Nunca um time goleou tanto numa final. Nunca um time reaproveitou tantos remanescentes de um título nacional anterior tão longínquo. Nunca houve um artilheiro de campeonato tão veterano. Nunca todos os jogadores receberam a nota máxima do diário Olé!. Essas são algumas façanhas do Lanús, premiando aquela que talvez é a melhor organização de um clube argentino, já dissecada nesta outra matéria. Afinal, até ontem o Granate tinha mais títulos internacionais (Copa Conmebol 1996, Sul-Americana 2013) do que na elite nacional!
O outro único título argentino grená de primeira divisão foi há nove anos. O ex-goleiro riverplatense Ángel Comizzo já passou onze anos entre um título (Apertura 1991) e outro (Clausura 2002) pelo River, assim como dois ex-atacantes esperaram treze anos: José Sanfilippo no San Lorenzo, entre 1959 e 1972, assim como Diego Milito no Racing, entre 2001 e 2014. O recorde lanusense está no coletivo: foram quatro remanescentes do vitorioso Apertura 2007 neste Torneio Transição 2016.
O destaque maior, é claro, fica para o atacante José Sand. Titular nas duas campanhas, ele se tornou o artilheiro mais veterano do futebol argentino, aos 35 anos. Foram quinze gols, incluindo um na final de ontem. Uma façanha levando-se em conta que conseguiu quase um gol por jogo, pois esteve, sempre como titular, nas dezesseis partidas da campanha. E um assombro ao se constatar que ele repetiu rigorosamente os números de 2007, onde também fizera 15 em 16.
O Lanús já havia conseguido disparadamente a melhor trajetória da primeira fase, classificado com rodadas de antecipação, graças a seu goleador. El Pepe quebrou o recorde estabelecido por Martín Palermo em 2007 (o boquense tinha 34 anos) e juntou-se a um clube que inclui ainda Enzo Francescoli (1994), Maxi Rodríguez (2014), ambos de 33 anos na época das últimas artilharias, além de Ramón Díaz (1991) e Carlos Bianchi (1981), ambos com 31 anos.
Em 2007, o jovem Sand havia sido também o artilheiro do elenco campeão. Destacou-se especialmente contra o Racing, empatando fora de casa nos últimos vinte minutos; Vélez (marcando nos primeiros quinze minutos os dois gols grenás no 2-1; Arsenal, marcando fora de casa o único gol do jogo; dois no 4-0 sobre o Gimnasia LP, na última rodada, que era só para comemoração.
Isso porque o título se garantira na anterior, em plena La Bombonera. Com gol de Sand abrindo o placar; Palermo empataria, mas o vice-líder, o recém-ascendido e surpreendente Tigre (onde jogava o meia Román Martínez, ontem outro grená campeão), perdeu do Argentinos Jrs e a distância ficou em inalcançáveis quatro pontos.
Mas se o vice de 2007 foi o Tigre (vazado por Sand em vitória por 2-1), o jogo que matematicamente definiu o campeonato foi o que contou com os dois primeiros gols de Pepe Sand: os dois da virada por 2-1 fora de casa em pleno clássico com o Banfield, que havia aberto o marcador através de seu goleiro Cristian Lucchetti.
O Clásico del Sur viveu seu auge entre 2007-10: campeão em 2009 (curiosamente, com volta olímpica também em La Bombonera, mas perdendo), o Banfield também fizera bela campanha no Apertura 2007, ofuscada pelo rival: terminou em 3º, a seis pontos do Lanús. Ou seja, se tivessem vencido aquele dérbi, Taladro e Granate terminariam empatados e precisariam fazer um jogo-extra. Aqueles gols do Pepe, que por sinal era ex-jogador do Banfield, impediram.
Já em 2016, Sand foi fundamental especialmente pelos únicos gols contra Temperley (fora de casa), Atlético de Tucumán (de excelente campanha) e Tigre, além de virar as partidas contra Defensa y Justicia, Atlétito de Rafaela (que vencia em plena La Fortaleza e tomou a virada aos 44 minutos do segundo tempo) e matar o primeiro clássico com o Banfield, anotando os 2-0 aos 43 minutos do segundo tempo.
Outro a anotar gol ontem, para fechar os 4-0, foi a dupla ofensiva de Pepe Sand, Lautaro Acosta, que foi até reconvocado à seleção argentina neste 2016. Os dois funcionaram muitíssimo bem juntos especialmente contra Boca e Unión. Contra os xeneizes, um gol de Acosta e outro de Sand definiram o placar final com menos de três minutos de jogo. Já contra o Tatengue, Acosta abriu o marcador e Sand fez três, tudo com quarenta minutos – e fora de casa.
Em 2007, Acosta era meia, compondo um setor com a revelação do campeonato, Diego Valeri (o trio fez um gol cada na melhor exibição dos campeões, um 4-1 fora de casa no Rosario Central); com Jadson Vieira, o último brasileiro campeão na Argentina ou Sebastián Blanco, pré-convocado por Maradona à Copa de 2010 (ironia: ele esteve em campo ontem, mas agora defendendo o vice San Lorenzo); e Agustín Pelletieri, outro campeão remanescente em 2016.
Neste ano, porém, Pelletieri só estreou na sétima rodada, ausente até do banco nas anteriores. Foi titular em apenas dois jogos, o outro na derrota de 3-1 para o Huracán na última rodada da primeira fase, em que um Lanús irreconhecível poupou-se para a grande decisão. Já em 2007, havia sido justamente o jogador de linha mais vezes presente na temporada.
Por fim, a outra figura de 2007 presente em 2016 foi o volante Maxi Velásquez, titularíssimo e capitão. Ele e Laucha Acosta estavam também na Sul-Americana de 2013 (torneio que Velásquez vencera também em 2010, com o Independiente) e são assim os jogadores mais vezes campeões pelo Lanús. Eles, Sand e os demais titulares de ontem receberam todos notas 10 do Olé.
Pudera: foi um 4-0 arrasador e poderia ter sido muito mais. Até então, a maior goleada em uma final havia sido o 4-1 do Chacarita sobre o River em 1969. Foi uma exibição de gala à altura dos Globetrotters, como ficou conhecido o vistoso time lanusense que lutou pela primeira vez pelo título profissional – saiba mais. Foi há sessenta anos, em 1956, sendo vice por dois pontos para o River e que dentre outros revelou o zagueiro José Ramos Delgado, depois ídolo no Santos de Pelé.
O clube que já festejou nos anos 60 os Albañiles (quase semifinalistas em 1968) e nos anos 90 a Cúperativa (os garotos do técnico Héctor Cúper) é o único que já foi rebaixado à terceira divisão e conseguiu depois vencer a elite nacional. Uma verdadeira lição a tantos gigantes decadentes e desorganizados. Promessa de futuro na Argentina é o Lanús.
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