A emoção que faltou na segundona mais cruel das últimas décadas sobrou no jogo de um acesso cantado há meses, embora matematicamente definido “só” na antepenúltima rodada. Gigante do interior, o Talleres volta à elite após longos doze anos, o maior hiato vivido por La T desde que os alviazuis viraram há quatro décadas figura cativa no calendário principal do futebol argentino. O ex-colorado e vascaíno Pablo Guiñazú fez o gol que encerrou a espera.
O clube brilhara nos anos 70 nos torneios nacionais, campeonatos que reuniam os melhores times das ligas do interior com os do campeonato argentino – renomeado “metropolitano”por ser circunscrito à Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe e mais valorizado pelos puristas. Pois o próprio Talleres, segundo time com mais representantes na Copa de 1978 (abaixo só do River: Luis Galván, Daniel Valencia, que com o goleiro Héctor Baley iriam também à de 1982, e Miguel Oviedo), acabou incluso no metropolitano a partir de 1980.
Mas após o envelhecimento da geração setentista, esse reconhecimento se virou contra a estrutura tallarin. Os cordobeses viraram coadjuvantes por um bom tempo até uma nova geração, de Diego Garay, Rodrigo Astudillo, Mauricio Cuenca e Julián Maidana, lograrem a Copa Conmebol de 1999 e uma inédita classificação à Libertadores, para a edição de 2002. Mas o despenque foi pior. Enquanto jogava a Libertadores, o clube foi o último da tabela agregada na temporada 2001-02. Na seguinte, já precisou da repescagem para livrar-se do rebaixamento.
Isso cobrou um preço cruel na seguinte: La T fez um excelente Clausura 2004, um terceiro lugar a cinco pontos do campeão River e isso teria lhe classificado à Sul-Americana. Mas as médias baixas das duas temporadas anteriores mantiveram o clube na situação de repescagem e os dois jogos dela foram perdidos para o Argentinos Jrs. Embora viesse a revelar Javier Pastore, o Talleres desceu mais algumas ladeiras, chegando à terceirona. Foi nesse ioiô que vinha adormecendo.
A Primera B Nacional de 2016 premiaria apenas o campeão com o acesso, um contraste enorme com a possibilidade de quatro vagas implantada em 1999 – e, desde os anos 80, de duas. Aliás, a segundona chegara recentemente, no segundo semestre de 2014, ao cúmulo de promover de uma vez dez acessos. Na ocasião, o destino havia sido cruel com o Talleres. O clube festejara seu centenário em 2013 celebrando o título da terceirona de 2012-13. Contudo, logo caiu de novo, na temporada 2013-14, ficando de fora da mamata indecente ocorrida no semestre seguinte. O que só valoriza seu retorno agora, emendando novos acessos.
Nessa segundona, o Talleres venceu só quatro vezes por mais de dois gols de diferença (destaque ao 3-0 fora de casa no Juventud Unida). Mas simplesmente ainda não perdeu. Foram 14 vitórias em 19 jogos. Pulverizou qualquer chance realista do segundo colocado, o tradicional Chacarita, com quem duelará só na última rodada. O Chaca hoje goleou por 4-0 o Independiente Rivadavia, mas faltando duas rodadas permanecerá oito pontos atrás dos cordobeses.
Isso porque os cordobeses protagonizaram um épico no estádio Malvinas Argentinas, diante do caseiro All Boys. Artilheiro do campeonato, Germán Lesman pôs o Albo à frente já no fim da partida. O alviazul Rodrigo Burgos foi expulso e o 1-0 era o placar até os 43 minutos do segundo tempo. Foi quando Gonzalo Klusener, artilheiro do elenco tallarin, empatou. No quarto minuto de acréscimo, El Cholo Guiñazú, que não fazia um gol desde 2009, acreditou em bola espirrada e soltou uma bomba de fora da área para decretar a virada do acesso.
Além de Guiñazú, o clube tinha outro campeão de Libertadores consigo: o veterano Mauricio Caranta, do Boca de 2007 e revelado justamente em um rival – o Instituto, que com o jovem Paulo Dybala batera na trave em 2012 (com o “futebol mais bonito do país”, segundo Riquelme) e agora foi o último colocado. Das caras jovens, o destaque maior é o atacante Nazareno Solís, pré-convocado para as Olimpíadas.
O grande artífice do salto, porém, é o técnico Frank Kudelka, que em uma segundona mais complicada, com presença do Independiente, havia feito belo trabalho ainda que sem louros no Huracán. La T está invicta há muito mais tempo, 53 partidas. A estatística se desvaloriza com tantos adversários mesmo medianos ausentes nessa trajetória, presentes na congestionada elite. Mas ela agradece: enfim voltaremos a ter na primeira divisão o clássico mais vezes realizado na Argentina, o cordobês (ocorrido pela última vez na elite em 2002), contra o Belgrano. Que foi eliminado pelo arquirrival, ainda na terceirona, na Copa Argentina de 2013…
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