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Campeão da Copa 78 e técnico recordista: 65 anos de Américo Gallego

O primeiro título da carreira adulta foi a Copa do Mundo. Com 23 anos

O apelido de El Tolo chega a não condizer com uma trajetória tão vencedora, ainda que tenha se perdido nos últimos 15 anos. Como jogador, não bastasse a titularidade absoluta na vitoriosa Copa de 1978, Américo Rubén Gallego também chegou a ser de 1980 a 1987 o recordista de jogos pela Argentina, sendo o jogador mais convocado pela Albiceleste vindo de um clube argentino – seu Newell’s, brilhando ainda no River que pela primeira vez venceu Libertadores e Mundial, em 1986. Como treinador, o ex-volante é um dos dois únicos campeões na elite por três times em seu país, com taças especiais em cada um: o único Argentinão invicto levantado pelo River (1994), o último erguido até hoje pelo Independiente (2002) e o que fez seu Newell’s ultrapassar o arquirrival (2004). Histórias relembradas agora, dia em que Gallego festeja 65 anos.

As aspas que acompanham a matéria são de sua longa entrevista à El Gráfico em dezembro de 2001, quando estava em baixa, demitido do River após um duro bivice argentino – enquanto o Boca, como se sabe, fazia misérias continente e mundo afora. Nada que freasse o espírito do Tolo, a se definir ali como “um lutador. Um cara que nasceu em Morteros (Córdoba), que aos 2 anos se foi para Rosario com sua mãe e começou a transitar uma vida difícil, sem pai e com quatro irmãos. Foi mãe e pai de uma só vez”, definiu ele sobre a progenitora: naquela idade de 2 anos, foi abandonado pelo pai (“não tenho relação com ele. Nos natais o víamos e nada mais. Mas sou taurino, muito cabeça dura, e, para mim, minha família era minha mãe, não meu pai. Ele está vivo, mas quase não falo com ele”). O abandono paterno fez El Tolo inclusive ser um raríssimo jogador argentino reconhecido pelo sobrenome materno.

O caso mais próximo dentre os mais famosos do futebol argentino seria o de Tévez, que enquanto não foi reconhecido pelo pai precisou usar o Martínez herdado da mãe nos juvenis do All Boys. Na verdade nem isso o volante teria tido, na realidade: o sobrenome real da mamá seria Gallegos, grafia usada em dois dos irmãos, enquanto o volante, que era o caçula, e outro foram registrados sem o S final. “Com S ou sem S, é um orgulho levar seu sobrenome”, minimizou ele, que teve um pôster autografado por César Menotti endereçado a ela, com a dedicatória “à Dona Carmen, pela nobreza do seu filho”. Nobreza talhada a ferro e fogo. Ou ferro e gelo, para ser mais literal quando indagado sobre os bicos que se sujeitou a fazer antes de vingar no futebol: “fiz de tudo. Me lembro sim do pior, o que nunca gostei: refrigeração, porque me queimava as mãos. Ia de casa em casa levando as máquinas. Depois, à tarde, um pouco de escola e muito futebol”.

Capitão no Newell’s e enfrentando o River. Como leproso, pôde ser campeão só como técnico

De Córdoba, ficou o apelido, que nada tem a ver com tolice. É que Gallego adorava brincar com um cavalo chamado Bartolo, mas, começando as primeiras palavras, só conseguia expressar parte do nome, e assim começou a ser chamado por todos. Em Rosario, estabeleceu-se inicialmente no subúrbio de Domingo Matheu, e desde pequeno precisou contribuir ao sustento familiar – além de trabalhar com refrigeração, foi verdureiro e tocava de campainhas em campainhas para vender de bicicletas a churros. Aos 12 anos, o olho clínico de Jorge Griffa captou-o pelos terrenos baldios de Rosario, onde se destacava por um time de bairro chamado Alianza Sport, e levou-o ao Newell’s. Ex-jogador do clube e destacado no Atlético de Madrid, Griffa notabilizou-se como um dos maiores olheiros do futebol argentino, personificando a bela base rojinegra alçada nos anos dourados de 1988-92 e depois na ascensão do Boca na virada do século. Antes, nos anos 70, fez Gallego ser acompanhado naquela base por Jorge Valdano e Roque Alfaro e até por Marcelo Bielsa.

Foi desde o início polido como um volante destrutor (“deixava as unhas dos dedos menores bem largas e afiadas”, assumiu sobre como usava também as mãos na marcação…) com bom passe o suficiente para repassar com segurança a bola a quem entendesse melhor de armação de jogadas; a falta de intimidade com o jogo vistoso chegaria a ser alvo de chacota dos próprios colegas de clube, a exemplo de Alfredo Obberti (maior artilheiro estrangeiro do Grêmio no século XX) ou Mario Zanabria, posteriormente uma espécie de Riquelme nas primeiras Libertadores vencidas pelo Boca. Mas seria justamente Gallego e não eles quem triunfaria na seleção e na Copa do Mundo. Além de generoso com os hábeis do ataque, também era com os da defesa, cobrindo bem os espaços dela quando algum zagueiro se aventurava no ataque; essa faceta desenvolveria sua relação com Daniel Passarella na seleção, em parceria que se estenderia por anos acompanhando-o nas comissões técnicas da própria Albiceleste e do River.

A chegada à seleção principal foi inclusive meteórica, menos de um ano após estrear no time adulto do Ñuls, onde o debute oficial se deu em 25 de agosto de 1974; foi em derrota fora de casa por 3-2 para o Talleres. Por cerca de dois meses, não foi promovido a tempo de figurar no título do Metropolitano daquele ano (aquele tal Zanabria havia feito o gol do título, em pleno Clásico Rosarino, inclusive), o primeiro troféu argentino da Lepra – pendência que tardaria trinta anos, mas seria resolvida… Ainda em 1974, mesmo não firmado de cara no Newell’s, Gallego chegou à seleção de Menotti. Não ainda a principal, mas à juvenil comandada diretamente pelo mestre no tradicional Torneio de Toulon, ali conhecendo Passarella na campanha campeã. A titularidade clubística, conquistando a vaga do nome histórico de José Orlando Berta (recordista de jogos pelo time até então), veio na Libertadores de 1975. O time caiu na primeira fase em um regulamento duríssimo onde só o líder avançava, calhando ser justamente o arquirrival Rosario Central, após jogo-extra decorrente da igualdade da dupla rosarina na liderança da chave. Mas El Tolo não tardou a aparecer na equipe principal da Argentina.

Abraços com Maradona: na estreia de Diego pela Argentina, coube a Gallego ser o primeiro a lhe entregar a bola e depois consola-lo pelo corte em 1978. À direita, comemoram o título do Newell’s em 2004

Inicialmente, ele apareceu na seleção adulta em amistoso não-oficial em 30 de julho. Curiosamente, também contra o Talleres, derrotado por 2-0. Quatro dias depois, a estreia oficial, já pela Copa América (5-1 na Venezuela, em Caracas), para a qual Menotti inovou, convocando basicamente uma seleção do interior, notando a geração dourada existente longe da capital federal. No torneio, o volante se deu até ao gosto de um raro gol, no 11-0 no reencontro com a Vinotinto. Dali até 1977 viriam nada menos que 27 jogos oficiais consecutivos pela Argentina, incluindo a estreia de Maradona, cabendo a Gallego o orgulho assumido de ter fornecido o primeiro passe recebido por Dieguito na Albiceleste – ele seria sempre bem recordado por El Diez, que mencionou-lhe na autobiografia como um dos pouquíssimos figurões que foram consola-lo pelo corte na convocação ao Mundial. A permanência de Gallego inclusive enfurecia muita gente. Público e mídia não engoliam fácil que aquele interiorano fosse um dos volantes titulares da seleção, quando tanta gente se destacava na posição nos clubes “centrais”. Que, por outro lado, não deixaram de testar El Tolo naquele período.

O Boca o rejeitou por considera-lo baixo e franzino demais, e um primeiro acerto com o River foi melado por ele precisar viver sozinho na pensão do clube, o que desanimou sua mãe a autorizar-lhe; pelas leis da época, ele ainda era menor de idade. O espaço na seleção era questionado no próprio River, cujos fãs clamavam por Reinaldo Merlo (recordista de jogos pelo time embora viesse futuramente a concorrer com o próprio Gallego) ou Juan José López; os do San Lorenzo exigiam Claudio Marangoni (ídolo de Fernando Redondo) e os do Independiente pediam por Rubén Galván, tão vencedor da Libertadores naquela década com o Rojo. Por anos, Gallego precisou conviver com essas cornetas em meio à rotina de quem, de tão frequente nas convocações, chegava a passar mais tempo na seleção do que no próprio clube: de segunda a quinta estava em Buenos Aires para treinos com Menotti, voltando sexta à Rosario para concentrar-se a seu jogo de domingo, quando só então, à noite, via a família. Percalços que possibilitariam 73 jogos oficiais ao todo pela Argentina, nos quais em apenas três ele saiu do banco. Na Copa, não comprometeu.

Na estreia, inclusive tirou do sério a grande esperança húngara, András Törőcsik, expulso aos 43 minutos do segundo tempo ao calçar duramente o volante pouco após a virada anfitriã. Contra os peruanos, ainda triangulou com Kempes para registrar a assistência na jogada que abriu o placar dos 6-0. Na final, o placar foi aberto também a partir de bola que Gallego tratou de repassar a quem sabia trata-la: entregou-a a Ardiles, que então conectou-a ao ataque com Leopoldo Luque, que por sua vez serviu Kempes. Quando no minuto final Rob Rensenbrink quase virou a partida para a Holanda, Gallego tratou de despachar para as arquibancadas o rebote da salvadora trave. Com 23 anos, já era campeão do mundo, justamente o primeiro troféu da carreira adulta. Exceto pela campanha semifinalista no Torneio Nacional de 1977, o Newell’s não chegava perto de novas taças desde a conquista de 1974 que por pouco escapou da presença do volante, mas as vozes desfavoráveis a ele na seleção gradualmente se calaram vendo-lhe correr e jogar como nunca como pulmão dos campeões. Em 1978, ele ainda se deu ao gosto de marcar seu único gol no Clásico Rosarino, vencido por 3-1 no segundo semestre.

Cavando uma expulsão adversária na nervosa estreia contra a Hungria em 1978 e com Passarella, parceiro de longa data

Em 1980, quando superou René Houseman como recordista de jogos pela seleção, viveu talvez sua melhor campanha com o Newell’s. No Nacional, a Lepra foi líder do grupo que tinha o Independiente e adiante eliminou o River, contra quem os poucos gols de Gallego vinham com mais frequência; anotou em três jogos diferentes contra o Millo na carreira. Os dois gigantes logo brigaram pelo passe do volante, ainda que a trajetória leprosa no Nacional tenha se encerrado de modo agridoce: o time só caiu nas semifinais, mas justamente para o Rosario Central, adiante campeão. El Tolo ainda ficou mais um semestre no Parque Independencia, deixando-o ao fim do Metropolitano de 1981 somando 267 jogos e 25 gols – além de ser usado oficialmente 63 vezes pela Argentina como rojinegro, um recorde que muito dificilmente será batido no clube. Gallego chegou a Núñez em um momento turbulento, com o fim da Era Labruna após o insucesso millonario na Libertadores de 1981 e na concorrência com o Boca maradoniano no Metropolitano.

Nada que o assustasse: na entrevista de 2001, contou que havia anos pedia a Passarella na seleção que o amigo intermediasse sua contratação junto ao River, time pelo qual era fanático na infância. Em uma campanha campeã mas muito acidentada (o River só avançou de fase nos critérios de desempate e graças a resultados paralelos, além do seu líder Norberto Alonso ser despedido 48 horas antes da finalíssima, e o próprio Gallego demorou um tempo para cair nas graças da nova torcida), o temperamental reforço já carecia da velocidade de outros tempos, mas não tardou a se firmar na titularidade, atuando em 15 dos 20 jogos, enquanto o concorrente Reinaldo Merlo estacionou em 12. Gallego, que confessou que os dois chegaram inclusive às vias de fato em um treino, naturalmente seguiu na seleção, embora ele reconhecesse naquela entrevista que não merecia ter ido a uma nova Copa. Sua despedida involuntária da Argentina deu-se na derrota para a Itália, com cartão vermelho que o suspendeu para a eliminação contra o Brasil, sua grande espinha: nunca venceu a canarinho em sete encontros como jogador.

O título com o River, por sua vez, não perfumou as turbulências institucionais em Núñez por muito tempo. Os desmandos econômicos da ditadura, agravados com a derrota nas Malvinas, fizeram o dólar se valorizar 240% em pouco tempo. Kempes estava no clube em empréstimo acertado na moeda ianque junto ao Valencia e logo voltou à Europa, destino também de Passarella e Ramón Díaz. Seguiu-se um período de expressiva meia década de seca, a segunda maior que o Millo teve no profissionalismo durante o século passado. O período teve de tudo: após um 1982 já medíocre, em 10º lugar de 19 times no Metropolitano enquanto seu técnico Vladislao Cap falecia em pleno exercício do cargo, em 1983 o River foi vice-lanterna, só não sendo rebaixado por conta dos famigerados promedios (reinstalados exatamente a partir daquele torneio, a render a nada glamourosa temporada de estreia de Enzo Francescoli) – enquanto chorava outra morte súbita no plantel, a do atacante Oscar Trossero, em pleno vestiário, já em outubro. Outra baixa foi o goleirão Ubaldo Fillol, líder de greve interna de 47 dias contra atrasos salariais e que ainda em agosto se mandou ao Argentinos Jrs.

Gallego viveu quase de tudo no River como jogador. Sangue dado até literalmente por um vice-lanterna no campeonato argentino e como capitão do primeiro elenco millonario a levantar a Libertadores

A torcida, que antes de perder Trossero enluteceu-se também com o falecimento do ídolo Labruna em setembro, comprou o lado dos dirigentes e não deixou de vaiar os titulares quando estes encerraram o movimento. Hugo Santilli então derrotou sem surpresas o presidente Rafael Aragón Cabrera nas eleições de dezembro e reformulou substancialmente o elenco para 1984. Gallego foi um dos veteranos poupados na faxina, que rendeu frutos imediatos: o vice-lanterna de 1983 chegou em 1984 à final do Torneio Nacional, embora o vice não bastasse. O novo técnico, Pedro Cubilla, preferiu demitir-se em setembro e o clube apostou em um novato feito Héctor Veira. Justamente o comandante dos tempos de glória que viriam a partir do segundo semestre de 1985, quando a Argentina adotou um campeonato nacional nos moldes europeus. Protagonista desde o início, a Banda Roja terminou campeã da temporada 1985-86 com cinco rodadas de antecedência. Gallego foi o terceiro jogador com mais aparições na campanha, presente em 32 dos 36 jogos.

Francescoli terminou vendido ao futebol francês, mas mesmo sem o maestro El Tolo e colegas levantariam no segundo semestre a primeira Libertadores do gigante, batendo nos dois jogos finais o turbinado América de Cali. Semanas depois, foi a vez do primeiro Mundial Interclubes. O primeiro a erguer as duas taças que faltavam? Gallego, convertido em capitão da primeira tríplice coroa vista no futebol argentino. Ainda viria o esquecido troféu da Copa Interamericana, já em 1987, em tira-teima como campeão da Concacaf. A última glória da carreira do volante, que preferiu pendurar as chuteiras em 1988 após não se ver prestigiado como outrora com César Menotti – o velho mestre assumira o River e preferiu apostar na contratação de Sergio Batista, titular da Argentina de 1986, para a posição. “Os volantes, por seu desgaste, sempre se aposentam bem antes de atacantes ou defensores”, justificou quem parou ainda aos 33 anos. Mas no início de 1990 ele já estava de volta ao River, agora como assistente do parceiro Passarella, recém-contratado como treinador.

O ex-volante, que já se permitia a palpitar no ordenamento dos colegas em campo ainda nos anos finais da carreira de jogador (o que lhe valeria uma humorada bronca de Veira), também já se estagiava como técnico ao coordenar os times B e sub-19 do River. E teve uma primeira experiência como técnico principal no segundo semestre de 1994. Campeão argentino em 1990, 1991 e 1993, Passarella foi alçado à seleção após o Mundial dos EUA e Gallego, requisitado para acompanha-lo na Albiceleste, foi instado a substitui-lo por um semestre em Núñez. Fez um serviço bem demais: ali, pela única vez, a equipe mais vencedora do Argentinão foi campeã de modo invicto – encaminhando a taça na penúltima rodada com um 3-0 dentro da Bombonera no Superclásico, partida que ele mais desfrutou como treinador segundo aquela entrevista de 2001. El Tolo foi inclusive convidado a permanecer, mas fez valer a palavra dada ao amigo Passarella. Apenas em 1999 o River voltaria a derrotar o Boca em jogos não-amistosos.

Gallego, Passarella e Alejandro Sabella na comissão técnica da seleção nos anos 90

Gallego não ficou também porque ainda não se via como um treinador, clique que só veio a sentir no pré-Olímpico dos Jogos de Atlanta (“foi por uma substituição no jogo contra o Brasil. Ganhávamos de 2-0 e eu queria fazer uma substituição para manter a bola no meio, porque assim éramos campeões. Daniel pensou que tínhamos de lhes fazer outro gol e manteve os atacantes”). Permaneceu como fiel braço-direito do ex-zagueiro até o fim da Copa de 1998. Sondado pelo Boca após o Mundial da França, Passarella terminou acertando com outro rival, a seleção do Uruguai. Mas sem ter a companhia do Tolo: “eu lhe expliquei que já me sentia um técnico mais, que não era compatível seguir juntos. Ele me disse que tudo bem. Eu lhe agradeci, porque graças a ele sou o que sou; e ele me agradeceu pelas coisas que fiz”. Ramón Díaz, que desde 1995 comandava uma era no River, encerrou seu ciclo no início de 2000 e Gallego foi então requisitado para substituir quem, àquela altura, era o técnico mais vitorioso do clube. O sucesso veio de modo imediato no Clausura, garantido na antepenúltima rodada.

Mas o ex-volante pagou com a língua na eliminação contra o Boca nas quartas-de-final da Libertadores, derrotado por 3-0 com dois gols sofridos nos dez minutos finais (a partida, até então, iria aos pênaltis) após ter declarado que escalaria Francescoli ao saber que Martín Palermo seria relacionado – o matador rival vinha de seis meses inoperante por uma lesão no joelho, entrou no fim do jogo e teve tempo para, de muletas, anotar o terceiro. O River também esteve no páreo pelo Apertura, tendo faca e queijo na mão para roubar na antepenúltima rodada a liderança do Boca ao receber em casa o fraco Huracán após o rival ter sido surpreendentemente derrotado pelo Chacarita. Em um terço dos jogos na campanha, seus comandados aplicaram quatro ou mais gols, mas também empataram em outro terço. E uma delas foi ali: sem liquidar uma 1-0 parcial, o Millo sofreu a igualdade e, desmotivado, perdeu na rodada final para o Lanús enquanto o Boca, recém-campeão em Tóquio, saboreava uma tríplice coroa.

Naquela entrevista, El Tolo definiu aquele frustrante empate como o dia mais triste que teve no futebol. Também apunhalado duramente nas semifinais da Copa Mercosul em 2000 (o Vasco ganhou de 4-1 em pleno Monumental), Gallego ficou mais um semestre no River. Incapaz de competir na metade final do Clausura com um San Lorenzo que emendou treze vitórias seguidas (ainda um recorde geral no profissionalismo argentino), caiu novamente nas quartas da Libertadores com outro 3-0, sofrido diante da Cruz Azul, em placar que também se repetiu em derrota no Superclásico pelo torneio doméstico – na noite em que Riquelme inaugurou sua comemoração de Topo Gigio meses antes de liderar o rival a nova Libertadores. Ramón Díaz foi chamado de volta para conduzir o barco millonario na temporada oficial do centenário. A parada seguinte do ex-volante foi ninho novo, o do Independiente. Isso e o fato de o Rojo ter sido simplesmente o lanterna do Clausura 2002 trazia ares de aposta mútua de risco. Gallego foi resistido inicialmente pela nova torcida, que, sempre exigente de um futebol vistoso, o tachava de técnico defensivo.

Posando como jogador do Newell’s com as camisas de River e Independiente, que o disputavam. Como técnico, terminou campeão nesses três clubes vermelhos

Mas ele não tardou a ouvir os gritos de Toloooo das arquibancadas ao afastar essa injustiça de modo contundente. Afinal, o Independiente não apenas faturou o Apertura 2002 como o fez com muito estilo, com um recorde de gols não superado em toda a história dos torneios curtos que vigoraram de 1991 a 2014. Foram 48 (16 a mais que o vice Boca) em 19 jogos, que serviram ainda para desfazer jejum de sete anos, expressivos a uma torcida mal acostumada às glórias tão contínuas nos anos 60, 70 e que ainda vinham com certa regularidade entre 1983 e 1995. Mal se imaginava que uma seca ainda maior de oito anos viria, até a conquista pouco vistosa, mas necessária, da Sul-Americana de 2010, seguida de nova estiagem de sete anos até esse troféu ser reerguido em 2017. No cenário doméstico, porém, o jejum segue forte: desde aquele Apertura o Independiente não foi mais campeão argentino, no que desde 2015 é o maior hiato do Rojo no torneio. Aquela conquista em 2002 foi seguida por uma campanha muito ruim no Clausura 2003, três posições acima da lanterna, e Gallego não permaneceu para a Libertadores. Coube a ele voltar à primeira casa, recontratado pelo Newell’s.

De campeão com o melhor ataque dos torneios curtos, El Tolo passou a ser campeão com a pontuação mais baixa dessa era a despeito de um ataque formidável no papel: só que o brasileiro Jardel foi uma decepção, Ignacio Scocco ainda estava de fraldas e Ariel Ortega voltava a jogar após um ano e meio impedido pela FIFA. Impondo sua disciplina, Gallego pôde tirar leite de pedra no Apertura 2004, mesmo que com só 36 pontos em 19 jogos que em nada impediram a euforia da torcida leprosa. Era o quinto título argentino do Ñuls: ali o clube superou os quatro erguidos pelo Rosario Central, time do coração da esposa de Gallego (que não se inibiu de dedicar-lhe a taça), em trajetória que detalhamos em dezembro passado. Enfim campeão pelo time que o revelou, Gallego juntou-se a José Yudica como únicos treinadores que venceram o Argentinão por três equipes diferentes. Mas não permaneceu no Parque, acertando com o Toluca para 2005. Bem aventurado com a cor vermelha, pôde ser campeão mexicano de imediato naquele ano, mas o toque de Midas exauriu-se ali: desde então, não conseguiu mais uma mísera volta olímpica, ainda que fosse vice da Liga MX em 2006, quando também foi semifinalista da Sul-Americana.

Deixou o Toluca em 2007 e trabalhou em mais cinco clubes – ainda no México, com o Tigres, antes de voltar ao Independiente sem o êxito de outrora: seu Rojo até pareceu candidato a vencer o Clausura 2010, mas atrasos salariais contribuíram para uma sucessão de resultados ruins na reta final e Gallego, apesar do razoável 4º lugar (colocação mais alta que o time já chegou desde 2002), não teve o contrato renovado para o segundo semestre. O clube até se arrependeu e convidou-o a voltar diante do péssimo início do sucessor Daniel Garnero, mas o temperamental Tolo negou-se e coube a Antonio Mohamed saborear a conquista redentora da Sul-Americana, embora ao mesmo tempo não evitasse a lanterna no Apertura. Essa posição, adiante, pesaria enormemente para os promedios fazerem o time brigar contra o rebaixamento na temporada 2012-13. Após uma experiência semestral no Colo-Colo em 2011, Gallego aceitou ser bombeiro em Avellaneda para aquela temporada da queda. Já não deu certo e os jogos finais do suplício ficaram sob comando de outra figura messiânica dos bons tempos, Miguel Brindisi.

Gallego tampouco teve uma volta gloriosa no Newell’s, durando só 14 rodadas em 2015 – nada que o tire da nossa escalação do time dos sonhos que elegemos para a Lepra em 2013. Atualmente, é a aposta da seleção do Panamá, com quem acertou em 2019. Sorte ao Tolo rumo ao Catar!

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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