Antes de Giovanni Simeone, a seleção teve outros pais & filhos. E outros estrangeiros (incluindo brasileiro!)
O jogo de anteontem da Argentina contra a Guatemala não chegou a ser dos mais úteis tecnicamente, mas inovou algumas estatísticas. Walter Kannemann, tão exigido pelos gaúchos na Copa de 2018, enfim estreou pela seleção, tornando-se o primeiro gremista a defender a Albiceleste (outros tricolores a defenderam, mas não durante a passagem pelo clube). Mas Giovanni Simeone é quem fez barba, cabelo e bigode: está no grupo dos que marcaram gol em sua estreia pelo país; é o sexto filho de ex-jogador dela; e é um dos estrangeiros que lograram alguma partida pela Argentina. Hora de relembrar os outros gringos.
Ainda sobre Kannemann: até a sua vez, os argentinos do Grêmio que defenderam a seleção ou fizeram antes de viraram tricolores, como Agustín Cejas, Alejandro Sabella, Leonardo Astrada e Hernán Barcos; ou depois, como Rolando Schiavi, ou ainda antes e depois, mas não durante – este foi o caso de Oscar Ortiz, campeão da Copa de 1978 que na última semana revelou ao La Nación que o fato de na época não se convocar quem jogasse fora do país foi preponderante para forçar sua saída do Rio Grande, havendo o sonho de jogar o Mundial.
Já os outros casos de pai & filho na seleção foram os de Vicente de la Mata pai (1937-46) e Vicente de la Mata filho (1965-66); Juan Ramón Verón (1969-1970) e Juan Sebastián Verón (1996-2010); Eduardo Solari (1975) e Santiago Solari (1999-2004; seu tio Jorge Solari, irmão de Eduardo, jogou entre 1966-68); Rubén Galletti (1974, estando no grupo dos que marcaram gol em sua única partida pela Albiceleste) e Luciano Galletti (2000-2005); e Hugo Perotti (1979) e Diego Perotti (2009-18).
Reunimos nesta thread do twitter esses outros casos de pai & filho, que já rendeu também notas em partes I e II, além de uma específica sobre a família Solari. Foram todos seguidos pelos Simeone. Diego Simeone, cuja trajetória foi de 1988-2002, não tem parentesco com Carmelo Simeone (1959-64), “herdando” dele só o mesmo apelido de Cholo. Familiar mesmo é Giovanni Simeone. “Gio” nasceu em Madrid, quando seu pai, hoje treinador do Atlético, ainda jogava pelo clube rojiblanco. É o primeiro estreante estrangeiro na seleção principal em nove anos, e o terceiro nativo da Espanha. Eis seus antecessores:
William Leslie (escocês, 1902): artilheiro do campeonato argentino de 1893 (considerado oficialmente o primeiro da AFA, embora tenha ocorrido um anterior em 1891, dirigido por outra associação) pelo campeão Lomas Athletic, bicho-papão dos anos 1890 e hoje voltado ao rúgbi. Leslie, já como beque direito e jogador do Quilmes, esteve no jogo inaugural da seleção – o 6-0 sobre o Uruguai. Já havia participado, em 1901, de outro jogo por vezes considerado como o primeiro da seleção argentina.
Wilfred Stocks (inglês, 1906): nativo de Nottingham, consagrara-se no Rosario Athletic (atual Atlético del Rosario) campeão sobre o CURCC (atual Peñarol) da Copa Competencia de 1905. Em 1906, o ponta-esquerda já defendia o Belgrano Athletic, que, tal como o Lomas e o time rosarino, voltaram-se ao rúgbi, dos quais foram três dos cinco clubes fundadores da federação argentina. Stocks também foi ativo neste outro esporte bretão: foi árbitro de linha da primeira partida da seleção argentina da bola oval, em 1910.
Harold Henman (inglês, 1906): nativo de Kinmore, Oxford, havia defendido naquele mesmo ano a seleção da África do Sul, que era forte, perdendo só um de onze jogos realizados em excursão ao Rio da Prata. O centroavante inclusive marcou gol no 4-1 dos sul-africanos sobre o combinado da liga argentina. Ficou por Buenos Aires, defendendo o Alumni, o bicho-papão dos anos 1900 – o time teve dez títulos argentinos, estando até hoje abaixo somente dos cinco grandes (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo). O nome Alumni é outro que passou a figurar no rúgbi.
Harold Ratcliff (inglês, 1908): nativo de Maldon, em Essex, o volante já havia participado daquela partida de 1901 ocasionalmente considerada como a primeira da seleção. A estreia oficial, pela Copa Newton de 1908, marcou a primeira vez em que a Argentina de fato tornou-se Albiceleste, jogando pela primeira vez com camisa listrada nas cores nacionais.
Harold Lloyd (inglês, 1909): volante do Quilmes, jogou uma vez, em 2-2 com o Uruguai válido pela Copa Newton, troféu binacional que permitia a utilização de jogadores estrangeiros.
Lionel Peel Yates (inglês, 1911): aguerrido médio do Alumni, outro a jogar essencialmente a Copa Newton.
Ciril Russ (inglês, 1911-12): estreou juntamente com Peel Yates na Copa Newton de 1911 e tal como ele jogava na linha média, na parte central. Defendia o Quilmes, que na época, em 1912 (ainda como um time de britânicos e bastante reforçado por ex-jogadores do Alumni, que já não participou mais), conquistou o primeiro dos dois títulos argentinos do time na elite.
Sidney Buck (inglês, 1912): outro do Quilmes campeão de 1912, ele antes defendia o Montevideo Wanderers e já havia defendido anteriormente a seleção uruguaia em 1910, enfrentando por ela a Argentina – pela qual enfrentou o “ex-país” em 1912, perdendo de 3-0 em sua única exibição pela Albiceleste. É o único a jogar oficialmente pelos dois países, embora o argentino Daniel Brailovsky (já nos anos 80) também tenha suado pelas duas seleções, mas pela juvenil uruguaia e em amistosos argentinos não-oficiais, fatores que permitiu que defendesse depois a de Israel.
Horacio Vignoles (uruguaio, 1913): ponta-direita do Belgrano Athletic, jogou uma única vez pela Argentina, justamente contra o Uruguai, em vitória por 2-1.
Marius Hiller (alemão, 1916): ele já havia defendido anteriormente a seleção da sua Alemanha, em três partidas em 1909. É um dos dois jogadores que jogaram primeiro por uma seleção europeia e depois por uma sul-americana, ao lado o ítalo-uruguaio Roberto Porta. Esse centroavante é dono da melhor média de gols da Albiceleste, pois só jogou por ela duas vezes, mas marcando quatro: uma vez em um 3-1 e as outras três em um 7-2, ambas sobre o Uruguai. Defendia na época o Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires, outro time a sumir do futebol mas continuar no rúgbi. Destacou-se ainda no All Boys, passando também pelo River.
Zoilo Canavery (uruguaio, 1916): suas duas partidas foram as mesmas de Hiller. Era na época ponta-direita do Racing, participando de alguns títulos do heptacampeonato argentino de 1913-19, até hoje um recorde no país. Mas Canavery se associaria mais ao rival Independiente, estando nos dois primeiros títulos argentinos do Rojo, nos anos 20, para depois ser o primeiro treinador do clube no profissionalismo. Não deve haver maior vira-casaca no mundo, pois seus dois jogos pela Argentina foram contra o Uruguai natal e também defendeu Boca e River.
Mario Busso (italiano, 1918-19): volante central, foi o primeiro jogador do Atlanta a defender a seleção, em 1918, e um dos primeiros do Boca, no ano seguinte.
Luis Célico (italiano, 1919-24): o nome original deveria ser Luigi Celico, sendo outro italiano do Atlanta, embora esse lateral-esquerdo estivesse na Argentina desde os 60 dias de vida. É o segundo jogador que mais defendeu a seleção vindo do clube do bairro de Villa Crespo.
Renato Cesarini (italiano, 1926): estreou pela Argentina no embalo da estreia do seu Chacarita na elite. Posteriormente, fez parte da colônia argentina na Juventus penta italiana de 1931-35, sequência então inédita na Serie A que ajudou a popularizar nacionalmente o time de Turim. Nessa época, passou a defender a seleção da terra natal e só não jogou a Copa de 1934 pela Azzurra por lesão, embora tenha sido igualmente premiado com a medalha de campeão do mundo. Ainda se destacaria no River, como jogador e principalmente como o treinador que forjou La Máquina, o timaço dos anos 40. Já lhe dedicamos este Especial.
Pedro Suárez (espanhol, 1930-40): nativo das Ilhas Canárias, “Arico” Suárez esteve na seleção vice da Copa de 1930. Volante símbolo do Boca dos anos 30, chegou a perder propositalmente um pênalti contra o Brasil ao notar que tinha sido assinalado irregularmente, em 1940. Lhe dedicamos recentemente este Especial.
Constantino Urbieta Sosa (paraguaio, 1934): volante central que fez sua única partida pela Argentina na Copa de 1934, para a qual a AFA, ainda oficialmente amadora, não enviou nenhum atleta profissional – fazendo com que a seleção fosse convocada essencialmente com desconhecidos. Revelado pelo forte Nacional de Assunção dos anos 20, Urbieta Sosa estava no Godoy Cruz, sendo por muito tempo o único jogador do clube de Mendoza na Albiceleste.
Delfín Benítez Cáceres (paraguaio, 1934): jogou dois meses depois da Copa de 1934. Defendeu a Argentina, mas não a Albiceleste; na época, a equipe que defendeu, contra o Uruguai, era o combinado do campeonato argentino profissional, que trajava uma camisa branca com frisos verdes. Era virtualmente a seleção que de fato reunia os principais jogadores do país. Posteriormente, com a unificação da AFA à liga profissional em 1935, a partida foi convalidada como da seleção argentina. Benítez Cáceres foi um grande ídolo do Boca na época e destacou-se também no Racing, onde foi artilheiro do campeonato de 1940.
Aarón Wergifker (brasileiro, 1934-36): sim, a Argentina já teve um nativo do Brasil. Wergifker era filho de judeus russos que, em fuga dos pogroms, nasceu circunstancialmente em São Paulo em 1914, em escala da viagem até a Argentina. Destacou-se no River dos anos 30 e pôde defender a seleção em troféus amistosos – sem ter ainda a cidadania argentina, teve de ficar de fora da vitoriosa Copa América de 1937. Estreou na mesma partida de Benítez Cáceres, na última vez em que a Argentina figurou simultaneamente com dois estrangeiros. Curiosamente, recentemente divulgou-se o seu “inverso”: também filho de judeus do império czarista, Adolfo Milman, apelidado de Russo, nasceu na Argentina e foi o antecessor de Andreas Pereira como estrangeiro da seleção brasileira. Aliás, shana tova!
Manuel de Saá (espanhol, 1935): grande ídolo do Vélez, esse zagueiro nascido em Vigo disputou duas partidas pela Argentina em 1935, na qual a seleção transportou para si a dupla de zaga velezana que formava com Alfredo Forrester.
Vladimiro Tarnawsky (ucraniano, 1959): nativo de Kiev em 1934, na época do genocídio ucraniano, chegou aos onze meses de idade na Argentina. Adquiriu a cidadania em 1958. Como jogador do Newell’s, no ano seguinte fez sua única partida pela seleção, em amistoso festivo no Chile que marcava a despedida do longevo goleiro adversário Sergio Livingstone. As circunstâncias foram incomuns: Tarnawsky substituiu Jorge Negri no intervalo, sofreu três gols na derrota de 4-2, lesionou-se aos 35 do segundo tempo e foi substituído pelo próprio Negri. A despeito disso, foi contratado pelo San Lorenzo campeão de 1959 para reforçar em 1960 o primeiro time argentino que participou da nascente Taça Libertadores da América, onde foi semifinalista.
Heriberto Correa (paraguaio, 1973): crescido na Argentina, o lateral destacava-se no Vélez e, com o desinteresse da seleção paraguaia, topou a convocação argentina nas eliminatórias à Copa de 1974, mesmo que significasse enfrentar a terra natal no grupo formado também com a Bolívia. Embora invicto nas quatro partidas, acabou esquecido na convocação ao mundial. Destacou-se ainda no Monaco, no Platense e no Defensores de Belgrano. Já lhe dedicamos este Especial póstumo.
Gonzalo Higuaín (francês, 2009-18): sem dúvidas, o nome mais conhecido da lista. Seu pai, Jorge Higuaín, não era exatamente um zagueiro talentoso, jamais tendo figurado na seleção, mas pôde defender o trio San Lorenzo, Boca e River. Entre um e outro jogou na equipe francesa do Brest, época em que o filho Gonzalo nasceu na cidade de mesmo nome. Com destaque no River e sendo desde 2006 jogador do Real Madrid, Higuaín, mesmo sem qualquer sangue francês nem mesmo domínio nesse idioma, chegou a ser sondado pelos Bleus. Só em 2009 desfez a indecisão, reforçando a Albiceleste na reta final das eliminatórias à Copa 2010. O resto da história todos sabem.
Há ainda casos de quem só conseguiu defender a Argentina nas seleções juvenis ou em partidas não-oficiais da seleção adulta, como em duelos contra clubes ou seleções não-reconhecidas pela FIFA. Isso remonta especialmente aos primórdios da seleção; oficialmente, a primeira partida reconhecida como oficial pela Argentina data de 1902, contra o Uruguai. Mas há na Argentina quem considere que as duas seleções já teriam duelado em uma partida de 1901 – onde o quadro argentino teve consigo o goleiro Robert Rudd, o zagueiro A. Addecot, o atacante Spencer Leonard (todos ingleses; Leonard, do poderoso Alumni, havia sido o artilheiro do campeonato argentino de 1900) e o lateral-direito Arthur Mack (nativo da Austrália colonial), além dos citados Leslie e Ratcliff. Quem renega a partida sustenta que o adversário não foi propriamente a seleção uruguaia, e sim o clube Albion, por mais que este cedesse todos os jogadores do Uruguai na partida de 1902.
Da outra metade do século XX, o volante Antonio García Ameijenda era espanhol apenas nos documentos que o registravam como natural de La Coruña, crescendo em Buenos Aires desde os primeiros meses de vida. Integrou o título sul-americano sub-20 com a Albiceleste em 1967, o último que os argentinos tiveram na categoria até 1997, antes de virar figura querida no San Lorenzo multicampeão entre 1968-74. O atacante Walter Perazzo, por sua vez, nasceu em Bogotá apenas porque o pai, o portenho Alberto Perazzo, atuava como atacante do Santa Fe na época. Walter também formou-se no San Lorenzo, brilhando nos complicados anos 80. Além de integrar os Jogos ODESUL de 1986, ele até defendeu uma vez a seleção principal, em 1987 – mas no amistoso não-oficial contra a Roma, nas festas de 60 anos do clube italiano. Foi titular, mas em derrota de 2-1.
Em homenagem aos pais, segue uma #thread sobre os pais e filhos na seleção argentina, como os Verón – na imagem, o realizado Juan Sebastián recebe do orgulhoso pai Juan Ramón uma entre tantas medalhas. pic.twitter.com/pi4OuExfxx
— Futebol Portenho (@futebolportenho) August 12, 2018
Como prólogo, vale citar o caso dos Watson Hutton. Alexander/Alejandro foi um imigrante escocês considerado o "pai do futebol argentino" por fomentar os primórdios do campeonato nacional, nos anos 1890. Seu filho Arnoldo, com méritos próprios, defendeu a Albiceleste nos anos 1900 pic.twitter.com/ifz2hB5WCT
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Já o primeiro caso próprio de pai e filho na seleção tiveram o mesmo nome e sobrenome: Vicente de la Mata. Ainda adolescente, o pai marcou os gols sobre o Brasil na final da Copa América 38. O filho venceu as primeiras Libertadores do Independiente e foi pré-convocado à Copa 66 pic.twitter.com/thttHsr6g2
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Depois foi a vez dos Verón: Juan Ramón calhou de brilhar após a Copa 66; pegar uma seleção ainda mais bagunçada, desclassificada da Copa 70 (na foto, agachado ao lado do futuro cruzeirense Perfumo); e ser veterano em 74. Juan Sebastián, à frente de Pochettino, dispensa comentário pic.twitter.com/lL1amezDWi
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Após os Verón, foi a vez dos Solari: Santiago (1º em pé), que estreou pela Argentina em 99. Não se firmou, mas honrou tanto o pai Eduardo (3º em pé), que jogou uma só vez, em 75, como o tio Jorge (último em pé), o mais assíduo da família: foi à Copa 66. E treinou a Arábia em 94. pic.twitter.com/DAvphvsV3w
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Tal como os Solari, as famílias seguintes não tiveram pai e filho dos mais assíduos. Foram seguidos pelos Galletti: o pai Rubén foi ex-Boca e River, mas sua única partida (marcando gol!) foi vindo do Estudiantes, em 74. O filho Luciano foi vice da Copa das Confederações em 2005. pic.twitter.com/zVEYh8sQPg
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A última família foi a dos Perotti. Hugo, autor de dois gols do Boca na vitoriosa final da Libertadores 78, fez dois jogos em 79 – pode se gabar que em um deles quem o substituiu foi Maradona. O filho Diego faz partidas esporádicas desde 2009. Esteve na pré-convocação para 2018 pic.twitter.com/5fdjGxJpEn
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