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Conca não é o primeiro argentino em três grandes cariocas. Relembre Alfredo González

O ídolo tricolor e outrora promessa vascaína não lapidada foi oficializado como reforço rubronegro em 2017. Darío Conca voltará ao Rio de Janeiro sob a esperança flamenguista de que reedite o desempenho notável performado nas Laranjeiras entre 2008 e 2010. À primeira lembrança, estaria trilhando o caminho inverso de Narciso Doval (que hoje faria 73 anos), que passou do Fla ao Flu nos anos 70. Ainda que também haja registros de Doval com a camisa do Vasco, o único outro argentino a defender tantos grandes cariocas é Alfredo González, nos quatro.

González apareceu no futebol profissional em 1932, quanto tinha 17 anos, após vencer pela surpreendente seleção de sua cidade de Bolívar o campeonato argentino de seleções regionais, ainda prestigiado na época. Foi adquirido pelo Talleres da cidade de Remedios de Escalada (sobrenome da esposa do general José de San Martín, herói libertador de Argentina, Chile e Peru). Mencionamos este clube nas duas notas anteriores; trata-se do rival original do Lanús, não o Banfield, não devendo também ser confundido com o Talleres de Córdoba. Havia sido um dos dezoito times que haviam fundado no ano anterior a liga profissional, rebelando-se contra a associação argentina oficial (contamos ontem).

Embora ausente da elite desde 1938, o clube que revelou Javier Zanetti e Germán Denis tinha proeminência na época: Ángel Bosio, o goleiro argentino titular na maior parte da Copa do Mundo de 1930, fora convocado desse time, que chegou a contar em 1936 com o mítico uruguaio José Leandro Andrade e revelou o zagueiro José Salomón, três vezes campeão da Copa América e que chegou a ser por trinta anos o recordista de jogos pela Argentina. González, que podia jogar na meia-esquerda ou na meia-direita, jogou seis vezes em 1932, sem marcar – vale a curiosidade de que o vice-artilheiro do campeonato era seu colega Hugo Lamanna, que depois jogaria no Vasco. Mas em 1933, González só esteve uma vez em campo. O titular indiscutido era Aníbal Troncoso, jogador de seleção nos anos 30.

Os primeiros gols vieram em 1934, na vitória por 2-1 sobre o Gimnasia LP e em um 1-1 com o Argentinos Jrs. Foi em um campeonato pitoresco: a liga enxugou os dezoito fundadores para quatorze, “rebaixando” Quilmes e Tigres para o campeonato de aspirantes e unindo os elencos dos rivais Lanús e Talleres, assim como o de Atlanta e Argentinos Jrs – união esta que já havia cessado quando González marcou. O meia se firmou em 1935, quando a fórmula original com os dezoito fundadores foi retomada. Jogou 24 vezes e marcou nove (incluindo um em um 3-1 fora de casa sobre o rival Lanús), ajudando os alvirrubros a fazerem sua melhor campanha no profissionalismo, um 10º lugar – em todas as outras, o Talleres, ausente desde 1938 da elite, ficou entre os três últimos.

Os clubes argentinos de González: Talleres de Escalada (penúltimo agachado; o primeiro em pé é o lendário uruguaio José Leandro Andrade) e Boca

Em 1936, o meia começou o campeonato ainda no Talleres, somando cinco gols em doze jogos, sendo adquirido pelo Boca (campeão de 1935) com o torneio ainda em andamento. Veio de Escalada junto com o volante Francisco Angeletti e o defensor Carlos Wilson, que havia jogado a Copa América de 1935. Marcou mais sete vezes, incluindo no ex-clube (3-0), no velho rival (1-1) e no novo, em derrota de 2-1 para o campeão River. Compôs ataque com duas lendas: o último sobrevivente da Copa de 1930, Francisco Varallo, falecido em 2010 aos cem anos; e o veterano Raimundo Orsi, vice olímpico pela Argentina em 1928 e campeão da Copa de 1934, com gol na final, pela Itália. González foi titular no campeonato de 1937, com 12 gols (incluindo outro no River, em vitória por 2-1) em 27 jogos.

Em 1938, somava quatro em dez partidas, incluindo um no 7-1 sobre o pobre Talleres, quando teve o passe vendido a um clube francês. Mas o capitão do navio preferiu parar no Rio de Janeiro, cauteloso diante do estouro da Segunda Guerra Mundial. González e outro colega de Boca, Francisco Provvidente, foram autorizados a jogar um amistoso pelo Flamengo contra o Atlético Mineiro: marcaram ambos duas vezes em um 5-1, despertando interesse. O Diário de Notícias de 20 de agosto de 1938 registrou que o desempenho fez González ser sondado pelo America, até então com a mesma quantidade de títulos cariocas que o Flamengo – falamos aqui que os rubros haviam sido justamente o primeiro clube brasileiro a apostar largamente em hermanos, trazendo sete ainda em 1934.

González e Provvidente terminaram ficando na Gávea, causando um imbróglio: um categórico telegrama do Boca (“González no tiene pase del club sigue carta“) foi claro em inicialmente recusar a ceder o passe já negociado com os franceses. A CBD estaria disposta a intervir perante a FIFA, mas Flamengo e Boca terminaram se resolvendo ao telefone. O Estadual foi perdido por quatro pontos para o Fluminense, apesar de uma vitória por 5-2 no Fla-Flu com González marcando duas vezes. O argentino teve ainda o gosto de marcar três em um 5-0 (Agustín Valido, também ex-Boca, fez outro) sobre o Botafogo em pleno campo de General Severiano, assim como em um 3-1 sobre o America, um clássico da época. Em amistosos, destaque aos três gols da vitória por 3-1 sobre o Corinthians.

O Flamengo ganhou o estadual seguinte, com uma legião argentina: Provvidente saíra, mas estavam lá González, Valido e também três ex-jogadores da seleção: o ex-colega Orsi, Carlos Volante e Arturo Naón, maior artilheiro do Gimnasia LP. Os cinco estiveram também entre os dezessete que aderiram à organização do sindicato de jogadores profissionais, conforme o Diário de Notícias de 30 de junho de 1939. Eram os anos do Platinismo, expressão de Mário Filho para designar a busca dos clubes brasileiros mesmo por argentinos veteranos e/ou de segunda linha – que ainda assim faziam sucesso. O fenômeno veio com as constantes goleadas portenhas em jogos de seleções (um 5-1 em São Januário em 1939, pior derrota brasileira caseira até os 7-1 em 2014; um 6-1 e um 5-1 em 1940).

Com Domingos da Guia e Varallo (agachado) no Boca. Com Dacunto no Vasco. Com Santamaría (em pé à esquerda) e Heleno de Freitas no Botafogo

Nos clássicos da campanha campeã, González vazou Botafogo (3-1), Fluminense (2-1) e Vasco (3-0 e 4-0, este sendo o jogo do título,  com Valido marcando outro). Foi o primeiro título flamenguista no profissionalismo, encerrando o maior jejum rubro-negro, doze anos. No dia do réveillon para 1940, o meia também marcou em um 2-1 amistoso contra o Independiente, então bicampeão argentino. O Boca, assim, trouxe González de volta para 1940. Não era campeão desde 1935, o suficiente para ser seu maior jejum até então. Na pré-temporada, o meia fez em empate em 2-2 com o San Lorenzo. O clube, que naquele ano inaugurou La Bombonera, enfim seria campeão, mas com contribuição nula do reforço: jogou só na terceira rodada (1-1 com o Ferro Carril Oeste). Foram 115 partidas e 42 marcados por ele no campeonato argentino, segundo o blog Talleres de Escalada.

Ele voltou ao Rio de Janeiro ainda em 1940 para defender o Vasco – que havia acertado com o Boca a saída dos hermanos Bernardo Gandulla e Raúl Emeal. Os cruzmaltinos viviam situação similar à dos bosteros, não vencendo desde 1936 o Estadual. Também tinham uma colônia platina, com os argentinos José Dacunto e Américo Menutti e os uruguaios Segundo Villadóniga, Emanuel Figliola e (o técnico) Carlos Scarone – e um dos brasileiros, Zarzur, jogara no San Lorenzo. González foi vascaíno naquele ano e no seguinte, fazendo a sua parte: gols nos clássicos contra America (2-1; o time da Tijuca ainda tinha mais títulos estaduais que o da Colina) e Flamengo (1-1) em 1940 e contra Flamengo (1-2) e Botafogo (dois em um 4-0 e outro em um 2-2) em 1941.

Faltou gol justamente sobre o Fluminense, campeão em ambos os anos com dois pontos de vantagem em 1940 e três em 1941. O Tricolor, aliás, era cheio de argentinos no bi: Esteban Malazzo, Américo Spinelli, Vicente Cusatti, Ángel Capuano, Armando Renganeschi, Juan Carlos Verdeal, Juan Della Torre (titular da Copa de 1930 e um dos trazidos pelo America em 1934) e, especialmente, Luis María Rongo (além do brasileiro Moisés, ex-Boca). Em 1942, González manteve-se alvinegro, agora pelo Botafogo, que não vencia desde 1935. Lá, encontrou um argentino ex-seleção e Fluminense, Carlos Santamaría. O campeonato terminou perdido por um mísero ponto para o Flamengo.

Nos clássicos, González fez como botafoguense sobre America (2-1) e Vasco (3-3, 5-1 e 4-2) em 1942. Em 1943, General Severiano também resolveu abrigar uma panelinha argentina e trouxe o técnico Mario Fortunato (tricampeão no Boca nos anos 30) e, do Racing, o atacante José Díaz. González seria até os anos 70, quando foi superado pelo também argentino Rodolfo Fischer, o estrangeiro com mais gols pelo Fogão. Mas o time de 1943 foi um fracasso: os alvinegros ficaram em sétimo, sua pior colocação até então, enquanto o Flamengo os ultrapassava ao obter o nono título. O meia só atuou no primeiro turno, indo ainda em 1943 ao Palmeiras.

Volante, Valido, Orsi, Naón, Flávio Costa, Jarbas, Caxambu, Carlinhos, González e Médio da Guia; Marin, Domingos da Guia, Walter, Yustrich, Newton, Artigas, Gerico, Leônidas da Silva e Sá. Como jogador no Rio, González só foi campeão no Flamengo. E Conca?

Em 1944, González voltou a ser campeão, agora paulista, por sinal junto com os ex-colegas Dacunto e Villadóniga (e um brasileiro ex-Racing, Og Moreira, e outro ex-Gimnasia LP, Caxambu). Como palmeirense, pendurou em 1946 as chuteiras. Como técnico, além de ser vice da Libertadores de 1968 pelo próprio Palmeiras, o argentino continuou virando casacas. Ganhou o Gauchão de 1960 pelo Internacional, mas também esteve no Grêmio. Em Pernambuco, venceu com o Santa Cruz (1957) e o Náutico (1963), passando também pelo Sport. Já a passagem pelo Fluminense veio em 1967.

Não era o melhor momento do Tricolor, com quatro técnicos no ano: começou com Aymoré Moreira e terminou com Tim no Robertão, onde foi sexto em um grupo de sete. Para o Estadual, realizado após o Robertão, González substituiu Tim, que em seguida faria história na Argentina treinando em 1968 o primeiro campeão invicto no profissionalismo (o San Lorenzo, de onde ele por sinal pinçou Doval ao vir para o Flamengo em 1969). Mas o argentino não durou até a 10ª rodada. Começou perdendo para o Botafogo (1-0) e até venceu Vasco e America (ambos por 2-1), mas caiu após derrota de 3-1 no Fla-Flu. Foi assim que começou a celebrada carreira de Telê Santana, técnico juvenil nas Laranjeiras convidado a assumir interinamente o time principal.

No Fluminense, González recusou ninguém menos que Gérson em prol de Suingue e Rinaldo – com os quais, vale ressaltar, seria vice da Libertadores de 1968 pelo Palmeiras. O que havia feito o argentino virar tricolor em 1967 fora sua estrela em 1966 por outro time carioca: o Bangu, ali campeão pela segunda e última vez, na última ocasião que o Estadual não foi vencido por algum dos quatro grandes. Foi em curiosa final de técnicos argentinos contra o Flamengo, treinado pelo citado Renganeschi. Detalhamos no mês passado essa história quando ela completou meio século: clique aqui.

No Rio de Janeiro, González trabalhou também no Madureira e no Volta Redonda. Haja camisas cariocas para um personagem que merece sair do esquecimento de quem não tem conhecida a data da morte – “Alfredo González (…) é uma das maiores expressões do nosso futebol, infelizmente sem o cartaz que merece”, assegurou Mário Américo à Revista do Esporte de 18 de abril de 1959.

Clique aqui para acessar nota de 2014 sobre outros argentinos vira-casacas pelo Brasil.

Como treinador, González esteve no Fluminense (à esquerda) graças ao título estadual com o Bangu (à direita) em 1966. Sua saída do tricolor iniciou a carreira de Telê Santanta

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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