O Atlético encerrou ontem uma “maldição” prestes a completar maioridade. Havia 17 anos que o melhor colocado na primeira fase da Libertadores não fazia jus ao “copeirismo” nos mata-matas rumo ao título. O antecessor foi o River Plate de 1996. Se o novo século vê o Boca como o grande bicho-papão argentino, o século anterior encerrou-se tendo o River como a equipe mais temida do país, mesmo sob técnicos de primeira viagem (Daniel Passarella, depois promovido à seleção, Américo Gallego e Ramón Díaz).
A equipe vinha em ascendente desde os anos 70, se consolidou na América com o título da Libertadores de 1986 e desenvolvia primoroso trabalho nas categorias de base, então conduzidas pelo brasileiro Delém. No início da década de 90, era o único dos cinco grandes que “sobrava”. Quem mais lhe dava combate eram pequenos (nacionalmente) antecipando o papel de igual destaque atual: Newell’s e Vélez. Outra diferença é que a Libertadores era um torneio mais enxuto que o atual. Só admitia dois representantes de cada país além do campeão anterior.
Longe de ter cabeças-de-chave, seus grupos de quatro times cada reuniam duas duplas de um mesmo país. Se simplificava a logística para os participantes, por outro lado às vezes calhava de provocar eliminações prematuras em virtude de chaves fortes demais. O River teria que jogar fora de casa as três primeiras partidas. Mas o clube, que vinha até em má fase, fechou a fase inicial com 14 pontos de 18 possíveis. Contra os venezuelanos Minervén e Caracas, ganhou tanto dentro (5-0 e 2-0, respectivamente) como fora (2-1 e 4-1) de casa.
O páreo duro foi o San Lorenzo, treinado pelo técnico que dez anos antes vencera a Libertadores dirigindo os millonarios: Héctor Veira. Justamente desde 1986, o oponente vinha sendo o único dos cinco grandes argentinos (Boca, Racing, Independiente e, claro, o River, são os outros) sem ter a Libertadores na galeria. Naqueles confrontos caseiros, 1-1 fora de casa e 0-0 no Monumental. Somando 1 ponto a mais que Corinthians e Barcelona de Guayaquil, o River fechou a fase de grupos com a melhor campanha isolada.
O homem-gol vinha sendo o veterano Enzo Francescoli, autor de 4. El Príncipe havia saído do River em 1986 justamente antes da Libertadores e sentia-se em dívida consigo mesmo. Outro remanescente daqueles tempos no plantel era o veterano Ernesto Corti, que por sua vez chegara a Núñez após a Libertadores e o Mundial de 1986, mas a tempo de levantar a esquecida Copa Interamericana válida por aquele ano, embora realizada já em julho de 1987.
Mais estatísticas: abaixo de Enzo, três com 2 gols cada, os vice-artilheiros na primeira fase foram os “Gabriéis” Amato e Cedrés (também uruguaio) estiveram entre os vira-casacas do Superclásico. Amato inclusive crescera como torcedor do Boca, “mas meu passo pelo River mudou tudo”, ele mesmo afirmou, e jogava pelo rival no início da década. Embora não fosse um craque, até hoje é o último campeão da elite nacional pelos dois grandes rivais.
Já Cedrés alternava-se na lateral-direita com Juan Pablo Sorín (mais usado fora de casa) e após a taça iria diretamente aos auriazuis. Sorín era só um recém-chegado de empréstimo da Juventus. O tempo trataria de fazer Juampi um ídolo mais do que seu desempenho naquela Libertadores propriamente, a exemplo de Marcelo Gallardo, justamente quem substituiu Sorín no finzinho do jogo de ida da decisão, na Colômbia. Embora já com quilometragem de anos e com estreia na seleção ainda em 1994, El Muñeco foi contestado naquele momento.
Gallardo só foi usado saindo do banco. E, em uma dessas, chegou a ser expulso pelo segundo amarelo apenas 17 minutos depois de entrar em campo – chegaremos lá. Quem estava sim em um bom momento era Juan Gómez, camisa 6 que acabou ofuscado na memória. Mas coube a ele a honra de ser o único a participar de todas as 14 partidas daquela campanha – dez delas, como titular. O correntino de Curuzú estava em tamanha alta, eleito o melhor em campo no primeiro Superclásico a reunir Maradona e Francescoli (0-0 em novembro de 1995) que representou o River no início do ano em produção do Clarín a destacar as então seis principais camisas do país.
Bem, o outro que anotara 2 gols na primeira fase viria a ser o grande personagem das fases decisivas: o atacante Hernán Crespo. Despontara em 1994 e permitia a Ramón Díaz deixar no banco Ramón Medina Bello, antiga dupla do técnico no River e Yokohama Marinos. Fez 3 nas oitavas-de-final, no 6-4 agregado sobre o Sporting Cristal; o mais recordado, após cruzamento de Marcelo Escudero em que El Valdanito (apelido em alusão a Jorge Valdano, com quem Crespo era comparado) emendou de primeira com uma chilena – como os argentinos chamam o chute de bicicleta. A derrota por 1-2 na ida para o time (com Crespo descontando providencialmente a 3 minutos do fim) que no ano seguinte seria o vice foi respondida com 4 gols só no 1º tempo do jogo da volta.
Nas quartas, reencontros com o San Lorenzo que, fora o técnico Veira, tinha outro remanescente do memorável 1986 millonario: o zagueiro Oscar Ruggeri, até hoje o único campeão nos três grandes de Buenos Aires (Boca, onde começou, River e San Lorenzo; Racing e Independiente são da vizinha Avellaneda). El Cabezón também é o único que jogou pela seleção vindo do trio e marcou na ida e na volta. Mas Crespo, que era torcedor sanlorencista, também. Na ida, encobrindo Oscar Passet já aos 5 minutos; na volta, subindo mais que um marcador para cabecear cruzamento de Francescoli.
A outra grande estrela azulgrana era o brasileiro Silas, que teve na Argentina reconhecimento muito maior que no Brasil, apesar do sucesso como um dos Menudos do São Paulo dos anos 80. Só que o esquadrão do River tinha ainda Ariel Ortega, a quem relembramos recentemente (aqui). El Burrito marcou o gol da vitória por 2-1 em pleno Nuevo Gasómetro, na ida. Lembrado pelos dribles, na ocasião ele demonstrou a faceta oportunista ao aproveitar rebote de falta de Francescoli, embora sua efusiva comemoração nos alambrados tenha lhe rendido expulsão.
Na volta, a expulsão complicadora foi a de Gallardo, que substituiu um lesionado Crespo ainda aos 8 minutos do segundo tempo e levou o segundo amarelo aos 25. O River, que vencia por 1-0, tomou o empate já no fim, com Ruggeri aplicando a lei do ex. E houve tempo para, por muito pouco, não sofrer uma virada nos minutos finais. Esforço não faltou mesmo a Ruggeri e sim sorte: seu cabeceio a raspar a trave ainda assombra as duas torcidas.
A classificação já não vinha sendo tranquila (o Sporting Cristal já havia sufocado no Peru). Nesse aperto, o River fazia valer a vantagem de sempre decidir o segundo jogo em casa, por conta da melhor campanha inicial. As semifinais, contra a Universidad de Chile, não seriam diferentes. O oponente tinha no elenco Leo Rodríguez, reserva de Maradona na Copa 1994, e Marcelo Salas, que inclusive marcou em Santiago – El Matador iria ao River após o torneio.
O Millo arrancou dali um 2-2 a minutos do fim, em gol trombado de Sorín. Francescoli, de fora da área, marcara antes. La U não se intimidou na volta. Escudero chegou a ser expulso no 1º tempo e Salas sofreu pênalti não-marcado pelo árbitro. O juiz também não marcou uma falta em Francescoli e deixou o jogo seguir mesmo com ele e o faltoso caídos – mas, na sobra, o volante Matías Almeyda teve seu momento de craque. Saiu correndo, driblou um marcador e acertou uma bomba de fora da área. A bola desviou em um adversário e encobriu o goleiro chileno antes de entrar.
O lance foi também uma redenção para El Pelado: em 1995, o River, também nas semifinais, foi eliminado no Monumental pelo Atlético Nacional de Medellín após disputa por pênaltis onde Almeyda perdeu a sua cobrança. Após involuntariamente eliminar o River da final, um ano depois o volante colocou o time lá. E contra o mesmo adversário de dez anos antes, o América de Cali. Este chegara a três finais seguidas nos anos 80 e perdera as três – outra delas, para o Argentinos Jrs. Era o tempero extra para o desejo já natural de enfim vencer a Libertadores. Já os de Núñez cumpriam a escrita de sempre chegar à decisão em anos terminados em 6: perdera as de 1966 (Peñarol) e 1976 (Cruzeiro).
Se em 1986 o River vencera fora e dentro de casa, em 1996 o adversário ofereceu mais resistência. Na Colômbia, a grande figura riverplatense foi justamente o goleiro Germán Burgos. Sofreu só um gol, sem culpa: Antony de Ávila teve ângulo bloqueado pelo Mono, mas inesperadamente conseguiu encobri-lo em lindo gol. Burgos já havia defendido um pênalti cobrado por James Cardona, parecido com o de Victor contra o Tijuana: saltando para o canto direito e defendendo com o pé a bola chutada mais para o meio do gol. Crespo teve um gol mal anulado e os visitantes ainda tiveram o volante Leonardo Astrada (mais vitorioso atleta do clube e recordista de títulos profissionais argentinos: dez, todos pelo River) expulso.
26 de junho de 2011. Nesta data, o River amargava seu dia mais triste, ao ser rebaixado pela primeira vez, enquanto exatamente 15 anos antes, em 1996, voltava ao topo do continente. E com plateia nunca vista antes para si, em torno de 80 mil almas – só a decisão da Copa de 1978 levou mais gente ao Monumental. “Creio que tinha mais gente do que deveria haver no campo”, admitiria Ortega. “Quem pode convocar 80 mil pessoas? Só o River. Precisávamos de cinco estádios para um jogo como este”, derramou-se o técnico Ramón Díaz. “Entravas no campo e não vias teu companheiro a 5 metros de ti”, disse Crespo, em alusão à “neblina” provocada pelas fumaças saídas das tribunas.
Difícil era também enxergar a bola em meio a tanto papel branco no gramado. A massa aumentou os festejos já aos 7 minutos de jogo. Almeyda lançou Ortega pela direita. O Burrito, em disparada, cruzou rasteiro, sem que a defesa americana afastasse. Crespo, a galope pelo centro, empurrou para as redes, empatando o placar agregado. O gol do título veio aos 15 do segundo tempo: Crespo, pelo centro do meio-de-campo, procurou lançar a bola a Ortega, à direita. O goleiro Óscar Córdoba, que em poucos anos seria ídolo justamente no Boca, resolveu sair da área para dividir com o Burrito perto do escanteio.
A bola respingada sobrou para Escudero, que cruzou certeiramente para Crespo cabecear aos arcos vazios do América para marcar seu 10º gol na Libertadores (foi o artilheiro da edição) e despedir-se da melhor forma – foi sua última partida pelo River, que ali se igualava ao Boca entre títulos na Libertadores. Foi também a primeira taça de Ramón Díaz como técnico; até então, ele vinha colhendo resultados ruins e a partir dali seu Millo arrancaria a ponto de fazê-lo o treinador mais vitorioso da equipe. E fazer do próprio time El Campeón del Siglo XX.
FICHA DA FINAL – River: Germán Burgos, Hernán Díaz, Celso Ayala, Guillermo Rivarola e Ricardo Altamirano; Marcelo Escudero (Juan Gómez 29/2º), Matías Almeyda, Gabriel Cedrés e Ariel Ortega (Juan Pablo Sorín 43/2º); Enzo Francescoli e Hernán Crespo (Marcelo Gallardo 42/2º). T: Ramón Díaz. América: Óscar Córdoba, Carlos Asprilla, Jorge Bermúdez, Arley Dinas e Foad Mazziri; Wilmer Cabrera, Alfredo Berti, Frankie Oviedo e Alexander Escobar; Henry Zambrano e Antony de Ávila. T: Diego Umaña. Árbitro: Julio Matto (URU). Gols: Crespo (7/1º e 15/2º)
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