Antes da Sul-Americana, havia a Mercosul. E nela Diego Capria foi marcante por Atlético Mineiro e San Lorenzo

Normalmente, quando brasileiros e argentinos se enfrentam pelos torneios continentais lembramos quem esteve nos dois clubes. Entre Atlético Mineiro e San Lorenzo, que hoje se enfrentam pela Sul-Americana, vale a menção que o ex-volante brasileiro Silas, grande ídolo azulgrana, chegou a ser assistente técnico alvinegro. Mas jogar em ambos somente o zagueiro Diego Raúl Capria Labiste fez. E de modo marcante na competição antecessora da “Sula”, a Copa Mercosul.

Até defender as duas equipes, curiosamente, o defensor passou a maior parte da carreira na sombra do irmão Rubén Capria, um dos mais talentosos jogadores argentinos a jamais ter defendido a seleção. Era um elegante meia que teve sua tarde de glória no dia em que marcou três vezes pelo Racing sobre o Boca em plena La Bombonera.

Curiosamente, a partida foi realizada no mesmo dia em que Mauricio Macri foi eleito presidente boquense, em 1995, e encerrou a invencibilidade do adversário naquele Apertura. Só naquela tarde, o time de Maradona e Caniggia, derrotado por 6-4, recebeu a mesma quantidade de gols que havia sofrido em todo o campeonato, que chegava à antepenúltima rodada. Falamos aqui: o Boca era líder e, ultrapassado ali pelo Vélez, repentinamente viu-se sem chances de título já na rodada seguinte, ao ser novamente derrotado, agora pelo Estudiantes.

O próprio Estudiantes havia sido o clube formador dos irmãos Capria. Que vivenciaram o rebaixamento em 1994 e o imediato retorno com rodadas e rodadas de antecedência na temporada 1994-95 da Primera B. Rubén, um dos pilares, foi então repassado ao Racing. Já Diego, sem tanto destaque em La Plata, virou azulgrana. Ainda não no San Lorenzo, e sim pelo Huracán Corrientes, cujo nome ironicamente foi inspirado no tradicional rival sanlorencista, o Huracán.

No Estudiantes, no Racing e no Chacarita, Diego (em pé à direita pelo Racing) foi colega do irmão Rubén (agachado à esquerda), que o ofuscava

Pelo time correntino, o zagueiro emendou um bi seguido na segundona e disputou a elite na temporada 1996-97, a última do futebol de Corrientes na primeira divisão, com o rebaixamento dos estreantes. Em paralelo, o irmão Rubén continuava a brilhar no Racing semifinalista da Libertadores em 1997 e que em seguida contratou Diego.

Mercosul 2000: com Palermo, ex-colega de Estudiantes

A boa campanha continental escondeu uma crise econômica que aflorou no início de 1999, com a extinção do clube de Avellaneda chegando a ser anunciada. Os irmãos Capria foram então reunidos pelo Chacarita, que voltava à elite após treze anos. O semestre funebrero foi bom, com um razoável oitavo lugar no Apertura e treze gols dos Capria: Rubén foi o artilheiro do elenco tricolor, com nove gols, enquanto Diego marcou quatro – ótimos números para um defensor. Revelava-se tardiamente um zagueiro-artilheiro.

Diego Capria não ficou para 2000 no Chaca, contratado pelo Atlético. No início, deu-se mal. Uma séria lesão o tirou dos gramados por meses, só permitindo sua estreia já no fim do ano. Foram cinco semanas em campo pelo Galo, com oito partidas.

Novamente, a quantidade de gols marcados chamou mais a atenção: foram três. O mais recordado deles foi uma bomba de falta a nove minutos do fim para impor um 2-0 sobre o Boca no Mineirão pelas quartas-de-final da Copa Mercosul, na única queda dos xeneizes em mata-mata contra brasileiros entre 2000 e 2008 – na Argentina, os alvinegros conseguiriam arrancar um 2-2.

O Galo, porém, terminou adiante eliminado pelo Palmeiras. Capria seguiu carreira no Belgrano. O time de Córdoba salvou-se do rebaixamento no Clausura 2001 e o zagueiro em seguida rumou ao time do coração dos irmãos: o San Lorenzo, que havia acabado de encerrar naquele Clausura um jejum de seis anos, faturando o torneio no embalo de grande sequência de vitórias na reta final.

À esquerda, Capria no Huracán Corrientes campeão da segundona. E erguido por Saja após os gols marcantes sobre Boca e Flamengo: azulgrana lhe caía bem

A série de triunfos seguidos chegaria a treze, já abrangendo o torneio seguinte, delimitando um recorde nacional. E foi de Capria o gol da vitória final, a três minutos do fim da segunda rodada do Apertura, em um míssil teleguiado por um cabeceio seu. A vítima, por 1-0, foi o Boca recém-bicampeão da Libertadores.

No segundo semestre, foi a vez do time treinado por Manuel Pellegrini desencantar também em nível continental. O peso de único grande argentino na Libertadores ficava maior à medida em que a equipe não possuía nem mesmo troféus secundários do continente. A espera pôde ser encerrada na edição final da Copa Mercosul. E novamente o zagueiro ficou marcado por um gol: o do título na decisão por pênaltis contra o Flamengo.

Capria calhou de em 2002 ser emprestado ao Querétaro do México, não chegando a ficar no time que seria campeão da primeira edição da Sul-Americana. Seguiu no Ciclón até 2004 e estendeu a carreira por mais três anos, defendendo Zurique, Instituto de Córdoba e por fim o Quilmes. Em 2014, chegou a visitar o Atlético Mineiro quando o ex-clube usou o centro de treinamento da seleção argentina.

O zagueiro foi o único a jogar nos dois clubes, mas não o único homem a defendê-los: Roberto Saporiti foi assistente técnico de César Menotti na Copa do Mundo de 1978 exatamente por ter um incomum conhecimento de futebol internacional para a época, após uma carreira desenvolvida longe da Argentina. E que chegou a incluir um teste no Atlético, na pré-temporada de 1968: em 11 de fevereiro, estreou juntamente com os futuros ídolos alvinegros Oldair e Vaguinho em derrota de 2-1 para um Bangu forte: vinha de um recente título carioca em 1966, com a mesma equipe-base que também chegara ao vice em 1964, 1965 e 1967 no torneio do então Estado da Guanabara.

A imprensa até elogiou o empenho mostrado pelo argentino contra os alvirrubros, mas Saporiti acabou rumando ao Monterrey e, dali, ao futebol europeu. Em paralelo ao trabalho na seleção, ele também se consagrou treinando o auge do Talleres, na virada dos anos 70 para os 80. El Sapo também teve estrela como o técnico do primeiro título do Argentinos Jrs na primeira divisão, em 1984. Currículo que no fim dos anos 80 lhe renderia passagens por Boca e San Lorenzo, mas sem êxito.

Eis as palavras do verbete dedicado a ele no Diccionario Azulgrana, publicado já em 2008: “tentou dar um toque da audácia à equipe, mas os resultados não o acompanharam e teve que sair empurrado pela impaciência da galera. Sucedeu o Bambino [Héctor] Veira ao finalizar o primeiro turno do torneio de 1989-90 e estreou com um 1-0 contra o Gimnasia y Esgrima, com gol do paraguaio Félix León. Mas isso havia sido uma miragem. Prosseguiu a sequência ruim que já vinha desde a condução de Veira e se perderam partidas incríveis. Envolto em um clima caldeado, potencializado por um lapidário 0-4 contra o River, se afastou do cargo na 10ª rodada do Apertura 1990, logo após cair de 1-0 com o Lobo platense, curiosamente o mesmo rival com o qual havia começado com o pé direito sua aventura em Boedo”.

Por fim, vale mencionar também os anos em comum alusivos a títulos do Galo e do Cuervo (“corvo”, apelido sanlorencista decorrente da cor negra da batina do padre Lorenzo Massa, impulsionador do clube): 1927, 1936, 1946, 1995, 2007, 2013 (Argentino e Estadual em todos), 1982 (segunda divisão argentina; Estadual) e 2014 (Libertadores e Copa do Brasil).

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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