Ezequiel Medrán, Pablo Álvarez, Matías Silvestre, Claudio Morel Rodríguez e José María Calvo; Pablo Ledesma, Fernando Gago, Víctor Galarza (Ezequiel Scarione) e Fabián Vargas (Luis Escalada); Rodrigo Palacio e Edgar Espíndola (Marcelo Delgado), treinados por Jorge Benítez, adentraram na noite de 14 de março de 2005 no estádio José María Minella para enfrentar o Racing, em empate de 1-1: o oponente Lisandro López abriu o marcador aos 15, Medrán pegou pênalti de Darío Husaín aos 32 e um tiro livre de Morel Rodríguez empatou aos 37. Quatro dias depois, em Salta, com algumas alterações, incluindo o estreante brasileiro Baiano, a mesma equipe fez 2-0 no Independiente, em golaço de bicicleta de Palacio aos 42, com Escalada ampliando aos 79. Ambos os jogos foram pelo amistoso Torneio de Verão, mas chamaram atenção: a faixa dourada na camisa azul era diagonal!
O Boca vivia o ano do centenário e não teve pudor em resgatar sua história, apesar das naturais críticas em seu seio e gozações alheias. Ao adotar as cores suecas em 1907, dois anos após a fundação, usou primeiramente o desenho diagonal para a faixa dourada. Ela permaneceria assim até 1912. Aqueles amistosos serviram para testes de reservas, juvenis e reforços. Morel Rodríguez e Calvo eram os únicos já titulares. Álvarez, Silvestre (depois vira casaca duplo na Itália, passando pela dupla siciliana Catania e Palermo e pela milanesa Internazionale e Milan), Vargas e Ledesma, desde 2003 no time adulto, tinham alguma rodagem mas sem se firmarem regularmente na escalação inicial.
Já o goleiro Medrán (vindo do Atlético Rafaela), o reserva Escalada e o futuro astro Gago (ambos da base) haviam jogado apenas duas vezes antes pelo clube. Galarza, da base, tinha cinco jogos prévios, e não ficaria após um terceiro amistoso de verão em 2005. Espíndola e o reserva Scarione, ambos também das inferiores, estrearam ali no time adulto, e não duraram muito mais. Palacio, vindo de uma ótima fase do Banfield, também fez naquela noite polêmica sua estreia pelo Boca. Por fim, o reserva Delgado era o único já ídolo. O veterano ponta reestreava no Boca depois das atuações decisivas nas finais da Libertadores de 2003, após uma passagem pelo futebol mexicano.
À essa altura, o leitor já deve ter percebido que a chamada da matéria o induziu a uma brincadeira de 1º de abril. Mas ela seria plenamente verdadeira e atual para alguns combinados entre Boca e River, como naquele em que a dupla, no Brasil, vestiu a camisa do Palmeiras nos anos 40. E em jogos oficiais seria uma manchete válida em 1934. Naquele ano, a liga forçou a fusão de duas duplas.
É necessário apresentar o contexto da época. Falamos em janeiro: nos anos 30, vivia-se o início do profissionalismo assumido. Pagamentos já se realizavam nos anos 20 (por considerar-se bem remunerado é que Natalio Perinetti, ídolo do Racing nos anos 10 e 20 e que jogou a Copa de 1930, recusou proposta do Real Madrid, por exemplo). O que ocasionou a rebelião dos principais clubes era a revolta de jogarem contra equipes que pouco traziam torcedores, mas com quem tinham de dividir metade da renda.
Dentre esses clubes menores, times de páginas históricas como o Sportivo Barracas, que vencera Milan e Barcelona na Europa em 1929; e o Estudiantes de Buenos Aires, criado ainda no século XIX e que foi o primeiro time argentino a excursionar pelo Brasil. Na convocação à Copa de 1930, figuraram atletas do Barracas, Argentino de Quilmes (primeiro clube latino do país, de 1899), Sportivo Buenos Aires e três do Estudiantil Porteño (de onde saiu Atilio Demaría, que também jogaria a Copa de 1934, sendo campeão pela Itália). E nenhum de Independiente e River. Esses clubes obscuros permaneceram oficialmente no amadorismo não por romantismo, e sim por não aceitarem ser relegados de divisão para a liga profissional que se formava.
O Barracas, sede da Copa América de 1925 e campeão amador de 1933, se acostumou à quarta divisão. O Estudiantes (que revelou Lavezzi), à terceira, só voltando à elite uma única vez, em 1977. O Estudiantil Porteño, campeão amador em 1931 e 1934, ainda existe mas sem futebol competitivo. O Sportivo Buenos Aires extinguiu-se. Seu jogador na Copa era Carlos Peucelle, que ao ir ao River em 1931 por uma cifra recorde originou-lhe o apelido de Millonarios. E o Argentino teve a duvidosa honra de ser o único clube a conhecer todas as divisões, virando time literalmente de quinta.
Desde meados dos anos 10, os campeonatos eram dominados por Boca, Racing, Independiente, San Lorenzo e Huracán, com River e Gimnasia tendo os outros títulos – um cada – mas expressiva popularidade. Consideravam negócio jogar apenas com um seleto grupo de outras equipes. Em 1931, começou a liga profissional com os dezoito rebeldes, metade do número de clubes que haviam disputado o campeonato de 1930. A esses sete juntaram-se Estudiantes (de La Plata), Vélez, Ferro Carril Oeste, Atlanta, Chacarita, Argentinos Jrs, Platense, Tigre, Quilmes, Lanús e Talleres da cidade de Remedios de Escalada (sobrenome da esposa do Libertador argentino, José de San Martín).
A liga profissional começou “pirata”. A associação argentina reconhecida pela FIFA continuava oficialmente amadora e só se rendeu ao fim de 1934 – por isso só jogadores amadores foram usados na Copa do Mundo daquele ano (os profissionais foram sondados, mas os clubes, de uma liga não-oficial, temiam perdê-los para europeus sem receberem pagamento). Mas para público e mídia, as atenções voltaram-se aos rebeldes. Como era um grupo fechado, não havia rebaixamento: a segunda divisão, na época, significava o campeonato “de reserva” – ou de aspirantes, como designado no Brasil.
O que não quer dizer que tudo era um mar de rosas. Alguns dos clubes pequenos rebeldes não vinham se mostrando financeiramente tão interessantes assim aos poderosos. Para o campeonato de 1934, então, o número foi enxuto para 14, punindo os seis últimos de 1933. Os elencos principais de Tigre e Quilmes foram “rebaixados” ao campeonato de aspirantes. Para não passarem pelo mesmo, uniram-se os de Atlanta e Argentinos Jrs, cujos rivais eram respectivamente Chacarita e All Boys (que ficara no campeonato amador); e Lanús e Talleres, que faziam o clássico lanusense – ambos são da municipalidade (ou partido, na Argentina) de Lanús.
A preocupação não era em diminuir o calendário. Ele até aumentou de 34 para 39 rodadas, pois com menos equipes foi travado em três turnos. A união Atlanta-Argentinos Jrs foi desastrosa. Na reta final, as partidas foram jogadas apenas pelo plantel do Argentinos, o que não significou melhora: as duas únicas vitórias em 39 jogos foram ainda sob a fusão e o Bicho terminou na lanterna. Em penúltimo, ficou o Ferro Carril Oeste. Para as circunstâncias, o antepenúltimo posto foi honroso para a “Unión Talleres-Lanús”. Salomonicamente, seus jogos como mandante foram rodada sim no estádio do Lanús, rodada outra na do Talleres.
O uniforme foi neutro: as camisas grenás e calções brancos do primeiro e as camisas em listras horizontais alvirrubras e calções azuis do segundo foram substituídas por um manto azul com faixa horizontal vermelha e calções negros. Dos titulares, o beque Carlos Wilson (pelo Talleres em 1935), o ponta Aníbal Troncoso (já pelo Tigre, em 1939) e o médio Jorge Titonell (pelo Huracán, em 1940) chegariam à seleção. Nos reservas, haviam outros nomes que cabem menção. Para começar, o o Talleres forneceu o lendário uruguaio José Leandro Andrade, campeão da Copa de 1930 e primeiro astro negro a nível mundial no futebol.
Outro do Talleres era o beque José Salomón (ainda iniciante, estreou ali e jogou pouquíssimo, mas adiante seria por trinta anos o recordista de jogos pela seleção argentina: conheça-o) e o atacante Alfredo González – que faria ali seus primeiros gols, para futuramente trabalhar nos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro e ser técnico campeão no Bangu em 1966: falamos em janeiro.
Outros que jogariam no Rio, ambos no Flamengo, eram do Lanús: o beque Sabino Coletta (que se consagraria no Independiente) e o médio Atmio Luis Villa. Unidos aos rivais, ganharam oito vezes, empataram onze e perderam vinte. Para o torneio de 1935, as uniões foram desfeitas e os “rebaixados” Tigre e Quilmes foram repromovidos. A liga profissional absorveu a associação oficial naquele ano, mas só em 1937 é que uma segunda divisão propriamente dita foi organizada, passando a haver rebaixamentos no profissionalismo.
O Talleres (que na Copa de 1930 fornecera o goleiro titular, Ángel Bosio) caiu em 1938 e foi o único dos dezoito rebeldes a não voltar à elite. Quando ainda disputava a segundona, nos anos 80 e 90, teve Fernando Redondo no time infantil (o volante rumaria ainda nos juvenis ao Argentinos Jrs, onde concluiu sua formação) e profissionalizou Javier Zanetti. Já acostumado à terceira, revelou Germán Denis. Mas seu espaço na história e na rivalidade com o Lanús foi substituído pelo Banfield; Zanetti, ao jogar nele depois, virou duas vezes um rival dos grenás. Os alviverdes, cujo rival original era o Los Andes (ambos são da municipalidade de Lomas de Zamora, vizinha a Lanús), foram a única equipe remanescida no amadorismo nos anos 30 a conseguirem assiduidade sólida na elite profissional, onde adentraram em 1940.
Lanús e Banfield inicialmente tinham torcidas amigas, mas a decadência dos respectivos rivais (na Argentina, falar de Talleres remete primordialmente ao da cidade de Córdoba) formou uma rivalidade acentuada a partir dos anos 80, originando o Clásico del Sur da Grande Buenos Aires. O último clássico lanusense foi um amistoso festivo em 2008: Diego Armando Maradona, nascido na municipalidade de Lanús, atuou um tempo pelos grenás e outro pelo Talleres.
Ah, sim: o terceiro amistoso de verão do Boca em 2005 foi contra o River. Contra quem voltou a usar o desenho icônico da faixa horizontal, em modelo retrô referente ao usado no campeonato ganho com o próprio Maradona, em 1981. E com titulares…
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