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Bianchi voltou. É para tanto?

“El Virrey” foi apresentado oficialmente. A empolgação é geral

Carlos Bianchi já foi oficialmente apresentado no Boca Juniors. A empolgação foi profunda e superou até mesmo as expectativas. Certo clima de otimismo parece dá o tom equivocado sobre a nova realidade encontrada pelo Virrey no clube em que foi supercampeão. Salvador da pátria é o rótulo e os números do antigo treinador parecem impedir uma real abordagem sobre o novo comandante e a realidade com a qual ele se depara.

Bastou Bianchia abrir a boca para todo mundo aplaudir. “Reforços virão?”, perguntou um setorista, presente à coletiva. “Um atrás, um no meio e outro na frente”, contestou o Virrey, de maneira seca, mas simpática ao mesmo tempo. A alegria foi generalizada. Mas não somente do pessoal do Boca, que estava presente, como também da totalidade dos repórteres que cobria o evento.

Fato é que desde que Bianchi foi anunciado que certa nuvem paira sobre “La Ribera”. Difícil saber o que ela encobre. Porém, é certo que no instante em que ela se dissipar dificilmente veremos o mesmo Boca Juniors de anos atrás. E isto é assim não somente pelos méritos ou deméritos do clube, mas pela realidade que o circunda atualmente.

Em 2003, quando o Boca foi campeão da Libertadores pela penúltima vez, não somente a Argentina era outra, mas a própria América do Sul. Destroçado, o futebol uruguaio não colocava sequer um representante nas semifinais do certame continental. Time mesmo, no Brasil, era o São Paulo. E mesmo o Santos, vice do Boca naquele ano, e o São Caetano, vice do Olímpia, um ano atrás, eram fenômenos passageiros, que dificilmente conseguiriam se sustentar diante da força e do terror ocasionados pelo conjunto xeneize da Ribeira. No banco de reservas, o seu segredo: Carlos Bianchi.

Naquela época, o poderio econômico do futebol brasileiro era outro. Ronaldo no Corinthians, nem pensar. No máximo chegava um “velhinho” ou outro, que desembarcava por aqui para encerrar sua gloriosa carreira feita quase toda na Europa. Com raras exceções, voltavam ao Brasil para dormir em campo e ganhar um bela grana. Não era possível de se manter um Neymar, Paulinho ou Fred no pais. E mesmo quando uma equipe se destacava, ela sequer contava com um centro de treinamentos decente, como o do Corinthians, do Atlético Mineiro ou do Santos. Exceção novamente se faz ao São Paulo, mas lembrando que por ser um caso quase único não conta muito para a amostra. Certo também que basta olhar para a estrutura dos clubes cariocas para imaginarmos que todos eles ainda estão naquele tempo. Problema dos clubes do Rio. E o problema é tão peculiar aos cariocas que o Galo mineiro, Palmeiras, Inter, Grêmio e o próprio Corinthians estão aí para validar o que falamos.

Num contexto assim, um técnico cerebral importava mais que hoje, no sentido de conseguir operar os milagres que os empolgados esperam de Bianchi atualmente. Ou há inocentes que acreditam que o técnico Tite faria no seu clube atual os milagres que faz, caso o “Timão” não tivesse jogadores importantes e uma folha de pagamento inacreditável até para padrões de alguns clubes europeus? Não desmerecemos Bianchi e suas qualidades. Mas até onde vai o poder de suas mágicas? Este poder não seria profundamente limitado pelo contexto atual?

Basta pensarmos o seguinte: se hoje em dia os xeneizes chegassem às oitavas da Libertadores contra Corinthians, Fluminense, ou mesmo o Santos, se este reformulasse sua equipe e não contasse com a modorra mental que no momento vitima seu treinador, Muricy. Pois bem, por um lado, falariam bem do poderio econômico e dos grandes jogadores dessas equipes. Por outro, falariam do quê? De Bianchi. Somente dele e da mística que cerca a camisa bostera. Só.

Além disso, não dá para saber como está a cabeça do novo Bianchi. Ela reciclou seus conhecimentos sobre o futebol atual? Um importante site argentino deu a dica de como será a formação do Boca com o Virrey. Um enganche clássico e dois atacantes soltos na frente, mas bem próximo do armador principal. Quem garante que vai ser assim? E se for, convém perguntarmos se, a despeito do significado do enganche para o futebol, sua importância é tão grande assim para um esquema atual vencedor? Na Argentina, ventilam que Martínez seria o atacante para acompanhar Santiago Silva. Podemos estar equivocados, mas não acreditamos nesta formação. Possível até que Martínez possa ser justamente o enganche, posto que tudo indica que deverá ser de Riquelme (de novo). E os jogadores que estão prometendo ao Virrey? Gago à parte. Craque que não se discute. Mas e Martínez?

Bianchi é tão inteligente que basta saber das reclamações do “Burrito” para desaprovar a sua contratação. O “corintiano” alega que odeia jogar pelos lados do campo e não entende que se for para o Boca ocupará justamente este setor, ainda que no ataque. Bianchi já tem problemas de mais no Boca Juniors, não vai querer ter mais um. Contudo, se ele fizer o contrário do que afirmamos pode incorrer num erro do tipo que ele não cometia antigamente: recrutar um jogador confuso para executar certas tarefas em campo. Se fizer isto, pode estar sinalizando que sua visão sobre futebol se decompôs, em parte, com o tempo.

Então, celebremos Bianchi e seu retorno. Um grande acontecimento não somente para o clube da Ribera, mas para o futebol mundial. Que ele tenha sucesso. Porém, torçamos para que o seu staff, os torcedores e, por que não, para que os repórteres que aplaudiram três ou quatro de suas palavras, como se fosse torcedores, baixem suas bolas e considerem e respeitem um pouco mais realidade atual.

Números de Bianchi como técnico (1998-2001 – 2003-2004)

Títulos na Argentina:
Apertura 1998 – Clausura 1999 -Apertura 2000 – Apertura 2003.

Títulos internacionais
Copa Libertadores 2000 – Copa Intercontinental 2000 – Copa Libertadores 2001 – Copa Libertadores 2003.
Copa Intercontinental 2003.

Estatísticas gerais
278 partidas – vitórias: 155 – empates: 77 – derrotas – 46.
Percentual vitorioso: 65%.

Estatísticas no futebol argentino
188 partidas – vitórias: 110 – empates: 53 – derrotas: 25.
Percentual vitorioso: 68%.

Estatísticas no futebol internacional
90 partidas – vitórias: 45 – empates: 24 – derrotas; 21.
Percentual vitorioso: 58%.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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