Atlanta x Chacarita: um verdadeiro clássico na B Nacional
Aqueles que acham que a maior atração da B Nacional 2011/12 é a presença do River Plate precisam ter um olhar mais sensível à história do futebol argentino. A competição, na verdade, possibilita o encontro de velhos rivais, retomando no século XXI um grande clássico de bairro.
Estamos falando do jogo Atlanta contra Chacarita Juniors, que será realizado neste sábado dia 10. É a primeira vez que os dois rivais se encontram no século XXI. O último jogo entre eles foi em 1999: um empate em 2 a 2 válido pela B Nacional de 1998/99. Fora o encontro de número 126 no futebol profissional. Até o momento são 34 vitórias do Atlanta, 38 empates e 54 vitórias do Chacarita.
Assim, vale a pena conhecer um pouco da história do início tanto de Atlanta (15º colocado, 3 pts) como do Chacarita (17º, 3 pts), que resume bem o início da rivalidade:
Atlanta
A cidade de Buenos Aires, por causa de seus café, bares, bordéis e casas de tango, é sempre lembrada enquanto uma cidada de boêmios. Assim, não é de se assutar que há uma equipe de futebol da cidade com esse apelido: o Club Atlético Atlanta, do bairro de Villa Crespo.
Era 12 de outubro de 1904. Vários jovens festejavam o Día de la Raza, que comemora o descobrimento da América através do avistamento de terra, em 1492, do marinheiro Rodrigo de Triana sob o comando de Cristóvão Colombo.
Esses rapazes resolveram fundar o Atlanta Athletic Club. As razões para a escolha do nome Atlanta são desconhecidas. Uma teoria bem aceita é aquela que postula que foi uma homenagem à cidade norte-americana que tinha sofrido um terremoto alguns meses antes. Outra postula que um barco norte-americano com esse nome chegou na Argentina para prestigiar a posse de Manuel Quintana enquanto presidente da Argentina.
Outra lenda cerca a escolha das cores da camisa do Atlanta que é listrada em azul e amarelo. A mais aceita dessas teorias é que esse padrão de cor era o mais comum de ser visto nos toldos de lojas comerciais dos bairros de Buenos Aires, fazendo que a equipe criasse um laço de identificação com essa classe.
Aliás, os comerciantes sempre foram uma figuras principais no Atlanta. Um exemplo claro disso é que o dono da casa onde o Atlanta foi fundado, Tomás Elías Sanz, era comerciante e fez parte da primeira comissão diretiva da agremiação. E o bairro de Villa Crespo é um tradicional reduto em Buenos Aires para a comunidade judaica, bastante relacionada ao empreendorismo. O estádio do Atlanta tem o sugestivo nome de Don León Kolbowski, ex-presidente seu.
No entanto, apesar de terem muitos comerciantes em seus quadros, o Atlanta recebeu o apelido de Los Bohemios (“Os Boêmios”), algo mais vinculado às atividades culturais do que às capitalistas. Na verdade, esse apelido surge não pelas atividades noturnas de seus membros, mas sim pelo fato da equipe não ter um estádio fixo em seus primeiros anos.
Chacarita Juniors
Dois anos mais tarde – exatamente em 1º de maio de 1906 -, Villa Crespo ganha mais um clube de futebol. Em uma biblioteca socialista (há quem diga que era anarquista, ou até mesmo a sede da 17ª seção do Partido Socialista na Argentina) situada na fronteira do bairro com o de La Chacarita (“A Pequena Chácara”), é fundado o Chacarita Juniors.
Suas três cores tricolores (vermelho, branco e preto) são em homenagem aos ideais políticos: o vermelho da revolução, o branco da pureza e o negro do luto da morte. A camisa chegou a ser mencionada pelo célebre escritor Roberto Fontanarrosa como o uniforme mais distintamente belo de um clube argentino (e Fontanarrosa era torcedor do Rosario Central, que tem roupa similar à do Atlanta). O apelido de Funebreros se deve ao fato do Chacarita ter seu nome principalmente enquanto bairro vinculado ao maior cemitério do país, onde jazem Carlos Gardel e Ástor Piazzolla, dentre outros.
No entanto, só se encontraria contra o Atlanta em 1927: 2 a 0 para o Chacarita. Aliás, entre os anos 1930 e os anos 1940, as duas equipes foram vizinhas de porta com as duas canchas situadas na calle Humboldt. A proximidade inclusive fazia parcela da comunidade judaica optar pelo Chacarita mesmo. Aaron Wergifker, conhecido como único nativo do Brasil a jogar pela seleção argentina (nos anos 30), torcia pelos tricolores, que tiveram em Ernesto Lighterman um jogador de seleção em 1943. Daqueles tempos também são Oscar Sabransky e Isaac Saban.
Algo que apimentou de modo pitoresco a rivalidade foi justamente o desdobramento da saída do Chacarita de seu antigo estádio, por já não conseguir arcar com o aluguel. O Atlanta simplesmente providenciou rapidamente a compra do terreno que os vizinhos usavam e o usou para ampliar as próprias instalações. Desde os anos 40, os tricolores sequer atuam em Buenos Aires, e sim na cidade vizinha de San Martín, deixando o Atlanta como o único representante do bairro. Mesmo assim, o dérbi segue sendo o Clásico de Villa Crespo.
O Chaca leva vantagem: além do melhor retrospecto nos clássicos, têm um título na elite, em 1969, enquanto o rival não possui nenhum. Curiosamente, naquele mesmo ano o Atlanta também poderia ter sido campeão: foi o vice da Copa Argentina. O Chacarita também se orgulha de ter despontado os dois primeiros jogadores usados pela seleção argentina a partir do futebol europeu: o zagueiro Ángel Bargas (Nantes, 1972), também o jogador mais vezes usado pela Argentina como funebrero (16 vezes entre 1971-72), e o goleiro Daniel Carnevali (Las Palmas, 1973).
Os principais nomes que defenderam ambos
O citado goleiro Carnevali, inclusive, provavelmente é o mais famoso vira-casaca da rivalidade; foi do Atlanta em 1969, justamente enquanto o Chaca era campeão argentino, e depois transferiu-se ao rival. Ambos foram titulares na Copa 1974. Carnevali ainda viraria outra vez a casaca, pois voltou ao Atlanta para vencer a segunda divisão em 1983, rendendo a última temporada auriazul na elite.
Outros doblecamisetas que merecem menção são os meias Juan Carlos Puntorero e Juan Gómez Voglino, ambos campeões tricolores em 1969. Puntorero havia passado seis anos no Atlanta antes, na melhor época do rival, o início dos anos 60, quando o Bohemio costumava ficar entre os quatro primeiros, e foi titular no funebrero campeão. Acabou um raro querido nos dois.
Já Gómez Voglino, reserva em 1969, foi depois ao rival. Virou simplesmente o maior artilheiro profissional do Atlanta, sendo goleador máximo do nacional de 1973, exatamente a melhor e última boa campanha auriazul (terceiro).
Há ainda o caso de Juan Carlos Lorenzo, treinador da seleção nas Copas de 1962 e 1966, do Atlético de Madrid vice europeu em 1974 e das primeiras Libertadores vencidas pelo Boca. Como jogador, ele se formara no Chacarita, vencendo a segunda divisão de 1941. Como técnico, virou a casaca entre Lazio e Roma… e teve no Atlanta seu último sucesso: também campeão de segunda divisão, em 1983, juntamente com Carnevali. Foi inclusive um raro ano feliz às duas torcidas, pois o Chaca pôde adquirir a segunda vaga de acesso.
Outro nome dos bastidores em comum na dupla é Adolfo Mogilevsky (judeu, aliás), considerado um revolucionário da preparação física na Argentina, fundamental para o período áureo que o Atlanta viveu na virada dos anos 50 para os 60.
Um dos fatos curiosos é que 3/4 das partidas realizadas do Clásico de Villa Crespo foram realizadas na Primeira Divisão. Isso só torna essa edição da B Nacional mais atraente ainda.
Parabéns pelo site!
Infelizmente no BR as informações sobre o futebol argentino são escassas e de péssima qualidade, é bom ter um site que nos traga esse tipo de informação mais aprofundada.
Na minha opinião o aspecto mais interessante do fut. argentino é q identificação dos bairros de Buenos Aires com determinados clubes, como ocorre com o Chacarita, Atlanta, Nueva Chicago, All Boys, Arg. Jrs. e por aí vai.
São equipes que no Brasil certamente teriam o mesmo fim de Madureira, Olaria, Bonsucesso e afins… Clubes tradicionais, que não têm mais torcida e vivem na penúria. Talvez a única exceção seja o Juventus da Mooca, que apesar de viver na penúria e nas divisões inferiores, tem uma torcida fiel e apoio do bairro.
Ótimo post…. mais uma vez…. parabéns!!!
Aqui no Brasil, clubes de cidades do interior que teriam que serem fortes pelo menos em torcida, desaparecem e tendem a ficar cada vez menores… muito disso por culpa da enorme mídia a favor dos clubes grandes.
No meu caso, no RS, a dupla grenal abocanha quase que a totalidade dos torcedores gaúchos… fazendo com que clubes tradicionais tenham que fazer milagres para continuar ativos… caso de Caxias e Juventude, Brasil e Pelotas, Guarany e Bagé, Novo Hamburgo e Aimoré, Santa Cruz, Esportivo, Veranópolis, Ferro Carril, Farroupilha, Glória, Cruzeiro, São José, Inter-SM, Guarani-VA, etc.
O Rafael é um grande professor.
olé