Cem anos de Osvaldo Brandão, técnico campeão com o Independiente em 1967 – sobre o Racing!
O técnico Osvaldo Brandão, nascido em 18 de setembro de 1916, sabia apaziguar a rivalidade entre Corinthians e Palmeiras, sendo idolatrado em ambos. Também aplacou com alguns argentinos, sendo até hoje aplaudido no Independiente. “O Mestre” teve duas passagens pelo Rojo, tendo a honra de ser o primeiro técnico a treina-lo em uma Libertadores (em 1961), justamente a competição da qual o clube é o maior vencedor. Não a ganhou, mas ainda assim consagrou-se em alto estilo, já em 1967.
No início dos anos 60, os principais clubes argentinos encheram-se de brasileiros, em alta pelo título mundial em 1958, incluindo alguns campeões: Orlando, Dino Sani e o técnico Vicente Feola foram ao Boca e Moacyr, ao River. Paulinho Valentim, nos auriazuis, e Delém, nos millonarios, foram os que mais se destacaram, mas o fenômeno não se restringiu à dupla principal.
Estudiantes (Adamasto, Paulinho de Almeida, ex-River e da Copa de 1954), Argentinos Jrs (Aitor Diogo, Evaldo), San Lorenzo (Belisário), Lanús (Gambassi), Ferro Carril Oeste (Rudymar Machado, ex-Huracán), Rosario Central (o ex-palmeirense Rodrigues, da Copa de 1954) foram outros clubes que tinham tupiniquins em 1961, assim como o Independiente.
O time de Avellaneda havia sido campeão no ano anterior, encerrando seu maior jejum até então, de doze anos. Mas não manteve o técnico Roberto Sbarra e importou do Palmeiras recém-campeão da Taça Brasil o treinador que havia armado o Brasil de 1958: Osvaldo Brandão, substituído por Feola às vésperas do mundial. A admiração viraria mútua: “os argentinos querem copiar os brasileiros, mas se esquecem de quem um argentino veio ao Brasil há vinte anos para ensinar o futebol a nós. Se chamava Antonio Sastre”, declararia em alusão ao polivalente craque do clube nos anos 30 e que participou ativamente dos primeiros títulos do nascente São Paulo – saiba mais.
Além de Brandão, o Rojo buscou também os meias Severiano, jovem que viria a ser um dos dez maiores artilheiros do Grêmio, e o veterano corintiano Lanzoninho. Mas não se deu bem. Na Libertadores, caiu logo no primeiro confronto (o torneio começava já no mata-mata), perdendo os dois jogos contra o Palmeiras. No campeonato argentino, ficou só em sexto. O campeão foi justo o rival Racing, que por sinal não havia entrado, ainda, naquela repentina onda dos brasileiros – ironicamente, foi goleado por 4-0 no clássico com direito a dois gols de Lanzoninho.
O trio brasileiro deixou o Independiente, mas Brandão deixara boa impressão: já em 16 de fevereiro de 1962, o Correio da Manhã noticiou que um dirigente, de estadia por São Paulo, tentaria recontratar o treinador. A volta deu-se em 1967. Em comum com 1961, um ano glorioso para o vizinho Racing, campeão da Libertadores e do Mundial, o primeiro vencido por um clube argentino. Pouco mais de um mês depois, porém, a Academia foi goleada por 4-0 pelo rival, que pôde dar a volta olímpica nacional. Foi a despedida do brasileiro, que logo voltou ao Brasil para ser supervisor da seleção.
A água no chope do rival seria um folclore hoje em dia, mas na época a rivalidade era sadia. Um dos racinguistas era brasileiro e havia jogado justamente no Independiente em 1966, João Cardoso (autor de um dos gols na finalíssima da Libertadores): “a transferência para o Racing foi discreta e tranquila, fui vendido normalmente, sem problema nenhum. Quando vieram falar comigo, já estavam acertados com o Independiente. Naquela época, até a rivalidade entre os clubes era normal. Quando a imprensa soube, eu já estava contratado pelo Racing”, contou nesta entrevista ao Futebol Portenho.
Tanto é verdade que aquele encontro teve, antes do pontapé inicial, homenagens do Independiente ao feito do rival, com direito a mascotes de ambos desfilando juntos com as taças. O que realmente fez de Brandão bastante celebrado na época foi o incrível aproveitamento daquele Independiente campeão. Foi de cerca de 87% dos pontos, algo jamais alcançado antes ou depois no profissionalismo argentino: detalhamos neste outro Especial. Nos quinze jogos da campanha, foram 43 gols, quase três por jogo. O time ganhou doze e só perdeu um, para o San Lorenzo.
A derrota, fora de casa por 3-1, veio na 12ª rodada, em uma reta final na qual o Rojo enfrentou os demais grandes: na 13ª, 3-2 sobre o Boca. Na 14ª, 2-0 no River dentro do Monumental. E na 15ª, aqueles 4-0 sobre o Racing, resultado que deixou o Independiente dois pontos acima do grandioso Estudiantes daquela época. Não fosse a derrota para o San Lorenzo, aquele elenco teria sido também o primeiro campeão invicto no profissionalismo argentino – algo alcançado pelo próprio Sanloré no torneio seguinte, curiosamente com outro técnico brasileiro, Tim.
Diego “Chavo” Fucks, comentarista prestigiado na Argentina, recentemente zombou dos órfãos do brasileiro em um clube que se desacostumou a jogar bem: “seguem falando em ‘olhar o arco em frente’. A qualquer momento, pedem que o técnico seja Brandão. Por via das dúvidas, aviso: Brandão morreu em 1989”. Bem, aquele Independiente campeão fez dez gols a mais que o segundo melhor ataque, do River. Brandão armara a mesma tática de sucesso do Brasil de 1958, o 4-2-4.
Raúl Bernao e Aníbal Tarabini ficavam nas pontas, e o supergoleador Luis Artime (adquirido do Palmeiras, curiosamente) e a revelação Héctor Yazalde (promovido por Brandão e único argentino a ter sido Chuteira de Ouro na Europa além de Lionel Messi) pelo meio eram municiados por Raúl Savoy, canhoto que desequilibrava pela direita e fazia da linha ofensiva quase um quinteto. O outro meia titular era o volantão José Omar Pastoriza, futuro técnico-símbolo rojo. Também jogaram Osvaldo Mura e Vicente de la Mata filho.
O setor defensivo era cascudo, com gente bicampeã pelo clube nas Libertadores de 1964-65: os laterais Roberto Ferreiro (depois técnico do primeiro mundial vencido pela equipe, em 1973) e Ricardo Pavoni e os zagueiros David Acevedo e Idalino Monges protegiam o goleiro Miguel Santoro, bi na Libertadores também em 1973 e 1974, ano em que esteve na Copa do Mundo. Santoro, ano passado, lembrou-se de Brandão ao responder indagação da revista El Gráfico: “escolho o brasileiro. Levou muito bem o time em 1962 (sic) e em 1967 e nos deixou ensinamentos”. Falamos aqui: foi para a escolha do “time dos sonhos” do goleiro, vitorioso com tantos outros técnicos no Rey de Copas.