Racing e Independiente dois clássicos históricos nos dois últimos fins de semana, em dias permeados por celebrações de datas festivas para ambas as torcidas. Hoje, há mais uma: travado desde 1907, o Clásico de Avellaneda enfim realizou-se pela primeira vez na elite argentina naquele 12 de dezembro de 1915. Curiosamente, teve um desfecho similar ao do último encontro. Como na emocionante final da liguilla pré-Libertadores (não viu? Entenda) o Rojo ganhou. Mas não levou. O que de certa forma conseguiu dar alguma satisfação às duas forças da cidade.
Ontem mesmo foi uma data festiva ao Racing, por ocasião dos 105 anos em que subiu à elite argentina, o que foi relembrado no Futebol Portenho (confira no link ao fim) em nota que explicava que todos os “cinco grandes” (a dupla de Avellaneda mais Boca, River e San Lorenzo) precisaram passar pela segunda divisão – afinal, ela foi criada ainda em 1899 e eles só viriam a ser fundados já no século XX.
Na mesma nota, mencionamos que a Academia ascendeu à elite com apenas duas derrotas em 26 jogos, uma delas no clássico. E que o autor do gol, Juan Hospital, viraria a casaca em 1912 para brilhar mais no vizinho, integrando o heptacampeonato seguido logrado pelo Racing entre 1913 e 1919, ainda um recorde exclusivo do clube no país. O jogo de cem anos atrás, curiosamente, também teve carrasco rojo que viraria ídolo racinguista. Mas antes, é preciso explicar por que o primeiro encontro de elite do segundo maior clássico argentino só se deu em 1915.
Em 1912, a Associação Argentina foi admitida na FIFA, mas isso não impediu que clubes descontentes se desligassem do órgão e criassem um dissidente, a Federação Argentina, com campeonato próprio. Eles incharam seu torneio com clubes que pertenciam à segunda divisão da Associação. O Independiente ainda estava entre eles e se deu bem: por pouco não foi o campeão da elite da Federação naquele ano. Explicamos neste outro Especial. A Associação reagiu em 1913, promovendo na canetada a promoção de outros clubes de sua segunda divisão para engrandecer seu campeonato. Foi assim, aliás, que o Boca chegou à elite.
O impasse seguiu por mais um ano: em 1914 se realizou o primeiro Brasil x Argentina, que teve, do selecionado argentino, jogadores apenas de clubes da Federação – dentre eles, o goleiro Carlos Muttoni, do Independiente e ex-jogador do Racing campeão da Associação em 1913. Muttoni fora desligado dos alvicelestes após pedir ajuda de custo para conseguir chuteiras, algo interpretado como atentado ao amadorismo naqueles tempos, e é um dos dois únicos que jogaram pela Argentina vindos tanto do Racing como do Independiente (o outro é Gabriel Calderón, muito tempo depois: jogou a Copa de 1982).
A reunificação das ligas deu-se em 1915. Foi um campeonato histórico também por outras razões: o San Lorenzo acabara de conseguir o acesso e assim, pela primeira vez, os cinco grandes estiveram juntos em um campeonato, algo que destacamos neste outro Especial. Como o vizinho Huracán já estava na elite, aquele torneio também reservou o primeiro clássico entre eles na história (clique aqui). Em razão do inchaço acarretado pela fusão, o torneio foi travado em turno único. Assim, Racing e Independiente só viriam a se encontrar na reta final.
Os Rojos faziam campanha apenas regular, ainda que no terço superior da tabela de 25 times (terminariam em oitavo). Já o rival mantinha a ótima fase iniciada em 1913. Não perdia desde aquele ano e havia levantado os dois últimos campeonatos. Mas havia uma concorrência feroz: o San Isidro. Nenhum deles perdia naquele torneio de 1915. O Clásico de Avellaneda, que assim voltava depois de meia década, seria o antepenúltimo compromisso racinguista e não havia margem para tropeço. Especialmente porque a Academia jogaria em casa.
A partida foi arbitrada por Hugo Gondra e oito mil pessoas estiveram na plateia. Que, por coisas do futebol, viu a escalação dos azarões Secundino Miguens, Antonio Ferro e Roberto Sande; Juan Cánepa, Ernesto Sande (primeiro rojo na seleção argentina) e Victorio Cappelletti, Pascual Garré, Albérico Zabaleta, Nicolás Cappelletti, Aníbal Arroyuelo e José Ventureira surpreender os líderes desde o início. Zabaleta abriu o marcador logo aos 11 minutos. Aos 8 do segundo tempo, Nicolás Cappelletti ampliou. Os donos da casa só conseguiram diminuir no finzinho, com Nicolás Vivaldo, um dos últimos sobreviventes daquela tarde histórica – faleceu em 1990, aos 94 anos, com os clubes e o dérbi já em outro patamar.
Só que a escalação de Victorio Cappelletti teria sido irregular e imediatamente foi denunciada pelos racinguistas. Assim, a vitória e seus pontos foram, no tapetão, repassadas aos derrotados de cem anos atrás. E fariam a diferença adiante, pois o campeonato encerrou-se com Racing e San Isidro somando os mesmos 24 pontos, frutos de 22 vitórias (que até os anos 90 valiam dois pontos e não três) e dois empates. Eles já haviam duelado na final de 1913 e fizeram novo jogo-desempate em 6 de janeiro de 1916 – curiosamente, no estádio do Independiente. Novamente, deu Racing, pelo placar mínimo, gol de Alberto Marcovecchio aos 5 minutos.
Assim, oficialmente a invencibilidade do Racing duraria até o campeonato de 1916, o que não impediu que os alvicelestes o vencessem. O San Isidro jamais chegou novamente tão perto do título e focou-se no rúgbi, onde se tornou potência – ganhando simplesmente todos os campeonatos da bola oval entre 1917 e 1930 e abandonando de vez o futebol no início dos anos 30, com o advento do profissionalismo na bola redonda (algo ainda proibido no rúgbi argentino); revelou, dentre outros, Agustín Pichot, o icônico capitão da seleção bronze na Copa do Mundo de 2007, melhor resultado dos Pumas.
Hoje, o Club Atlético San Isidro é mais conhecido pela sigla CASI para distingui-lo do SIC (San Isidro Club), fundado por dissidentes nos anos 40, que por sua vez já contou com Che Guevara e também fortíssimo, a ponto da cidade de San Isidro ser considerada a capital do rúgbi hermano e CASI x SIC, o Superclásico deste esporte. Falamos aqui. O museu do rúgbi argentino encontra-se na estação ferroviária da cidade, parada comum no caminho ao passeio turístico pelo delta do rio Paraná, em Tigre.
Já o Independiente perseveraria e ganharia seus primeiros títulos nos anos 20. Dentre seus integrantes, o ponta uruguaio Zoilo Canavery, único remanescente daquele vice em 1912 mas que estava no lado rival há cem anos. Na via inversa, o Rojo vencedor daquele primeiro dérbi tinha Albérico Zabaleta, então com 18 anos. Autor de um dos gols da vitória invalidada, Beco era cria das divisões de base racinguistas e voltou ao clube de origem em 1918. Ganhou os dois últimos títulos do hepta racinguista e venceu outro campeonato em 1921.
Zabaleta virou grande artilheiro e ídolo no Racing, somando 99 gols, cinco deles sobre o rival. Mas faleceu precocemente em 1923 em decorrência de lesão no rim ocorrida em vitória por 2-0 (onde ele marcou) sobre o San Lorenzo. Em uma triste coincidência, o oponente já havia perdido em circunstâncias semelhantes no ano anterior seu primeiro jogador na seleção, Jacobo Urso. A morte de Zabaleta enluteceu até o Independiente, que cancelou a partida que faria com o Nueva Chicago para juntar-se às despedidas – o velório foi na sede do Racing.
Abaixo, especiais dos últimos 30 dias sobre a dupla de Avellaneda:
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Há 105 anos, o Racing entrava para a elite argentina
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