, que roubavam suas armas pesadas. Nos becos, as cenas davam conta de amontoados de barras socando e chutando um ou outro dos homens da lei. Ao fim do confronto, 14 deles deram entrada nos hospitais. Três em estado gravíssimo; um deles, já morto, possivelmente, neste momento. Quanto aos barras, dos “200” deles que atacaram a polícia, apenas dois foram detidos.
Momentos antes, em campo, um elenco inteiro corria para os vestiários, contando até com a ajuda de jogadores locais, que colocavam os seus próprios corpos à frente da avalanche de gente que tentava chegar nos jogadores do Docke, assim como à frente das bombas, pedaços de pau e pedras, que eram atirados nos inimigos da região miserável, abaixo do elegante Puerto Madero. “No vestiário, estávamos entrincheirados, sem nada saber sobre a situação lá de fora”, disse Jaime.
E Continuou: “Escutávamos as bombas e os gritos ferozes, que juravam-nos de morte”. A polícia que nos guardava dizia que uma hora depois sairíamos dali. Uma hora se passou e a impressão era de que nem eles sabiam o que fazer. Saímos de lá duas horas depois.
O acordo
O que Jaime não sabia, e que as autoridades não assumem, é que num certo momento no vestiário, os barras concordaram em deixar o elenco do Docke partir. Para tanto, contudo, uma condição era imposta; a de que os jogadores entregassem todas as suas roupas. Não ficou claro se também as roupas pessoais ou apenas as vestimentas oficiais do Dock Sud. A condição teria sido aceita pelas autoridades, que temiam por um provável aumento do efetivo dos barras ao cerco.
Experientes em lidar e “apanhar” dos barras bravas, os policiais sabiam que logo os “marginais” venceriam a batalha fora do estádio e se somariam àqueles que cercavam o vestiário visitante. De certa forma, louvaram a proposta dos torcedores, ao mesmo tempo em que se deram conta de que ela só existiu pois os hinchas enlouquecidos já tinham cumprido bem com ao menos um dos objetivos prévios à confusão: humilhar a policiais, roubando-lhe armas e surrando-os.
Prova do que dissemos está em que na data de hoje, uma operação policial de surpresa chegou a um barracão secreto de alguns barras e prenderam cinco integrantes da torcida. Desgraçadamente, só havia quatro armas calibre 9 milímetros e uma escopeta. As demais armas pesadas foram escondidas pelos barras, provavelmente imaginando a visita “surpresa” das autoridades. Um deles, Silvio Hernán Gómez, tentou fugir, foi baleado na cabeça e está internado. Trata-se do que poderia ser um mero bandido comum, mas um incrível cerco policial ao local, impede que outros barras apareçam para libertar Hernán Gómez. O “respeito” dado a Gómez é do tipo daqueles oferecidos pela polícia norte-americana a algum mafioso ferido e hospitalizado, à época da grande depressão.