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Cinco anos sem Delém

Ontem se completaram 5 anos da morte de Vladém Lázaro Ruiz Quevedo, conhecido no mundo do futebol como Delém. Foi um dos brasileiros que mais tempo atuou no futebol argentino, onde também é lembrado como descobridor de talentos.

O paulista Delém começou a carreira no Grêmio, sendo vendido ao Vasco, onde conquistou o título carioca de 1958. Três anos depois, foi vendido ao River Plate, em um momento em que os jogadores brasileiros eram muito valorizados no mercado local, em grande parte pelo título mundial conquistado na Suécia, enquanto os argentinos haviam sido despachados ali na primeira fase após sofrer um 6 a 1 da Tchecoslováquia. O Boca Juniors trouxe jogadores como Paulinho Valentim, Almir Pernambuquinho, Dino Sani, Orlando e o técnico Vicente Feola. Os três últimos, campeões na Suécia. Valentim e Almir estiveram na Copa América realizada na Argentina um ano depois.

Delém não fora à Copa de 1958 nem à Copa América, mas estava valorizadíssimo: pela seleção, somou quatro gols em três jogos contra a Argentina em 1960, dois deles em um 4-1 em pleno Monumental de Núñez (ainda a maior goleada do Brasil contra a rival na casa adversária) pela Copa Roca e outro em um 5-1 no Maracanã (ainda o clássico favorável com mais gols de diferença) pela Taça do Atlântico. O River também trouxe outros brasucas na época. Segundo seu presidente, Antonio Vespucio Liberti, “o River não pode comprar jogadores baratos. Este clube é como o Teatro Colón: não é para qualquer um”.

O atacante Paulinho de Almeida, ex-flamenguista e ex-palmeirense com gol pelo Brasil em Wembley, já havia aparecido em 1960 em Núñez. Não vingou, mas para 1961 o Millo importou de uma vez o meia Moacyr, campeão mundial em 1958 – e que, junto com Delém e o ex-são-paulino Roberto Frojuello, levou a melhor sobre os hermanos na Copa Roca de 1960. Também do Flamengo, chegou o defensor Décio de Castro, enquanto o Peñarol cedia Salvador (com passagem pela dupla Grenal) para levar o peruano Juan Joya. Roberto (duas vezes) e Delém, aliás, marcaram os três gols de um 3-2 sobre o Real Madrid de Alfredo Di Stéfano em pleno Santiago Bernabéu em 1961, quebrando jejum de oito anos de invencibilidade (incluindo amistosos) dos merengues em casa contra estrangeiros.

Porém, ao longo de 1961 a legião brasileira não manteve o fôlego promissor demonstrado no início do ano, diante de um Racing imparável que soube liderar literalmente todas as rodadas do campeonato – o time de Avellaneda foi campeão com nove pontos de vantagem em tempos em que vitórias ainda valiam só dois e não três pontos, amostra do domínio do campeão.

Como coordenador das categorias de base do River, teve em Ariel Ortega e Matías Almeyda (ambos à direita) algumas das primeiras joias que lapidou

Somente Delém e Roberto ficaram para 1962, quando a amargura teve outra faceta, a de um título que escorreu pelos dedos justamente para o arquirrival. E teve mais: o Boca não era campeão havia longos oito anos. A dupla estava igualada na liderança até a penúltima rodada, quando houve na Bombonera o Superclásico do segundo turno. O duelo do primeiro turno já havia sido histórico, com o River vencendo de virada ao marcar três gols em três minutos seguidos; o último deles, de Delém, em chute forte de longa distância aos 8 minutos do segundo tempo. A virada-relâmpago (Luis Artime havia feito os outros dois) por 3-1 fora demais ao rival Norberto Menéndez, expulso seis minutos depois do gol brasileiro.

Mas aquele feito acabaria ofuscado pelo desfecho da revanche, protagonizada por brasileiros. Paulinho Valentim, de pênalti, abriu o placar… que Delém, também de pênalti, poderia ter igualado a cinco minutos do fim. Por mais que o goleiro adversário Antonio Roma se adiantasse escandalosamente até mesmo para os padrões liberais da época (basta lembrarmos da vista grossa até mesmo nas finais das Ligas dos Campeões de 2003 ou 2005, há menos tempo), a perda da cobrança assombraria para sempre o brasileiro, que viraria aqueles “ídolos sem unanimidade” – pois sempre haveria aqui e ali algum torcedor rancoroso com aquele lance.

Ironicamente, aquela havia sido individualmente a melhor temporada de Delém, cujos 19 gols o deixaram em terceiro na artilharia do torneio. Foi mais do que a soma de gols que distribuiu nos anos seguintes, seja por ser escalado mais recuado (com a ascensão de Ermindo Onega para a dupla com o goleador-mor Artime) ou pela gradual perda de espaço em anos duros para o River. O clube amargava um jejum de títulos que chegaria a 18 anos (de 1957 a 1975), e incluiu uma sequência de títulos perdidos de forma dolorosa, normalmente pela liderança se perder na reta final em reencontros com o Boca. Isso aconteceu em 1963, favorecendo o Independiente, e em 1965, quando a dupla principal voltou a protagonizar a corrida pela taça.

Outro vice especialmente amargo foi a Libertadores de 1966, a render a alcunha gallina para referir-se ao clube, derrotado na finalíssima pelo Peñarol após chegar a estar vencendo por 2-0. Àquela altura, Delém já não era figura frequente: não jogou nenhuma das três finais realizadas contra o clube uruguaio e, ao longo daquela Libertadores, só atuou cinco vezes como titular, sobretudo na primeira fase de grupos; já na disputa paralela do campeonato argentino de 1966 (por sinal, um novo vice, para o Racing), só jogou seis vezes.

Delém saiu do River em 1967 (onde seu único gol foi inclusive na Libertadores, em 7-0 sobre os bolivianos do 31 de Octubre) e teve rápidas passagens por Chile – integrando a campanha semifinalista da Universidad Católica na Libertadores de 1969 – e Brasil antes de encerrar a carreira de jogador.

Delém de óculos escuros – e muitos pupilos conhecidos: René Lima, Rubens Sambueza, Germán Lux, Maxi López, Adrián Romero, Juan Pablo Carrizo, Andrés D’Alessandro, técnico Jorge Ghiso e preparador físico Javier Ciliberti; Federico Almerares, Juan Carlos Menseguez, Matías Argüello, Fernando Capobianco, Lucas Mareque, Gastón Fernández, Osmar Ferreyra e Javier Mascherano

Logo em seguida, iniciou a carreira fora dos campos como auxiliar técnico de Didi. Chegou a treinar clubes importantes da Argentina, sendo nessa carreira especialmente lembrado por trabalhos no próprio River (em 1973 – inicialmente como interino após a saída de Juan Urriolabeitia, acabou efetivado para o restante da temporada ao conseguir doze pontos nos primeiros quinze possíveis e promoveu no clube a estreia de um ainda iniciante goleiro Fillol); um forte Huracán, onde foi vice-campeão em 1975, ironicamente para o River; e Argentinos Jrs, onde chegou a treinar Maradona, em 1979. Foi o único brasileiro a ser técnico de Dieguito.

Como treinador, Delém teve ainda trabalhos rápidos para as camisas fortes do Vélez (1976, chegando a ser expulso dali pelo barrabrava Raúl Gámez, futuro presidente velezano nos vitoriosos anos 90) e do San Lorenzo – para substituir em 1980 ninguém menos que Carlos Bilardo. Ainda garantiu em 1986 o Gimnasia de Jujuy na primeira edição nacionalizada da segunda divisão (até então restrita a clubes da Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario), ao levantar o título provincial jujueño. No entanto, a grande marca deixada por ele foi sua participação nas categorias de base millonarias.

Nos anos 1990, o River teve uma década vencedora, com uma grande equipe formada por muitos jovens recém saídos das categorias de base do clube. E lá estava Delém: Ortega, Crespo, Gallardo, Almeyda, Aimar, Saviola, D’Alessandro, Cavenaghi, Mascherano, Higuaín, Carrizo, todos eles em algum momento passaram pelas mãos do brasileiro e renderam dividendos com taças e/ou gordas transferências ao exterior.

No ciclo como coordenador da base do Millo, Delém inclusive pôde até dizer-se, enfim, campeão na equipe principal, algo que tanto havia lhe escapado como jogador: pois foi o técnico interino na primeira rodada do vitorioso Clausura 2000 (vitória de 2-1 sobre o Instituto de Córdoba, como visitante), enquanto Américo Gallego não assumia ainda o cargo vago com o surpreendente pedido de demissão feito por Ramón Díaz ao fim da pré-temporada.

Demitido em 2001 pelo presidente recém-eleito José María Aguilar por conta da proximidade com antecessores opositores, teve uma rápida passagem pelos juvenis do Ferro Carril Oeste antes de se retirar de vez do futebol. Delém morreu em 28 de março de 2007, como um ídolo do River Plate, que desde a sua saída deixou de ter rendimentos tão bons com suas canteras (o que se refletiu na decadência do futebol millonario no início do século XXI).

Como espectador no Monumental de Núñez, sua segunda casa
Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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  • O Aguilar fez uma gestão horrivel, talvez o principio do fim foi a demissão do Delém, por ser uma bandeira histórica e tamanho os serviços prestados ao clube, daria para montar uma verdadeira seleção de jogadores revelados por ele: Carrizo; Demichelis, Garcé e Mascherano; Gallardo, Almeyda, Ortega, Aimar e D'Alessandro; Saviola e Crespo... Que time hein?!!!

  • Ele foi tratado como uma peste pelo gordo chorro do Aguilar. A cantera millonaria parou de revelar craques. O clube precisou comprar jogadores de qualidade duvidosa. Anos depois, o rebaixamento. Tudo a ver.

    Se tem algo do River que eu sempre quis no Boca, era aquilo que o Delem comandava: a cantera.

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