No jargão futebolístico argentino, huevo não significa ovo no sentido alimentar, e sim como culhão, designando um jogador raçudo. Poucos foram tão reconhecidos por essa característica quanto Blas Armando Giunta, que hoje faz 55 anos. Parecia tê-la por triplicado; afinal, era sob o cântico “Huevo, Huevo, Huevo, Giunta, Giunta, Giunta” que era saudado pelas torcidas de San Lorenzo e Boca, que o tiveram como um ídolo em comum quando ambos os clubes viviam situação estrutural precária, no período que abrangeu meados dos anos 80 a meados dos 90. “Via as pessoas e virava o He-Man”, resumiu esse volante de perna e temperamento fortes, solidariedade, boa marcação e um amante do jogo chuvoso e lamacento à revista El Gráfico, em entrevista de onde retiramos as declarações presentes nessa nata.
Já era explosivo na infância, quando jogava futebol e também basquete no Bomberos de La Matanza (“era de jogar 14 jogos por dia, começávamos 10 da manhã e terminávamos às 8 da noite”). Com 13 anos, recebeu uma suspensão de nada menos 99 anos no basquete após agredir um árbitro. Sobrou o futebol, que acompanhava nos estádios de Vélez, San Lorenzo e Boca: “me metia na frente de um cara e dizia ao bilheteiro que era meu pai. E entrava correndo, emocionado. Na rampa, via os refletores e ficava louco. Sentia que entrava no teatro, um lugar impressionante. Nessa subidinha, nos últimos metros, sentia que eu entrava em campo para jogar a partida”.
Após trabalhar em lojas de guitarras e penas, teve sua primeira oportunidade no futebol sério no obscuro Liniers, na 4ª divisão. Aos 16 anos, tentou a sorte no Ferro Carril Oeste, mas não foi aprovado. No San Lorenzo, sim. Outrora um meia-armador pela direita, virou volante nos azulgranas. Estreou no time principal em vitória de 1-0 sobre o Argentinos Jrs pela 12ª rodada do Metropolitano de 1983, entrando no lugar de José Iglesias. Mas não se firmou de cara, só sendo usado em outro jogo da campanha vice-campeã (o 4-3 sobre o Temperley na 14ª rodada, substituindo Jorge Rinaldi). Foi então deslocado à Patagônia, emprestado ao Cipolletti, clube de Río Negro, para a disputa da liga regional “onde a rudeza é moeda corrente e qualidade necessária para sobreviver”, na descrição no perfil dedicado a Giunta na edição especial em que a revista El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos sanlorencistas.
“Ir ao interior era muito difícil. Ias a Rosario, a Córdoba. E eram batalhas”, reconheceria o volante. O Cipolletti não conseguiu se classificar ao Torneio Nacional de 1984, mas Giunta pôde disputa-lo voltando ao San Lorenzo. Mais uma vez, não foi além de dois jogos, saindo do banco no 3-1 sobre o Racing de Córdoba nas quartas-de-final e na segunda derrota de 2-1 para o River na semifinal. Seu jogo seguinte, o primeiro como titular, veio na 3ª rodada do Metropolitano, em vitória de 1-0 sobre o Estudiantes. Jogou mais sete vezes, mas apenas em outra foi titular. Assim, em 1985 foi repassado ao Platense. O novo clube ficou na lanterna em seu grupo no Nacional e em antepenúltimo lugar no campeonato de 1985-86. Giunta chegou a ser expulso nas duas primeiras partidas pelo Tense, mas agradou a esteve perto de ser contratado, ironia do destino, pelo River.
Ofereceram-lhe 70 dos 100 mil pesos dólares que seu passe valia e o volante terminou de volta ao San Lorenzo mesmo, regressando ainda na metade do campeonato de 1985-86 a Boedo; ou melhor, ao time que já não residia em Boedo desde 1979, precisando alugar campos Buenos Aires afora e tolerar atrasos salariais. O comportamento estoico dos jogadores azulgranas naquelas adversidades rendeu àquele elenco o apelido de Los Camboyanos. Não houve disputa pelo título, mas a rodada final rendeu a alegria de empatar em 1-1 com o Huracán na casa rival. O resultado freou a reação do vizinho, que se viu obrigado a disputar uma repescagem contra o rebaixamento na qual chegaria até o fim, mas terminaria condenado. Foi o primeiro rebaixamento huracanense, igualando essa conta no clássico. E Giunta foi o carrasco, marcando o gol visitante.
Foi nessa etapa que surgiu o característico cântico “Huevo, Huevo, Huevo, Giunta, Giunta, Giunta“, posteriormente apropriado pela torcida do Boca (“podias estar fuzilado, mas revivias. Cantavam e era como que pudesses dar mais ou que tivesses 20 motores”). O volante enfim se firmou no San Lorenzo e já em novembro de 1986 integrava a seleção olímpica campeã nos Jogos da Odesur, sediados na Argentina. No campeonato de 1986-87, o Ciclón ficou em novo 7º lugar, dessa vez uma colocação enganosa em um torneio embolado, onde terminou a cinco pontos do campeão Rosario Central – uma distância menor que os seis pontos que o separariam do Newell’s campeão de 1987-88 – dessa vez, como vice-campeão. Nesse torneio, Giunta sobressaiu-se em duelos contra Racing e River, vítimas de seus dois gols na campanha e que também viram-lhe ser improvisado como goleiro após expulsões de José Luis Chilavert.
O vice-campeonato não dava vaga automática na Libertadores; a segunda vaga argentina cabia ao vencedor de um torneio-repescagem que unia os melhores times abaixo do campeão. Mas permitiu que o San Lorenzo desse uma volta olímpica naquela década perdida. O clube fez valer a melhor campanha na temporada regular dentre os participantes da liguilla e venceu a final com o Racing. Na Libertadores, eliminou no mata-mata o campeão do ano anterior, o Peñarol. Àquela altura, o San Lorenzo já era, desde 1986, o único clube grande argentino sem ter Libertadores, cuja taça já aparecia no horizonte. Mas o Ciclón voltou a não ser páreo para o Newell’s, que levou a melhor na semifinal com direito ao primeiro gol da carreira da revelação Gabriel Batistuta.
Além dessa decepção, Giunta teve a de não ser chamado às Olimpíadas embora houvesse participado do pré-Olímpico. Cansou-se das adversidades dos Camboyanos e dos cartolas cuervos e rumou ao Real Murcia. Não escapou de um rebaixamento na liga espanhola na temporada 1988-89, mas ainda tinha renome na Argentina capaz de atrair outro clube grande em vacas magras: o Boca, que vivia jejum desde 1981, quando conquista o Metropolitano maradoniano. De início, Giunta foi incapaz de alterar a trajetória errática no campeonato de 1989-90, em que o clube no segundo turno até só perdeu duas vezes, mas empatou dez. Para piorar, o River, sem títulos desde 1986, terminaria campeão.
Mas a seca xeneize foi amenizada com duas alegrias. E a primeira já em nível continental, na segunda edição da Supercopa, o torneio que reunia somente campeões da Libertadores. Antes de virar sinônimo exclusivo de jogador raçudo, Giunta foi o homem que marcou o gol desse título, convertendo em 22 de novembro de 1989 a última cobrança na decisão por pênaltis contra o Independiente, em plena Doble Visera, após o lado defensivo dos visitante se sobressair – diante de um adversário que, além de decidir em casa, era fortíssimo, campeão argentino de 1988-89. Em março de 1990, veio o título da Recopa (que então opunha os vencedores de Libertadores e Supercopa), em jogo-único em Miami contra o Atlético Nacional, batido por 1-0.
Posteriormente, Boca e Independiente também se enfrentaram na final da liguilla pre-Libertadores daquela temporada, torneio-repescagem que oferecia a segunda vaga nacional na Libertadores. As duas finais foram ganhas por 1-0 pelos auriazuis, que garantiram vaga na Libertadores de 1991. Já o campeonato argentino de 1990-91 iniciou o formato Apertura e Clausura, ainda que não valessem como títulos separados; se vencidos por clubes diferentes, eles fariam final pelo título único. O Boca teve como principal novidade o jovem Gabriel Batistuta, mal aproveitado naquele River campeão de 1989-90. Começou vencendo as quatro primeiras partidas, mas caiu por 2-0 no Superclásico e o fogo acabou; o Apertura 1990 foi vencido pelo Newell’s do iniciante treinador Marcelo Bielsa.
Mas no Clausura 1991 o ímpeto foi todo do Boca, embalado pela dupla ofensiva Batistuta e Diego Latorre, autores dos nove gols marcados nas três primeiras rodadas. E Giunta? Além de não dar sossego a ninguém junto de Walter Pico para Carlos Tapia poder construir, volta a meia aparecia como elemento surpresa. Como na disputa paralela da Libertadores, a reservar um dos capítulos mais inesquecíveis do Superclásico. Mesmo em La Bombonera, o River abriu 3-1 no primeiro tempo – com o terceiro gol sendo anotado no reinício da partida após os mandantes terem descontado. Aos 11 do segundo tempo, porém, o volante recolocou seu time em campo, com um cabeceio certeiro diminuindo para 3-2. O Boca viraria aos 42, com ares cinematográficos: Latorre fez de bicicleta.
A boa fase seguia nos mata-matas continentais, despachando as maiores torcidas brasileiras. Após tirar Corinthians e Flamengo, veio pela frente o Colo-Colo na semifinal (“sentíamos que éramos campeões”), que terminou em classificação chilena em meio a tumulto generalizado em Santiago. Em paralelo, Giunta estrou pela seleção em 27 de março (em 3-3 com o Brasil) e o show no Clausura seguia, com cinco jogos seguidos sem sofrer gols. E nenhum torcedor entristeceu-se quando voltou a marca caiu, pois foi em um 6-1 no Racing de Sergio Goycochea, goleiro então no auge do prestígio. O Clausura terminou vencido de modo invicto, mas restava ainda fazer a final contra o Newell’s. E a boa fase se voltaria contra os xeneizes: Batistuta, Latorre e Giunta foram convocados à Copa América e teriam de desfalcar o clube.
O trio foi campeão da Copa América, encerrando jejum de 31 anos da Albiceleste no torneio. Mas o Boca, descaracterizado, perdeu nos pênaltis em La Bombonera para os comandados de Bielsa. Para piorar, a segunda vaga na Libertadores ainda só vinha via liguilla e nela a equipe perdeu a decisão para o San Lorenzo. Batistuta foi então à Fiorentina. E o regulamento logo passou a prever que Apertura e Clausura passariam a valer como títulos isolados. O técnico Tabárez permaneceu e contratou-se o atacante Roberto Cabañas, mas o Boca empatou 10 dos 19 jogos do Apertura 1991 – que ainda por cima terminou ganho pelo River. Giunta, por sua vez, não jogou mais pela seleção após 25 de setembro de 1991, finalizando sete jogos de retrospecto invicto.
Para o Clausura 1992, veio o classudo meia Alberto Márcico. O clube manteve-se no páreo até pouco antes da reta final, mas não manteve o mesmo ritmo do Newell’s. Os rosarinos seguraram o 1-1 na Bombonera na 12ª rodada e os bosteros só acumularam metade da pontuação em disputa nas seis rodadas seguintes, ficando em 4º. Na liguilla, derrota na semifinal para o Gimnasia LP. A seca caseira, como em meio à temporada 1989-90, foi amenizada com nova copa continental, a Copa Master, que reunia os vencedores da Supercopa, vencendo por 2-1 o Cruzeiro em maio de 1992. Por outro lado, o clube chegava a 11 anos sem títulos nacionais, até hoje seu pior jejum doméstico. Que enfim seria resolvido no Apertura 1992.
O clube ficou invicto nas 14 primeiras rodadas, sem sofrer gols em oito jogos seguidos. Ainda assim, as vitórias só valiam dois pontos na época, permitindo que o River seguisse no páreo e mantivesse chances na última rodada. O suspense aumentou quando, mesmo na Bombonera, o San Martín de Tucumán abriu o placar. Nos minutos finais, o Boca empatou, o suficiente para quebrar a maldição. Mas não para impedir um racha interno entre as panelinhas falcones e palomas, divisão minimizada pelo volante (“alguns iam comer juntos e outros não. Mas não havia um confronto”). O clube caiu para 7º no Clausura 1993, torneio em que Giunta deixou o Boca, vendido ao Toluca. Foi em sua saída que Alejandro Mancuso, recém-contratado, pôde sobressair-se mais e efetivar-se na seleção.
Em meados de 1995, o retorno de Giunta, ao menos internamente, não significava menos que as contratações simultâneas de Maradona e Caniggia; o cântico agora era “Vamos, Boca, ponha huevos, para que volte Giunta, para que volte Diego!”, unindo Dieguito e Blasito na homenagem. O próprio Maradona exigia a escalação do colega, que permaneceu até 1997, embora rareasse após o Apertura 1995 – quando o time perdeu a liderança e invencibilidade no antepenúltimo jogo e as chances de título no penúltimo, indo rápido do céu ao inferno. Os torneios seguintes não tiveram decepções menores e em 1997 o volante rumou ao Ourense, 16º colocado da segundona espanhola de 1997-98. Pendurou as chuteiras em 1999, no Defensores de Belgrano, após perder no último jogo o acesso da terceira à segunda divisão.
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