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Centenário de Ángel Labruna, o maior símbolo e campeão do River

Descobri Ángel Amadeo Labruna Cavatorta em 1999, lendo aos dez anos edição especial da Placar sobre os cem maiores craques do século XX. Ele foi escolhido o 25º, à frente, por exemplo, de Gerd Müller, Van Basten, Leônidas, Friedenreich, Falcão, Tostão, Jairzinho, Careca… dentre os argentinos, estava atrás somente de Maradona, Di Stéfano e Passarella. Cada perfil tinha um título, normalmente o apelido, o feito principal ou uma característica do jogador. O apelido de Labruna era El Feo, “O Feio”, em alusão aos dentes tortos. Mas o título da nota dedicada a ele sobre era simplesmente “Monumental de Núñez”, como se Labruna, que hoje faria 100 anos, fosse o River Plate em pessoa. É compreensível, como se mostrará agora.

O filho do meio Amalia Cavatorta foi nada menos que o homem mais vezes campeão pelo time no século XX, somando-se taças como jogador e técnico, quinze (superado em 2017 por Marcelo Gallardo); chegou a ter estes dois recordes também de forma separada. E é o maior artilheiro do Millo, com 293 gols. Também é o maior goleador do Superclásico no campeonato argentino, vazando 16 vezes o Boca – detalhe: esses 16 gols serviram sempre para ou empatar ou dar a vitória sobre o grande rival. O aniversário de Labruna foi alçado nada menos a “dia internacional do torcedor do River”. Ele dizia que “o River não é a metade mais um. É o país menos alguns…”. Além das ligações com o clube, ele também é o mais velho a jogar (incluindo em Copa do Mundo) e marcar pela Argentina. Foram 20 anos como profissional no verde césped, como ele chamava o gramado do Monumental de Núñez, com 515 jogos, e 15 na seleção; até então, outros recordes também (Amadeo Carrizo passou 21 anos e Reinaldo Merlo chegou aos 526 jogos; na seleção, Maradona, Ortega e Zanetti chegaram aos 17 anos).

O amor pelo River começou cedo, a ponto de nos inícios praticar basquete e ginástica pela Banda Roja (“exceto nadar, aí aprendi até pingue-pongue”, afirmou), do qual era o sócio 2.045 já com 8 anos de idade; o pai autorizava-o nesses outros esportes, mas demorou a ceder ao futebol. A loja de relógios de seu pai, sócio 580, que continha na parede uma foto envidraçada e autografada do superartilheiro Bernabé Ferreyra “a um craque brotando”, ficava a só duas quadras do estádio que o clube tinha na Recoleta, antes da mudança para a zona de Núñez em 1938. O pai, Angelo, italiano de Avellino, queria que o filho continuasse nos negócios de relógios (“não entendo nada, sei comprar umas peças e só”). Labruna, que por causa da empresa familiar foi inicialmente apelidado de El Relojero, afirmou que teria seguido no basquete se tivesse conseguido um emprego. “Menos mal que não me conseguiram”, disse com humor.

Como jogador de basquete do River; com Moreno e Pedernera em 1942; e veterano, em 1955, já aos 37 anos

Os primeiros chutes se deram em um time de rua, o Barrio Parque. O talento fez com que o próprio presidente millonario Antonio Liberti (nome oficial do Monumental) criasse uma sexta categoria juvenil. Ficaria cinco anos na base. E arrumaria até a esposa lá: aos 16 anos, conheceu Guillermina Josefina Ana Carrasquedo em um baile na sede social. Ela logo viraria Anita Labruna, não se separando mais. Ele tinha estilo (popularizou a matada de bola curvando a costa para trás), chutava bem com as duas pernas, era astuto para tocar de primeira, inteligente para armar jogo e (postura rara na época) se desmarcar. E tranquilo e sereno na área e muito raçudo: “o mais importante são as condições técnicas, o talento, a malícia. Mas se além de tudo isso tem garra, então se aproxima do ideal. Essa palavra é a que mais eu gosto de aplicar ao futebol: garra”, disse ele, que compensava o 1,73 m e 70 Kg ao saber usar os cotovelos para abrir caminho.

A garra era sem excessos: “era uma rivalidade que, felizmente, começava e acabava dentro de campo, só existindo, gloriosamente, naqueles 90 minutos”, afirmou à própria Placar em 1978 sobre seus jogos contra o Brasil. “Naquele tempo, os jogos eram mais vividos e difíceis. Estádios menores, campos piores – o jogador sentia, realmente, a presença (…) da torcida contrária. Não se tinha essa facilidade de viajar apenas duas horas de avião, ficar em ótimas concentrações. Antes, a gente viajava vários dias de vapor ou por estradas – e isso ia fomentando, dentro da gente, o ambiente do jogo”. E Labruna, é claro, era um goleador. O colega Walter Gómez, nove anos mais novo, afirmou que “quando Labruna entrava na área para definir, eu virava para gritar o gol”. Claudio Vacca, ídolo no gol do Boca nos anos 40, diria que “via Labruna entrar curvado sobre a bola e sabia que não tinha jeito. El Feo a colocava onde eu não podia chegar nunca”.

Em 1937, foi aproveitado pela primeira vez no time adulto, marcando três vezes no feriado de 25 de maio em amistoso do River em Rufino, a terra natal do ídolo Bernabé. Mesmo juvenil, já era remunerado, mas a estreia oficial tardou até 1939 (nesse meio-tempo, uma decepção, ao ser barrado de uma competição da seleção juvenil em Dallas), em derrota de 1-0 para o Estudiantes; o River usou reservas frequentemente após os titulares se solidarizarem com a estrela José Manuel Moreno, suspenso pela diretoria por mal rendimento contra o Independiente. O primeiro gol veio na segunda partida, em 4-2 sobre o Atlanta no estádio do Chacarita. Naquele mesmo ano, com o River ainda usando juvenis, Labruna já marcou pela primeira vez em um Superclásico, para dar a vitória por 2-1 na reta final da partida, realizada no estádio do San Lorenzo (a Bombonera ainda estava em obras, inaugurada em 1940); recebeu a bola, fingiu que ia devolver e acertou um chute à meia altura rente a uma trave.

Gol no arquirrival, uma rotina: ninguém marcou mais gols no Superclássico. No lance, Labruna empata no primeiro turno de 1947. Di Stéfano comemora ao fundo. Dois minutos depois, River 2-1!

Seriam sete gols em dez partidas por um time que, apesar daquela crise interna, foi vice. E começou ali sua folclórica relação contra o rival. Se firmou em 1940, com 26 jogos e 14 gols. O ano do primeiro título foi o seguinte (28 jogos, dez gols), com direito à maior goleada sobre o Boca: 5-1 com gol dele. Foi o ano em que La Máquina surgiu propriamente. Com o próprio Moreno, Labruna estrelaria a linha de frente daquele esquadrão: “Juan Carlos Muñoz-Moreno-Adolfo Pedernera-Labruna-Félix Loustau” virou o quinteto mais célebre do país. “Sale el sol, sale la luna, centro de Muñoz, gol de Labruna” era um canto popular e no ano seguinte, viria o bi, com volta olímpica na já inaugurada Bombonera após assistência de Labruna a Pedernera (e 15 gols em 28 jogos). Foi o ano de estreia na seleção principal. O tri argentino quase veio em 1943 muito por causa de Labruna, com um gol por jogo – 23 em 23, terminando na artilharia. Em 1944, foram 25 em 30.

Em 1945, enfim casou-se com Anita Labruna, preferindo curtir a lua de mel a jogar a Copa América. Mas terminaria campeão argentino, com 25 gols em 29 jogos (em sua segunda artilharia), e logo requisitado para a Copa América realizada em fevereiro de 1946, sendo campeão. O último ano de La Máquina foi aquele, rendendo 15 gols em 27 jogos para Labruna. Que vez ou outra era cornetado por não ter a mesma excelência na especialidade de cada colega – os piques de Loustau, as assistências de Pedernera, os dribles de Muñoz ou o malabarismo de Moreno. Maldade: Labruna reunia um pouco de cada (dizia-se que “Moreno é o espetáculo, Labruna é o futebol”) e sabia ser solidário quando preciso. O time, sem Pedernera (vendido ao Atlanta) e Muñoz (passado à reserva) voltou a ser campeão em 1947, na única campanha em que o Labruna esteve em menos de 20 das 30 rodadas. Foi acometido de hepatite medicamentosa, doença que quase o matou. Após seis meses parado, voltou inicialmente na equipe B, chegando a ler sugestões no jornal La Razón para que parasse de jogar.

Mordido, voltou e pôde jogar 18 partidas. E marcar 16 vezes, incluindo no Superclásico vencido por 2-1. “Graças a essa reportagem, pude jogar mais treze anos em primeira divisão”, declarou, ainda que ficasse de fora da Copa América realizada ao fim do ano. Viriam 16 gols em 22 jogos em 1948, 18 em 32 em 1949, 20 em 33 em 1950 e 12 em 29 em 1951, mas os títulos esperaram até 1952 para voltar a Núñez. Naquele ano, primeiramente o clube fez turnê de sucesso pela Europa, com 12 gols em 15 jogos de Labruna, incluindo os dois primeiros na primeira vitória argentina sobre o futebol inglês – um 4-3 sobre o Manchester City, vazando a lenda Bert Trautmann duas vezes antes dos 15 minutos. Também marcou os dois do 2-1 no Napoli e outros dois em 5-0 sobre o combinado Benfica-Sporting, além do gol do empate em 3-3 com o campeão espanhol e mais vitorioso time de Madrid na época, o Atlético. Na volta à Argentina, Labruna contribuiu com meio gol por jogo (11 em 22) na reconquista do campeonato argentino. Nascia La Maquinita.

As outras camisas como jogador: seleção, Rangers de Talca, Rampla Juniors e Platense, onde só jogou improvisado – era o treinador

Em 1953, veio um bi na esteira de 16 gols em 28 jogos. Em 1954, decaiu para 8 em 22, mas dois deles em um 3-0 no Superclásico no Monumental, que serviram para impedir que o Boca garantisse o título em pleno templo millonario. Em 1955, foram 10 em 25 – mas com a alegria de novo título assegurado em pleno Superclásico na casa adversária (conseguindo o gostinho evitado ao rival no ano anterior), dessa vez sem volta olímpica, a pedido do próprio Labruna. Foi com um 2-2 enganoso, em que o River perdia de 2-0 até perto do fim e era dominado, até encontrar no espaço-relâmpago de um minuto os dois gols necessários. “Para irritar ainda mais os boquenses, expliquei que nossa tática era cansa-los e ganhar de surpresa. Na saída, a torcida do Boca queria me matar…”. Em 1956, foram 9 gols em 22 jogos e novo bicampeonato, concorrendo com os surpreendentes Globetrotters do então nanico Lanús – batido de virada em casa por 3-1, com o veterano marcando o último para o Clarín registrar “enquanto Labruna caminhar, o River seguirá no topo”. De fato, o primeiro tri do River veio, com o veterano ajudando com 13 gols em 29 jogos.

A taça de 1957 foi o nono título argentino de Labruna. No mesmo ano, marcou na vitória de 2-1 sobre o Brasil dentro do Maracanã na partida que marcou a estreia de Pelé pela seleção. Foi o último gol de Labruna pela Albiceleste, e até hoje ninguém marcou tendo mais idade que ele por ela, e só em 1998 a Argentina voltaria a vencer o Brasil no Maracanã. Já os nove títulos fizeram dele o profissional mais vezes campeão argentino. Só foi superado por Leonardo Astrada, que tem dez, todos também pelo River. O detalhe é que nove dos dez títulos de Astrada vieram na era de dois campeões por ano, com os torneios curtos, de turno único – já os de Labruna eram longos torneios de turno e returno únicos para cada ano. O River foi naturalmente a base da seleção naqueles tempos dourados da Albiceleste; Angelito integrou a fantástica geração ocultada pela II Guerra. Só ele e Néstor Rossi (também do River), dos campeões pela Argentina nos anos 40, jogaram uma Copa, em 1958. Com quase 40 anos, Labruna foi para a vaga original de outro colega do River, Roberto Zárate, lesionado. Fora de ritmo, foi incapaz de evitar a queda na primeira fase.

Sua trajetória na seleção acabou na Suécia mesmo, após 37 jogos e 17 gols. Ganhou a Copa América também em 1955, nesta destacando-se aos 37 anos contra o Uruguai: fez dois gols, foi substituído a onze minutos do fim, voltou a campo e marcou mais outro em um 6-1. O vexame na Copa da Suécia abalou o River em especial, base daquela seleção. O clube decaiu para 6º, mas Labruna, ainda dava lampejos: mesmo quarentão, conseguiu duas tripletas, no 5-2 sobre o Estudiantes (exatamente uma semana antes de completar 40 anos) e no 5-1 sobre o Rosario Central. Só que só viriam outros três gols em outras 18 partidas. Em 1959, sem marcar nos doze jogos em que atuou, veio em pleno natal (“o mais triste da minha vida”) a notícia desagradável de que o clube prescindiria de seus serviços. O Millo teve a decência de organizar pela primeira vez um jogo-despedida, o primeiro dos cinco que já realizou, com direito aos velhos companheiros da Máquina em campo – incluindo Pedernera, com quem estava brigado.

Como treinador, brilhou na primeira divisão com Platense (ao lado de Subiat, cujo filho defendeu a Suíça na Copa 94), Rosario Central (campeão), Talleres e Argentinos Jrs (com Sergio Batista)

Em 1960, Labruna passou pelo Rangers de Talca chileno (quatro jogos, um gol) e pelo Rampla Juniors uruguaio (onde deixou 4 gols em 16 jogos em dupla com Oscar Míguez, remanescente do Maracanazo). Ele, que havia recusado vantajosas propostas do Eldorado Colombiano, para onde foram muitos craques do River, como Di Stéfano e Pedernera, e da Itália, tentou administrar de hotel em Mar del Plata e pizzaria a loja de carros usados. Nada vingou. Também viciado em apostas em corridas de cavalo (nos meses de inverno, arranjava coletes para os colegas usarem por baixo do uniforme. “Eram iguais aos que usavam os jóqueis… quem imaginam que os trazia ao clube?”, gargalhava), só conseguiu manter-se economicamente voltando ao futebol, desta vez treinando. Começou já em 1961, na segunda divisão. Foi perto da antiga casa, no Platense, da cidade de Vicente López, vizinha ao bairro de Núñez. Chegou até a jogar improvisado duas vezes, no clássico nortista com o Tigre (1-1) e na visita ao Central Córdoba (derrota de 2-1).

Em 1963, uma primeira experiência no River, no segundo turno. Em 1965, o cargo lá foi o de espião para o treinador Néstor Rossi, embora não muito profissional – preparava informes pelo que lia nos jornais, pois domingo era dia de hipódromo… os primeiros sucessos viriam em 1967, próximo à antiga casa: trabalhou na segundona no Defensores de Belgrano (cujo restaurante estava frequentando quando foi convidado ao cargo, em 1966), também de Núñez, e na elite pelo Platense; isso era possível uma vez que os jogos na elite eram religiosamente só nos domingos, com os sábados reservados às divisões de acesso. O Defe foi campeão, mas não subiu: precisava ainda passar por repescagens contra os piores da elite, não conseguindo. Já no Tense, treinou a melhor campanha inicial do Metropolitano 1967 e só não chegou à final porque sofreu uma das viradas mais sensacionais de todos os esportes, contra o futuro campeão Estudiantes.

Dos vizinhos, Labruna voltou à antiga casa. Não teve êxito inicial – em 1968, ficou no vice, com o gol do título impedido pela mão não punida de um zagueiro do campeão Vélez, e chegou a perder o título de 1969 para o nanico Chacarita por 4-1. Mas o pior foi perder um filho: também chamado Ángel Labruna, ele era um meia promissor que o pai lançara no River, mas morreu de leucemia naquele ano. Saiu em 1970. De janeiro a junho de 1971, esteve no Argentinos Jrs. Dali partiu ao Rosario Central, onde relançou-se, com sucesso histórico. Labruna não era gênio tático, mas tinha rara intuição em saber com pouca observação quem e onde escalar. Comandou o primeiro título de um clube de interior argentino, em 1971, saboroso também pelo gosto de eliminar o rival Newell’s na semifinal. Em junho de 1972, porém, saiu. Foi ao Lanús, sem impedir o rebaixamento grená em dezembro. Nunca, porém, se desligou do velho clube: enfrentando-o naquele ano, se irritou com o jovem Norberto Alonso, que achava muito parado.

Treinador carregado na volta olímpica do Metropolitano de 1975: havia 18 anos que o River não era campeão, quando ele ainda jogava

Mesmo treinando o oponente, gritou a Alonso “neném, corra que essa camiseta eu usei por 20 anos, neném”. Posteriormente, adotaria Alonso a ponto de Anita Labruna, após a morte do marido, presentear o jogador com o anel usado por Don Ángel. Também irritou-se com o jovem Ubaldo Fillol em 1973: o goleiro, ainda no Racing, clube da vez treinado por Labruna (após uma curta estadia no Chacarita de janeiro a março), estava inseguro sobre ir ao MilloEl Feo passou ainda pelo Talleres de Córdoba em 1974 (4º colocado no octogonal final que decidiu o Nacional, projetando La T nacionalmente; “em Córdoba, Ángel era Gardel”, diria o ex-colega Norberto Menéndez) até enfim retornar outra vez a Núñez, que nunca saíra dele: suas cláusulas nos outros times previam sua saída imediata se o River lhe chamasse de volta. E sempre perguntava os resultados do clube após as partidas das outras equipes que dirigia. O que se passava com o River? Vivia seu pior jejum. O time não era campeão simplesmente desde 1957, quando Angelito ainda jogava.

“Volto para ser campeão”, anunciou. Conseguiu em dose dupla: a Banda Roja venceu tanto o Metropolitano quanto o Nacional de 1975, dando largada para um fim de década brilhante, que naturalmente manteve Labruna no cargo por um bom tempo: vice da Libertadores em 1976, campeão argentino em 1977 (muito graças à vitória na Bombonera na penúltima rodada, garantida no finzinho com Labruna, expulso pelo árbitro, vociferando às arquibancadas rivais) e vice nacional em 1978, voltou em 1979 a vencer tanto o Metropolitano como o Nacional – o que viraria um tri seguido com o título do Metropolitano de 1980. O treinador vivia àquela altura a três quadras do Monumental e ainda assim se atrasava aos treinos: “porque o povo me interrompe na rua para me felicitar”, justificava. Nessa etapa, chegou a treinar seu outro filho, Omar Labruna. Os dedos eram a marca registrada: para tampar o nariz na Bombonera, para acariciar nos momentos de tensão um anel herdado do falecido filho Danielito e para se comunicar com a torcida para saber a colocação do cavalo que apostara no turfe que não podia comparecer.

Os seis títulos como treinador seriam superados pelos oito de Ramón Díaz (que teria Omar Labruna de assistente) e de Marcelo Gallardo, ambos vencedores da Libertadores, justamente o troféu que faltou a Don Ángel. Chegou no máximo àquela final de 1976, perdida para o Cruzeiro. A pressão pelo torneio aumentou após o Boca consegui-lo, justamente nos dois anos seguintes. A eliminação na dura primeira fase em 1981 (só o líder avançava) provocou sua saída; por um mês, torcedores simplesmente boicotaram em protesto os jogos do clube, deixando o Monumental com menos de mil espectadores. A diretoria optou por chamar Di Stéfano. Na época, um magoado Labruna chegou a declarar-se arrependido por um dia ter ido treinar o clube dos seus amores. Chegou a estar mais exaltado: “quando me fui do River, cheguei a crer que se acabava o mundo. Até quis me dar um tiro”. O Talleres, onde fizera sucesso em 1974 (não para Angelito: “No Talleres, fracassei. Quero ser ganhador. E em Córdoba, não consegui”, declarou), o trouxe de volta.

Provocando o Boca ao tampar o nariz em visita à Bombonera; seu velório na sede do River; e à frente de todos na El Gráfico que elegeu em 2010 os cem maiores ídolos do clube

Labruna seguia pensando no River e ajudando-o: o time de Di Stéfano só avançou de fase no Nacional 1981, para adiante ser campeão, porque o Talleres tirou um ponto do concorrente riverplatense, o surpreendente Loma Negra. Foi simplesmente o primeiro título do River em quarenta anos sem envolver Labruna. O clube também não contou com Alonso, convertido em fiel escudeiro de El Feo (que recusara a vinda de Rivellino por preferir o pupilo) a ponto de peitar o mito Di Stéfano: “ou ele ou eu”. Alonso foi repassado ao Vélez. Labruna, por sua vez, atravessou novo bom momento no Talleres. Reforçado com diversos ex-River como Pablo Comelles, Juan José López, Carlos Morete e José Reinaldi, usou esse fator para instigar os comandados a aplicar um 4-0 no Boca pelo Nacional de 1982. La T caiu nas semis para o campeão Ferro Carril Oeste. Era mesmo feliz: o estádio tallarin de La Boutique se situa quase ao lado de um hipódromo… Já em 1983, Labruna vinha treinando novamente o Argentinos Jrs, clube ainda sem títulos.

Dali a um ano, contudo, a equipe do bairro da Paternal conseguiria as glórias que nem com Maradona (que saíra em 1981) alcançara. A mudança de ares não afastou o ódio dos torcedores do Boca; após uma derrota de 2-1 na Bombonera, Labruna vociferou que “agora esses caras não vão comer fruta durante todo um ano para me atirarem na próxima vez”. A campanha de 1983 foi agridoce: o Argentinos eliminou Boca e River nos primeiros mata-matas do Nacional, mas nas semifinais caiu no fim para o Independiente, gol de Morete, projetado por Labruna naquele River de 1975 e no Talleres de 1982: “justo você me manda à merda” foi o cumprimento pós-jogo ao ex-pupilo. El Feo já não estaria presente à frente da boa equipe que vinha formando e que saltaria para vencer até a Libertadores, em 1985. Os treinadores campeões foram primeiramente Roberto Saporiti e depois José Yudica. Mas Sergio Batista, o pulmão do elenco, ressalvou que “nada disso teria acontecido se Ángel não aparecesse”. Além de mentalidade vencedora, Labruna cometeu outra ousadia àquele time de bairro: abdicar do próprio estádio, cujo gramado pesado não favorecia o estilo pregado por Angelito. O diagnóstico seria tão certeiro que apenas nos anos 2000 é que o campo de La Paternal seria enfim reinaugurado.

Foi por motivos trágicos que Labruna não seguiu no Argentinos. Quase com alta médica após operar a vesícula, o treinador foi caminhar pelos jardins da clínica; Fillol, a quem que comandara no Racing, naquele grande River dos anos 70 e, agora, naquele Argentinos Jrs (Fillol fora abrigado pelo velho mestre após rescindir com o River por salários atrasados), inclusive estava lá para visita-lo. Foi quando um coágulo entupiu uma artéria e provocou o infarto que a nove dias do 65º aniversário praticamente matou Labruna nos braços do goleiro, que se afastou daquelas lembranças logo acertando com o Flamengo. “Morrem 50 anos do futebol argentino”, sintetizou a a revista El Gráfico. Como não poderia deixar de ser, foi velado no Monumental. O River costumava celebrar seus títulos no restaurante La Cantina de David e não foi diferente quando o time enfim venceu a Libertadores, em 1986. A viúva Anita compareceu, gerando o momento mais emotivo, a estrondosa gritaria “Angelito! Angelito!” e “se siente, se siente, Labruna está presente!“.

Hoje, ele jaz ao lado do filho Daniel no cemitério da Chacarita. Ao eleger em edição especial de 2010 os cem maiores ídolos do River Plate, a El Gráfico colocou na capa Carrizo, Ortega, Labruna, Alonso, Francescoli e Bernabé. A revista tratou de colocar a imagem de Don Ángel na frente das dos outros cinco.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer