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Cem anos da camisa tricolor “italiana” do Vélez

No futebol argentino, são poucas as camisas reservas com identidade própria, sem serem brancas ou simples inversões da remera titular. O Huracán tem o azul; o Banfield tem o laranja; Newell’s, Colón, Chacarita e All Boys têm o celeste; o Racing tem a azul marinho com faixa horizontal branca… mas nenhuma delas tão tradicional, histórica e continuamente resgatada como a tricolor do River, as “escocesas” do Independiente e a “italiana” do Vélez, definida há exatamente cem anos, em reunião da Comissão Desportiva velezana. A diferença dessas três é que já foram, por anos, as camisas principais do trio.

Não, o Vélez não foi fundado exclusiva ou majoritariamente por ítalo-argentinos. Dos fundadores, Julio Guglielmone era uma exceção em meio a Nicolás Moreno, Martín Portillo, Plácido Marín, Luis Barredo, Adolfo Barredo, Alejandro Doldán, Fidel Rodríguez, Vicente Pozo, Rodrigo de la Hoz e Julio Money. Mas já em 1911, segundo ano do clube, sua equipe continha os sobrenomes Chiarelli, Biasetti e Barri. Ainda nos primórdios vieram também gente como José Luis Boffi, Miguel Fontana, Juan Fontana, Atilio Badaracco (todos componentes do setor defensivo nos anos 10) e, sobretudo, José Amalfitani.

Amalfitani se incorporou em 1913 e seria o presidente que não deixou o clube fechar as portas quando esteve bem próximo disso, após rebaixamento em 1940 (saiba mais). Exemplo de cartola austero e honesto, faria do Vélez uma máquina de sócios (em provocação aos “cinco clubes grandes”, grupelho de Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo, o Fortín nomeia-se “o primeiro a ser um grande clube”) e nomeia oficialmente o estádio de Liniers. Assim, ainda em 1914 se começaram a usar informalmente as camisas “italianas”. As cores seriam oficializadas naquele 14 de março de 1916, ano seguinte ao rechaço a uma possível fusão com o Gimnasia y Esgrima de Flores.

A semelhança com a camisa do Fluminense (somente nas camisas, pois o clube argentino normalmente as usava com calções negros ou azuis, em curioso visual “quadricolor”…) renderia uma amizade, mas nem sempre o manto tricolor seguiu o modelo do clube carioca; houve desenhos em que as faixas grossas eram brancas e verdes, com as vermelhas sendo as finas, por exemplo. O fato é que a camisa tricolor seria a principal até 1933. Foi quando adotou-se a emblemática La V Azulada, conforme contamos neste outro Especial.

A tricolor, porém, continuou usada com regularidade nos anos e décadas seguintes. Em 1969, quando empatou em 2-2 com o Santos na partida que inaugurou a iluminação artificial do Fortín de Liniers, o Vélez de fato usou camisas do Fluminense, segundo o próprio site velezano (que hoje se decorou com aquelas três cores). O clube também já “misturou” as camisas, seja com modelos nas listras tricolores que incluem também a faixa em V, ou então com a própria faixa em V nas cores italianas – modelo empregado no jogo em que o clube venceu o Clausura 1993, ponto de partida para os anos mais dourados do Fortín.

Já contamos a história por trás da camisa tricolor do River (clique aqui) e das “escocesas” do Independiente (aqui). Abaixo, imagens de diferentes anos da histórica camisa italiana fortinera, nas listras verticais ou não. Muitas delas foram recolhidas na comunidade pública Coleccionistas de Vélez Sarsfield, do facebook; destaque à presença do massagista Chichilo Sosa pelos anos 30 e 40; ele em paralelo também desempenhava essa função na seleção, como nas Copas do Mundo de 1930 e de 1934, sendo testemunha de luxo de diversos êxitos da Albiceleste até os anos 50. O Vélez também fez uma galeria de fotos tricolores: acesse aqui. A Umbro, responsável por seu material esportivo, já prometeu um modelo da italiana celebrando esse centenário.

Bermudes no Fluminense, Drufuka no Dock Sud

Vale dizer que, apesar da amizade, só um jogador defendeu Vélez e Fluminense: o obscuro atacante Héctor Drufuka, prata-da-casa do Lanús, onde só conseguira jogar uma vez pelo time adulto, em 1946. Na Argentina, ele se aventurou basicamente na segunda divisão, defendendo Los Andes, Quilmes e, sobretudo, o Sportivo Dock Sud, com o qual deixou 75 gols em 122 jogos entre 1948 e 1953. O Docke só não foi seu clube ao longo de todo esse período porque em 1949 ele reforçou de emergência o Vélez por duas partidas (2-2 em casa com o Rosario Central em 4 de dezembro e, três dias mais tarde, no 1-0 em La Plata sobre o Estudiantes, sem marcar gols) e porque em 1951 ele foi testado pelo Fluminense.

O contexto velezano de Drufuka era uma primeira divisão sob aquela famosa greve que, não atendida pelos cartolas (que recorreram a juvenis ou outros jogadores semiamadores, como os da segunda divisão), faria muitos astros, como Alfredo Di Stéfano, rumarem ao Eldorado Colombiano. Já seus dias nas Laranjeiras se resumiram a um 4-4 em jogo-treino com o Bonsucesso e ao gostinho de dizer que uma vez atuou ao lado de uma lenda feita Didi. Os cariocas até queriam contrata-lo, mas ele preferiu voltar à Argentina.

Além das cores compartilhas e de Drufuka, Vélez e Fluminense têm em comum também festejos nos anos de 1995 (Estadual e Apertura), 2005 (Estadual e Clausura) e 2012 (Estadual e Brasileiro; Torneio Inicial).

Atualização em 23-07-2023: nessa data, o perfil @historiadevelez revelou a descoberta de mais um jogador em comum à dupla. Foi o meia-direita José Bermudes, gaúcho prata-da-casa do Internacional. Foi morar no Rio de Janeiro em função da transferência de seu pai no trabalho e acabou acertando com o Fluminense, em fevereiro de 1933. Essa relação durou até junho de 1934, quando o pai novamente precisou mudar-se e levou junto a família, dessa vez ao Espírito Santo. Bermudes manteve-se ativo no Vitória, da capital capixaba – não confundir com o clube baiano de mesmo nome.

Mas seria exatamente no futebol nordestino que Bermudes encontraria seu lugar a ponto de virtualmente se emancipar dos negócios do pai: ainda em 1934, fechou com a equipe pernambucana do Tramways, após impressionar os recifenses em excursão de amistosos locais feita com o Vitória. O novo clube logo foi vice-campeão estadual em 1935 e ganhou seus únicos troféus com o bicampeonato de 1936-37, sendo o gaúcho também o artilheiro do torneio no primeiro desses títulos. Ainda em 1937, Bermudes também teria integrado o primeiro título baiano do Galícia.

Em 1939, voltou a Recife como reforço do Náutico, vencendo naquele ano novo título estadual (apenas o segundo da história dos alvirrubros) em Pernambuco. Defenderia também a própria seleção pernambucana, no antigo campeonato brasileiro de seleções estaduais. Já a passagem velezana de Bermudes seria muito mais obscura: apenas duas partidas na segunda divisão argentina de 1942. O suficiente para muito provavelmente fazer dele o primeiro brasileiro no Fortín.

*Com agradecimentos ao especialista Esteban Bekerman e ao twitter @historiadevelez

Badaracco, da década de 10. E time de 1925: Brignani, Miguel Fernández, Patrignani, Dellasala, Fabbro e Angelini; Wenceslao Martínez, Luciani, Sobrino, Raggio e Casarello
Outro modelo da italiana, de 1932: Maggiolo, De Saá (ex-America-RJ), Spinetto, Curti, Ruscitti, Forrester e massagista Chichilo Sosa; Merani, Quiroga, Querzoli, Lupo e De Dovitis (outro ex-America-RJ: saiba mais)
Time de 1933, ano em que a listra V foi assumida: o técnico Boffi (ex-jogador velezano nos anos 10), Spinetto, Curti, De Saá (ex-America-RJ), Sciarra, Forrester e Cosso (ex-Flamengo); o massagista Chichilo Sosa, Reta, Mayo, Querzoli, Seghini e Maggiolo
Time de 1940: Battaglia, técnico Tramutola (treinador da Argentina na Copa de 1930), Castrillón, Spinetto, Rotman, Alonso, Becerra e massagista Chichilo Sosa; Reta,  Noguera, Fuentes, Correa e Fernández
Modelos dos anos 60 (Pelé com Willington, com dois “i” mesmo, craque da taça de 1968, a primeira do Vélez), 70 e 80 (Beto Alonso, campeão da Copa do Mundo de 1978)
Modelo usado especialmente para a partida do título de 1993, o primeiro em 25 anos
Três diferentes modelos italianos, dois dos anos 90 e um recente
Amizade entre tricolores cariocas e velezanos
Tela do site oficial do Vélez nesse 14 de março de 2016, reproduzindo também o distintivo antigo
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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