Argentinos de história no Sevilla
Ontem o Sevilla retomou os melhores momentos de sua história, vencendo o favorito Benfica na final da Liga Europa, na qual foi bicampeão seguido em 2006-07. Uma coroação à torcida na mesma temporada em que ela celebrou rebaixamento do arquirrival Real Betis (que ainda foi eliminado na própria casa em clássico na campanha do título). A final de ontem contou com dois hermanos no campeão, ambos titulares embora ausentes da Copa 2014: a dupla de zaga Federico Fazio e Nicolás Pareja. Vamos aqui lembrar de outros argentinos sevillistas, como ninguém menos que Maradona.
O Sevilla não era um clube tão comum a argentinos, mas nos anos 50 foi treinado pelo célebre Helenio Herrera, considerado mais francês do que argentino. Herrera havia saído de passagem vitoriosíssima no Atlético de Madrid (bi espanhol no Atleti, colocando-o na época como mais campeão que o Real Madrid: falamos aqui) e ao fim da década teria sucesso também no Barcelona.
Herrera não conseguiu troféus no Sevilla, de porte muito menor que hoje, satisfazendo a torcida por ter levado o clube bem perto disso: entre 1953-57, quando treinado por ele, a equipe, campeã espanhola uma única vez (em 1946), não ficou abaixo do 5º lugar e até um vice conseguiu, em 1957, para o Real Madrid de Di Stéfano. Foi a última das vezes em que o clube chegou ao segundo lugar também. Como o Real já estava classificado à Liga dos Campeões seguinte como detentor da taça, o Sevilla acabou classificado pela primeira vez ao torneio, onde caiu nas quartas justamente para os madridistas.
Herrera foi ainda vice na Copa do Rei de 1955, para o Athletic Bilbao, na época em que este ainda jogava de igual para igual contra o trio principal. Ganhou por três vezes o Ramón de Carranza e um Teresa Herrera, na época em que essas competições eram bastante prestigiadas. Saiu em 1957, ano em que debutou José Carlos Diéguez, atacante que passaria os dez anos seguintes no elenco. Conseguiu um Teresa Herrera e outro vice na Copa do Rei, em 1960. Fez 55 gols em 203 jogos de um time mediano.
Em 1967, o Sevilla caiu, mas foi logo campeão da segundona, tendo consigo outro hermano, o zagueiro Emilio Pazos, importado diretamente do nanico Deportivo Español. Jogou na Andaluzia naquela virada dos anos 60 para os 70, saindo em 1972. Em meados dos anos 70, o clube trouxe Héctor Scotta (não confundir com seu irmão Néstor Scotta, o ex-gremista) após ele tornar-se pelo San Lorenzo o maior artilheiro do futebol argentino em um único ano, com seus 60 gols em 1975. El Gringo seguiu no Sevilla na metade restante da década, com meio gol por jogo.
Scotta brilhou em um clube que em nenhum momento com ele foi além do 8º lugar. Mas na época, o futebol europeu não era determinante e difundido como hoje, e ir para lá, sobretudo a um time pequeno, só retirava visibilidade. Scotta havia estreado pela seleção ainda pelo San Lorenzo em 1976, com cinco gols em 7 jogos que pareciam tornar-lhe cativo para a Copa 1978. Mas o único do futebol estrangeiro convocado foi Mario Kempes, cujos títulos no Valencia tiveram eco em César Menotti.
O primeiro a jogar pela Argentina vindo do Sevilla acabou sendo quem justamente fez dupla com Kempes na Copa 1978: Daniel Bertoni (que fez o último gol da Copa), trazido do Independiente, onde estivera em três dos quatro títulos rojos seguidos na Libertadores naquela década. Bertoni fez dupla com Scotta até ambos saírem em 1980, com bons 24 gols em 57 jogos em um elenco daquele porte. Segundo ele, “El Gringo foi um ídolo bárbaro. Também me querem muito, deixei uma boa lembrança. O primeiro campeonato me custou, mas o segundo foi espetacular, fizemos 16 gols cada um, embora eu não chutasse pênaltis. Aí me venderam à Fiorentina, onde sim fui ídolo-ídolo”.
Carlos Morete, um dos maiores artilheiros do futebol argentino (especialmente no River: 103 em 195 jogos) e que vinha fazendo sucesso no nanico Las Palmas, chegou para substitui-los e decepcionou. Já em 1981 saía para decepcionar outros fãs, os do River, pois acertou com o Boca. Junto de Morete chegara o meia Jorge López, que passou metade dos anos 80 nos rojiblancos. Ex-Argentinos Jrs, teve destaque especialmente na temporada de 1983, com o 5º lugar e classificação à Liga Europa.
Os anos seguintes ainda viram três técnicos argentinos no Sevilla quase que seguidamente: Roque Olsen, que já havia treinado-o nos anos 70 (também foi técnico do Barcelona), em 1989; Vicente Canatore, de 1989-91; e ninguém menos que o treinador da Albiceleste campeã de 1986, Carlos Bilardo, de 1992-93. Mas o melhor alcançado foi um 6º lugar em 1990, classificatório à Liga Europa.
Com Bilardo, os nervionenses ficaram com um 7º lugar, perdendo nos critérios de desempate a vaga na Liga Europa seguinte para o Atlético de Madrid. O grande atrativo da temporada foi inegavelmente a presença do seu parceiro Diego Maradona. El Diez vinha de um ano e meio de suspensão por doping para cocaína em 1991. Apesar disso, até o mimo de voltar a jogar pelo Boca contra o próprio Sevilla em um amistoso na Bombonera (falamos aqui) ele recebeu da diretoria. Em dado momento houve até a Nintendo resolvendo estampar o Super Nintendo nas camisas do novo time de Diego.
Maradona já apresentava sinais de decadência, visivelmente acima do peso – ainda que não como nos anos finais da carreira. Não faltou polêmica na sua saída, já em 1993, recusando-se a substituir Bilardo como técnico para não trai-lo e descontente ao descobrir que era monitorado por detetives contratados pelo clube. De lá resolveu voltar depois de onze anos ao futebol de seu país, acertando com um Newell’s ainda no auge (veja aqui). Mas um de seus colegas na Andaluzia, o artilheiro da Copa 1998, o croata Davor Šuker, já afirmou que se aperfeiçoou ao observar diariamente Dieguito.
Outro companheiro ilustre era o compatriota Diego Simeone, que jogando bola no Ramón Sánchez Pizjuán foi à sua primeira Copa, a de 1994. Dali teve sua primeira passagem como jogador do Atlético de Madrid, onde foi e é ídolo. “Foi meu trampolim. Comecei a ser Simeone na Europa, a ganhar um nome” – ele já jogava no Velho Continente, mas havia sido rebaixado pelo Pisa na Itália. O hermano seguinte foi simplesmente a maior contratação vinda do futebol argentino na época: Matías Almeyda, recém-campeão da Libertadores com o River e medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta.
El Pelado tomou a incrível decisão de recusar o Real Madrid (de fato, ainda não campeão na década) por já ter se apalavrado com os andaluzos, só eliminados da última Liga Europa pelo campeão Barcelona naquela memorável temporada de Ronaldo. Foi trágico: o Real voltou a vencer e o meia terminou rebaixado com seu novo clube. Esperado como um goleador, o que nunca foi, após boa exibição contra a Espanha nas Olimpíadas, Almeyda ainda assim se manteve na seleção apesar dos xingamentos sevillistas e cavou transferência para a grande Lazio que se formava na época.
Nos anos recentes, o Sevilla até formou uma colônia argentina. Teve ao mesmo tempo em 2009 o volante Aldo Duscher (ainda mais célebre por ter fraturado David Beckham em 2002), o ponta Diego Perotti (hoje emprestado ao Boca, participou de parte do título dessa Liga Europa), o atacante Lautaro Acosta (no belo Lanús atual), o meia Emiliano Armenteros e o próprio Fazio, residente no time desde 2007 e medalha de ouro nas Olimpíadas de 2008. Mas o último mais protagonista foi Javier Saviola.
Saviola chegara com tudo ao futebol espanhol pelo Barcelona, em 2001, após brilhar no mundial sub-20 vencido naquele ano dentro da Argentina. Sua ausência na Copa 2002 para dar lugar ao veteraníssimo Claudio Caniggia ainda não foi bem compreendida. El Conejo continuou importante no Barça quando o time brigou para não cair, na temporada 2002-03, mas depois murchou. Para a temporada 2005-06, foi emprestado ao Sevilla e se saiu bem: o clube ficou a dois pontos do vice Real Madrid naquela temporada mais brilhante da carreira clubística de Ronaldinho Gaúcho.
Mais do que isso, as margens do rio Nervión começavam o auge de sua história, chegando à final da Liga Europa pela primeira vez. Em bom rodízio com Frédéric Kanouté e Luís Fabiano, Saviola foi vice-artilheiro daquela edição, com 6 gols, incluindo um nos 4-0 na final contra o Middlesbrough. Garantiu-se na Copa 2006 e foi logo repatriado pelo Barça. Ainda que desde então já não tenha sido o mesmo depois. Pena: acabou perdendo o bi sevillista na Liga Europa e talvez mais chances na seleção.