Bolívia, a seleção que mais naturalizou argentinos
Não é a Itália a seleção estrangeira que mais aproveitou a maestria e alma dos argentinos. Ao menos em quantidade, a Azzurra perde apenas para La Verde, cujo recordista em jogos pelo país foi justamente um vizinho. Os ítalo-argentinos, listados neste outro Especial foram 24, enquanto a Bolívia acaba de somar seu 31º hermano: Damián Lizio, volante surgido na base do River, jogou pela Argentina sub-20 e foi convocado para a Copa América.
Enquanto o Paraguai aproveita revelações argentinas de origem guarani, a Bolívia é mais de nacionalizar os vizinhos que vêm jogar no altiplano. O primeiro foi empregado há setenta anos, na Copa América de 1945: o volante-central Raúl Fernández, autor de um gol nos 3-3 com a Colômbia. Os seguintes apareceram na Copa do Mundo de 1950 e foram o atacante Roberto Capparelli e o defensor Antonio Greco.
Ramón Santos, outro volante, participou da Copa América de 1953, onde marcou dois gols, e defenderia a Bolívia até o fim da década. Ele estaria presente na primeira vitória boliviana sobre a Albiceleste, os 2-0 nas eliminatórias à Copa de 1958. Vicente Moreno, em 1958, e Luis Aguilera, em 1959, foram os “boligentinos” seguintes.
A seleção andina sediou a Copa América em 1963 e, preparando-se com esmero, foi campeã pela única vez. E o elenco treinado pelo brasileiro Danilo (vice na Copa de 1950) tinha vários argentinos: o zagueiro Roberto Cainzo, o volante Eulogio Vargas e o lateral-esquerdo Eduardo Espinoza. Os dois primeiros estiveram na segunda vitória da Bolívia contra a Argentina, nos 3-2 naquela campanha campeã. Mario Di Meglio também vestiu La Verde naquele ano.
A vitória boliviana seguinte veio nas eliminatórias à Copa de 1970 e faria a diferença adiante: por um ponto, a Argentina perdeu a classificação para o Peru, na única vez em que terminou desclassificada em campo. Foi um 3-1 com dois gols vira-casacas, de Juan Díaz e Raúl Álvarez. E haviam mais inimigos íntimos, pois Mario Rojas e Juan Farías eram outros argentinos do lado vencedor. Julio Díaz também atuou naquelas eliminatórias. Para não perder mais pontos em La Paz, a Argentina se preparou por três meses na altitude nas eliminatórias à Copa 1974, o que não quer dizer que foi organizada: a AFA chegou a esquecer-se dos jogadores e não lhes enviar ajuda de custo. Assim foi a nada glamourosa estreia de Mario Kempes pela seleção. Saiba mais.
Luis Liendo, meia-direita que participou da Copa América de 1975, foi o naturalizado seguinte. Seu filho, também chamado Luis Liendo, nasceu na Bolívia e também defenderia La Verde, jogando a edição de 1999 – ele foi formado nas categorias de base do Boca. Já Luis Bastida, Héctor Awad e René Taritolay foram usados nas eliminatórias à Copa de 1978 rumo à Argentina natal, perdendo a classificação na repescagem intercontinental com a Hungria.
Após sua primeira vitória sobre a Argentina sem nativos dela, nos 2-1 pela Copa América em 1979, a Bolívia só voltou a usa-los nas eliminatórias à Copa de 1986: o goleador Juan Carlos Sánchez, segundo maior artilheiro do campeonato boliviano (já foi o maior), especialmente pelo Blooming – detém o recorde de gols em um só jogo de Libertadores, ao marcar seis por este clube no 8-0 sobre o Deportivo Italia em 1985. Sánchez também marcou no 1-1 com o Brasil no Morumbi, na primeira vez em que a seleção andina não perdeu jogando como visitante da canarinha. Ricardo De Angelis, Emilio Ludueña, Miguel Bengolea e Ricardo Fontana foram convocados mas não jogaram. Na época, o técnico chegou a ser Carlos “Chamaco” Rodríguez, ex-jogador do Grêmio.
Os próximos é que teriam o gosto de recolocar a Bolívia na Copa do Mundo após mais de 40 anos: o goleiro Carlos Trucco e o volante Luis Cristaldo, os naturalizados mais duradouros, virando figuras carimbadas por uma década desde a estreia, em 1989. Miguel Vacaflor também estreou neste ano mas foi esquecido enquanto os outros dois iam à Copa de 1994 junto do zagueiro Gustavo Quinteros – ele estará nesta Copa América, como técnico do Equador.
Trucco, Cristaldo e Quinteros foram da geração dourada de Marcos El Diablo Etcheverry, Erwin Platini Sánchez, Milton Melgar (único boliviano que defendeu Boca e River) e outros, que decretaram na campanha a primeira derrota brasileira em eliminatórias. Trucco e Cristaldo também seriam vices da Copa América que a Bolívia sediou em 1997, dessa vez perdendo para o Brasil – Cristaldo é aquele que Edmundo nocauteou sem ser expulso. Sergio Castillo foi outro argentino vice.
Fernando Ochoaizpur foi outro naturalizado na época, estreando em 1996. Ele jogaria a Copa América de 1999 com Cristaldo, homem que mais vezes jogou pela Bolívia, 93, a última delas já em 2005 – também disputou a Copa das Confederações em 1999, último torneio mundial disputado por La Verde. Já Ochoaizpur fez o gol da quinta vitória boliviana sobre a Argentina, nas eliminatórias à Copa de 1998, em jogo marcado pela polêmica “atuação” de Julio Cruz, retirado com sangue no rosto em episódio similar ao do goleiro chileno Roberto Rojas em 1989.
Mesmo com diversos técnicos argentinos na virada do milênio, só duas novidades vizinhas antes de Lizio estrear em 2014 apareceram: Leonardo Fernández, goleiro titular na Copa América de 2004; e Gerardo Yecerotte, usado algumas vezes em 2009, embora não na sexta e última vitória boliviana em 23 jogos contra a Albiceleste: aqueles 6-1, a derrota mais elástica da história da seleção argentina.
Considerando treinadores, a Bolívia já teve de hermanos Amalia Romera, nas eliminatórias à Copa 1986; Nito Veiga, na Copa América de 1987; Jorge Habergger, na Copa América 1989; esteve em 2001 também; Héctor Veira, na Copa América e Copa das Confederações em 1999 – ironicamente, como jogador, defendeu a Argentina duas vezes e ambas foram contra os bolivianos; o ex-goleiro Trucco nas eliminatórias à Copa de 2002; Dalcio Giovagnoli em 2003, o já mencionado Quinteros na Copa América 2011; e Néstor Clausen de forma interina ano passado.
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