Os laços linguísticos e culturais fizeram da Espanha um dos destinos mais comuns a jogadores argentinos no exterior em tempos anteriores à Lei Bosman. O Espanyol, fundado há onze décadas e meia, não foi exceção. Dezesseis hermanos foram pericos antes da lei que extinguiu limites a estrangeiros com passaporte europeu. Depois dela, então, o número foi às alturas, com outros vinte apenas nessas últimas duas décadas. Muitos deles foram naturalmente decisivos para as bissextas alegrias do segundo clube de Barcelona, de pretensões mais modestas. Alguns inclusive jogaram, treinaram e marcaram gol na partida que celebrou o centenário – diante da seleção argentina!
O Espanyol foi primeiro clube da Espanha a visitar a América, em 1926. A excursão reservou seu primeiro encontro com a seleção argentina, empatado em 2-2, além de jogos contra combinados do país (o rosarino chegou a ganhar de 3-0) e um contra o Huracán, que ganhou de 1-0 no Uruguai. Argentina. A revista argentina El Gráfico chegou a fazer três capas com alguns pericos, dentre eles o lendário goleiro Ricardo Zamora. Em 1935, fez-se uma nova excursão, em combinado com o Atlético de Madrid. Na época, os blanquiazules tinham muito mais prestígio: em 1932, 1933, 1940 e, pela última vez, em 1942, ficaram acima do Barcelona na pontuação da nascente liga espanhola.
Como os primeiros argentinos só apareceram no Espanyol já no fim dos anos 40, as alegrias com eles (assim como para a maioria dos torcedores vivos) se concentram nos triunfos no clássico e nos títulos da Copa do Rei. Os primeiros hermanos apareceram em 1948: Juan Camer e José Vucetich. Revelado no Newell’s, Camer vinha do rival Rosario Central enquanto Vucetich, que despontara no Lanús, vinha do futebol do México (onde nasceu seu filho Víctor, recente técnico da seleção mexicana). Não vingaram.
Assim, o argentino que realmente abriu portas foi um técnico: Alejandro Scopelli, um dos argentinos mais internacionais de seu tempo. Vice na Copa de 1930, havia sido um meia artilheiro no Estudiantes e defendera também a seleção italiana, destacando-se ainda no futebol português, onde defendeu o Belenenses e treinou os três grandes locais. Scopelli chegou em 1952 e ficou três temporadas, sendo quarto colocado nas duas primeiras e chegando a vencer o Barcelona por 4-1 fora de casa, no antigo estádio blaugrana de Les Corts. É até hoje a vitória blanquiazul mais elástica em terreno rival, e novo triunfo no campo do Barça demoraria 19 anos.
Com esta moral, Scopelli trouxe primeiramente Osvaldo García Nardi (revelado no Newell’s, tradicional fornecedor do Espanyol) do Deportivo La Coruña, em 1954. Passaria três anos na Catalunha. Mais conhecido apenas como Osvaldo, o meia recebeu em 1955 a companhia de Juan Armando Benavídez, outro revelado no Newell’s e que chegara à seleção argentina após brilhar no San Lorenzo. Este centroavante havia sido artilheiro do Argentinão de 1953. Foi com Osvaldo e Benavídez que o clube eliminou o Barcelona pela penúltima vez na Copa do Rei, nas quartas-de-final de 1956 (Benavídez marcou).
A dupla virou um trio em seguida com o meia-direita Oscar Coll, parceiro de Benavídez no San Lorenzo. Eles chegaram à final da Copa do Rei em 1957, mas perderam-na justo para o grande rival. Coll foi o mais duradouro dos três, ficando até 1961, quando eliminou-se pela última vez da Copa o rival. O veterano Alfredo Di Stéfano apareceu em 1964. Insatisfeito com a reserva no Real Madrid, a lenda inicialmente decidira se aposentar, mas a convite do grande amigo László Kubala, então técnico perico, veio à Catalunha. Di Stéfano ficou entre 1964 e 1966, não sendo sombra dos tempos de Real. Chegou a ser técnico simultaneamente jogador e treinador, mas o clube ficou na metade inferior da tabela e só voltou a conseguir uma ótima colocação em 1967 (terceiro), já após a saída do craque.
O defensor Raúl Longhi, revelado no modesto futebol de Mar del Plata, apareceu em 1976 após três anos em uma equipe catalã menor, o Sant Andreu. Ficaria seis anos nos pericos, chegando a alcançar um sexto lugar e a treinar recentemente a equipe B. O meia Ezequiel Castillo veio em 1989 para a disputa da segunda divisão (imediatamente vencida). Foi o primeiro em muito tempo importado diretamente da Argentina, onde atuava no Argentinos Jrs. Após outra temporada, rumou ao histórico Tenerife da época.
Foi revisitando a antiga fonte que o Espanyol adquiriu um dos maiores personagens de sua história: o defensor Mauricio Pochettino, adolescente titular no belo Newell’s de Marcelo Bielsa. Foram oito anos como jogador, em duas diferentes passagens, e outros três como técnico. Pochettino esteve no único clássico vencido na liga entre 1988 e 2002 (foi em 1997) e foi quarto lugar nela em 1996, ano em que marcou um gol na vitória por 5-1 em dérbi de 1996 pela final da Copa da Catalunha.
As duas despedidas do zagueiro foram no melhor cenário possível para os padrões pericos: primeiro com a Copa do Rei de 2000, ano do centenário blanquiazul, e depois com outra Copa do Rei, em 2006. Em 2000, fazia 60 anos que o clube não vencia o torneio e desde 1957, com o trio Osvaldo-Benavídez-Coll, não chegava à final. Em 2000 houve verdadeira colônia argentina no rastro de Pochettino. Antes, Juan Esnáider chegara em 1997 e se tornou o primeiro jogador que a seleção argentina aproveitou do Espanyol; conseguira o feito de defendê-la vindo tanto do Real quanto do Atlético de Madrid.
A temporada 1998-99 bebeu na fonte do Vélez. Pochettino e Esnáider se juntariam ao técnico Marcelo Bielsa, recém-campeão argentino com o clube de Liniers (e outro ex-Newell’s). Ele trouxe do Fortín o atacante Martín Posse e o lateral Federico Domínguez, mas durou pouquíssimo. Não por insucesso e sim por ter sido chamado para treinar a seleção argentina. Quem substituiu Bielsa foi outro hermano, Miguel Ángel Brindisi, de bom trabalho nos rivais Independiente e Racing e já conhecido na Espanha por destacar-se como jogador do Las Palmas nos anos 70. Dedicamos-lhe um especial há poucas semanas: clique aqui.
Por um ponto aquele elenco não chegou à Copa da UEFA. Brindisi seguiu, mas não resistiu ao meio da temporada ruim que o clube fez na liga em 1999-2000. Ainda no início dela, para abrir as comemorações do centenário, o Espanyol recebeu a Argentina de Marcelo Bielsa. Ganhou por 2-0 e um dos gols foi de Posse. A colônia era enorme: Pochettino, Posse, o goleiro Pablo Cavallero, os defensores Mauro Navas e Pablo Rotchen foram todos relacionados na vitoriosa final da Copa do Rei em 2000.
Maxi Rodríguez veio em 2002 com tudo: estreou pela Argentina ainda como perico, deixando o Montjuïc após a campanha que recolocou os blanquiazules na Copa da UEFA, em 2005. Nela, foi colega do lateral Hugo Ibarra, Posse e de um retornado Pochettino. Em 2005, chegou o lateral Pablo Zabaleta, que com Posse e Pochettino venceu a Copa do Rei, ainda que só Zabaleta tenha sido titular na final. Foi o último título do Espanyol, que bateu na trave por mais um na temporada seguinte.
Zabaleta, único argentino presente, foi vice na Copa da UEFA de 2007, resultado internacional mais expressivo do clube, que na mesma temporada venceu o Barça por 3-1. Os pericos caíram nas quartas da Copa da UEFA seguinte e dali Zabaleta tornou-se um dos primeiros reforços da era rica do Manchester City. O meia Nicolás Pareja veio após a medalha de ouro nas Olimpíadas de Beijing e foi titular na última vitória blanquiazul no clássico. Foi um 2-1 em pleno Camp Nou, em fevereiro de 2009, com Pochettino de técnico. Pareja chegara junto do meia Román Martínez e do goleiro Cristian Álvarez. Martínez atuou na partida, mas jogou pouquíssimo e foi sucessivamente emprestado.
Já Álvarez passou cinco anos, sem se firmar. Pochettino, agora como técnico, tentou formar nova colônia. O defensor Juan Forlín, que ficou por três anos após chegar em 2009, e o atacante Pablo Osvaldo, que apareceu no início de 2010, foram os que mais vingaram. Foi no Espanyol que Osvaldo começou a chamar atenção dos grandes times italianos – a Roma o levou em 2011, ano em que sua boa fase por lá o colocou na Azzurra. Pochettino saiu em 2013 para ter grande desempenho no Southampton. O último argentino razoável pelos cantos de Cornellà-El Prat foi o defensor Diego Colotto, contratado em 2012 e vendido em 2015 à super liga indiana. Abaixo, nomes esporádicos que os pericos importaram da Argentina; alguns deles, bem conhecidos, não vingaram.
1961-62: Ramón Carranza e Héctor Rial. Ex-Newell’s, Carranza vinha do Granada. Rial havia sido colega de Di Stéfano no Real Madrid pentacampeão europeu e na seleção espanhola. Sofreram o primeiro rebaixamento do Espanyol.
1963-64: Olegario Lisboa
1970-71: Jorge Griffa, zagueiro lenda do Newell’s que vinha veterano após anos de destaque no Atlético de Madrid.
1973-74: Ernesto Suárez.
1978-79: Sergio Pavón, reserva do Boca bi na Libertadores na época.
1978-80: Ricardo Muruzábal, crescido na Espanha, inclusive havia jogado antes na Real Sociedad, que só permite bascos para jogadores de nacionalidade espanhola ainda que seja aberta a outros estrangeiros – uma política só instituída em 1989, porém.
1981-82: Roberto Martínez, que como Rial e Di Stéfano se destacara no Real Madrid, se naturalizara e jogara pela seleção espanhola. Ficou uma temporada. Ironicamente, seu filho, também chamado Roberto Martínez, dedicou-se a escrever um livro sobre os hermanos do Barcelona, o Barçargentinos.
1991-92: Carlos Alfaro Moreno, destaque do Independiente que quase havia ido à Copa de 1990. Ele não se deu tão bem na Espanha e logo voltou ao Rojo.
1996-97: Fabio Fernández.
1999-2000: Carlos Casartelli.
2003: Adrián Bastía, do Racing campeão nacional depois de 35 anos em 2001.
2007-08: Clemente Rodríguez, lateral histórico do Boca de Carlos Bianchi.
2009: Iván Pillud, lateral usado na seleção caseira vindo do Racing.
2009-10: Facundo Roncaglia, defensor campeão por Boca e Estudiantes e desde 2013 opção esporádica na seleção.
2010-12: Aldo Duscher e Jesús Dátolo. Duscher, mais ligado ao Deportivo La Coruña, jogou pouquíssimo e Dátolo, emprestado pelo Napoli, só recuperou no Atlético Mineiro o brilho dos tempos de Banfield e Boca.
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