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Boca, 20 anos atrás: último gol da carreira de Maradona e primeiro (na estreia) de Schelotto!

A data de 14 de setembro de 1997 poderia ter ficado na história do Boca como o aniversário de vinte anos de sua primeira Libertadores (cujos 40 anos relembramos hoje mais cedo), o que ofuscaria as lembranças de uma vitória de 2-1 sobre o Newell’s, especialmente pela partida não integrar uma campanha campeã. Mas com o tempo, esse jogo também ganhou contornos históricos. Em um mês e meio, passou a ser conhecido como o jogo do último gol da carreira de Maradona. Alguns anos depois, um adendo, conforme crescia a idolatria em torno de Guillermo Barros Schelotto. Aquela foi sua estreia no clube. Com direito a marcar o gol da vitória.

Os dois personagens já estavam interligados. Foi o próprio Maradona quem pedira a contratação do ponta Guillermo e de seu gêmeo, o volante Gustavo Barros Schelotto, junto ao Gimnasia LP. Os irmãos vinham brilhando no bom momento que o sofrido Gimnasia LP vinha tendo na década, ainda que aquém do que a torcida tripera merecia. Em janeiro de 1994, veio, sobre o River, o troféu da Copa Centenário, até hoje a taça profissional mais expressiva dos alviazuis de La Plata.

Até hoje esperando um título argentino que não vem desde 1929, o Gimnasia passou perto no Clausura 1995 (era líder na última rodada, mas inacreditavelmente perdeu em casa para um time misto do Independiente) e no Clausura 1996. Nesse torneio, o Lobo aplicou um 6-0 sobre o Boca (Maradona não jogou) em plena Bombonera, que naquele dia inaugurava seu setor VIP. Guillermo, mais conhecido pela importância do que pela quantidade de gols na carreira, foi autor de três gols nessa partida. Em ambos os torneios, a taça escapou por um ponto.

Essas e outras desventuras do Gimnasia foram dissecadas neste outro Especial. Os Schelotto viraram inicialmente alvo do River, sendo inclusive poupados na primeira rodada do Apertura 1996, na qual os dois clubes se enfrentariam enquanto também negociavam a transferência dos gêmeos.

Os gêmeos Schelotto apresentados com Mauricio Macri, na época presidente do Boca e não da Argentina. À direita, outro ângulo da primeira comemoração

O que se conta é que Francescoli “vetou” por já ter se desentendido previamente com Gustavo, conhecido como o mais temperamental dos Schelotto – correndo a história de que certa vez o uruguaio, conhecido pela calma, tê-la perdido ao levar uma caneta sob o som de “olé” do volante. “Me provocas assim, mas tenho dois milhões no banco”, teria retrucado Enzo, que então ouviu: “então, se tens tanta grana, porque não sacas uns trocados e compras uma batina?”, dando-se a entender que somente com ela ele ficaria imune ao drible levado. Guillermo, em 2010, foi sóbrio a respeito do suposto entrevero entre o irmão e o uruguaio: 

“Não creio que tenha sido assim. O certo é que o River comprou Monserrat e Julio Cruz, nós seguimos no Gimnasia e no ano seguinte o Boca nos comprou. Não posso me queixar”. O negócio foi fechado em 27 de agosto de 1997, já três dias após a primeira rodada do Apertura. O Boca havia levado também Martín Palermo, por sua vez do Estudiantes e rival dos gêmeos desde a adolescência do trio em La Plata: “me contrataram num dia e Martín, no outro. Eu conhecia o caminho e quanto fui com Gustavo, Martín nos viu do pedágio e nos fez sinal de que nos seguiria, porque ele ia pela primeira vez. No vestiário, estávamos os três sozinhos. Houve um ‘olá, como vai?’, nos demos a mão e ficamos uma hora sentados os três, sem se falar”. Palermo estreou antes, já no dia 3, pela Supercopa Libertadores.

Com o Boca recheadíssimo de atacantes renomados (poucos clubes reuniram de uma vez tantos assim: falamos aqui), como Caniggia, apenas o volante Gustavo, dos gêmeos, terminou inscrito nesse torneio. Mas só entraria em campo pela primeira vez já em 30 de novembro. Guille estreou antes e se mostraria como o Schelotto de mais sucesso, especialmente após o temperamento de Gustavo se voltar contra ele ao ir às vias de fato com o técnico Héctor Veira na pré-temporada de janeiro, o que lhe valeu seis meses de “exílio” do Unión de Santa Fe.

Se aquela quinta rodada em 14 de setembro foi a estreia de Guillermo, também foi uma reestreia para Maradona. Após o fracasso do Boca no Clausura 1996 (o clube perdeu chances de título na penúltima rodada), ele, que havia perdido seis pênaltis seguidos naquela campanha, entregou-se novamente às drogas e foi se tratar. A licença de 40 dias virou praticamente um ano sabático. Diego só voltou a jogar já em julho de 1997, por sinal exatamente contra o Newell’s, mas em amistoso. O roteiro cinematográfico de superação parecia escrito: fez gol de falta logo no início e os auriazuis ganharam.

Eis as duas comemorações de Maradona no Apertura 1997, ambas em gols de pênalti. À esquerda, o êxtase contra o Argentinos Jrs. À direita, a dor contra o Newell’s

No jogo seguinte, ainda válido pelo Clausura 1997, Maradona desfilou classe, mas também sofreu distensão muscular, só voltando a campo no fim de agosto. Em amistoso contra a Universidad Católica, os chilenos venceram em plena Bombonera por 3-2. Maradona não quis cobrar um pênalti para o Boca e Sebastián Rambert perdeu-o. Sentindo pelo garoto, Dieguito tratou de espantar o medo na primeira rodada, contra o Argentinos Jrs. Dessa vez, ele converteu. O contexto o desinibiu de se trepar nos alambrados para comemorar um gol de pênalti.

Só que a lenda foi pega no exame antidoping ao fim da partida e suspenso preventivamente. Jurando inocência, Maradona conseguiu um acordo: voltaria a jogar desde que fizesse exames após cada partida. O jogo de vinte anos atrás seria o primeiro após a turbulência. Aos 40 minutos do primeiro tempo, pênalti. Diego, cumprindo pela terceira vez a “lei do ex” em 1997, converteu. Dessa vez, os fantasmas eram mais pesados e a comemoração transpareceu mais sofrimento do que exaltação. 

Maradona, o “Diego mau”, foi substituído aos 16 minutos do segundo tempo para a entrada de Latorre, o “Diego bom”. No duelo que horrorizou os puristas (o Newell’s usou uma camisa quadriculada, com a divisa sangre y luto, passando a ser usada nos calções!; já a presepada da Nike para o Boca foi inserir listras finas brancas separando o azul y oro, além de meiões listrados), o empate veio aos 22 minutos, com Josemir Lujambio. No minuto seguinte, então, Veira tirou o volante Julio César Toresani e reforçou o ataque com a estreia de Schelotto.

El Mellizo, usando ainda uma estranha camisa 23 naquela que foi a rodada que inaugurou a numeração fixa a cada jogador no futebol argentino, exibiria em doze minutos o seu cartão de visitas. O peruano Nolberto Solano (que, em meio a tantos atacantes daquele Boca, voltou à posição de origem: lateral-direito) cobrou uma falta e Guillermo foi um dos que saltou. Não alcançou, mas a bola ainda assim sobrou a ele e o atual técnico do clube tocou rasteiro para dar a vitória aos donos da casa. 

Como não chegaram a atuar ao mesmo tempo naquela partida, Maradona e Schelotto só puderam atuar lado a lado duas vezes: na rodada seguinte, no 0-0 em visita ao Vélez (com Chilavert esticando-se todo para impedir que uma falta bem cobrada por Maradona virasse o último gol do craque), e na posterior, em vitória por 2-1 sobre o San Lorenzo, com Guille sempre saindo do banco.

Após o jogo contra os azulgranas, foi a vez de jogar pela Supercopa, onde Schelotto não estava inscrito e o mexicano Luis Hernández (que, em situação inversa, não foi inscrito no Apertura), sim. Foi contra o Colo-Colo e nesse jogo Maradona contraiu nova lesão muscular. Ficou ausente novamente por semanas, até seu retorno virar também o capítulo final. Nada menos que um 2-1 de virada sobre o River no Monumental, dessa vez com Palermo dando a vitória. Contamos neste outro Especial.

Maradona e Schelotto juntos pelo Boca (já contra o San Lorenzo): algo que acabou sendo raríssimo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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