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Além de Maradona, em 1978 um dos últimos cortados foi um defensor-artilheiro: Bottaniz, que fez 65 anos sábado

O historiador Esteban Bekerman defende que, a despeito do protagonismo individual de diversos jogadores argentinos em anos e décadas recentes, a última geração genuinamente dourada que o esporte teve no país teria sido a dos anos 70. Dentre os fatores, a generosa distribuição de craques mesmo por clubes pequenos e o fato de ter fornecido os campeões mundiais em 1978 e 1986, cuja maioria havia estreado no profissionalismo na década anterior. As ausências notórias que o treinador César Luis Menotti deu-se ao luxo de cometer em 1978 corroboram a impressão. Além de Maradona, um outro vitimado foi Víctor Alfredo Bottaniz, que fez 65 anos sábado. Em dia de pré-convocação à Rússia 2018, vale ainda mais resgatar sua história.

É justamente como um dos últimos cortados que Bottaniz ficou mais famoso fora da Argentina. Foram três os últimos nomes conjuntamente desligados: o dele, o de Dieguito e o do atacante Humberto Bravo. Em 2016, os dois “anônimos” chegavam a lembrar de modos inversos como a notícia foi dada: para Bravo, Menotti primeiro teria divulgado a lista final dos então 22 convocados, enquanto Bottaniz afirmava que o treinador primeiramente esclareceu os três cortados.

De um modo ou de outro, o clima ficou tão pesado que o treinamento programado para a mesma tarde terminou suspenso: em um planejamento incomum, todos os pré-convocados haviam se afastado de seus clubes desde janeiro para dedicação exclusiva à seleção, a iniciar um largo período de concentração – não por acaso, o campeão do Metropolitano de 1978 foi o nanico Quilmes, sem nada de excepcional, enquanto o vice foi o time grande menos desfalcado, o Boca. A longa convivência favoreceu entrosamento dentro e fora de campo, a ponto de todos se sentirem atingidos pelo corte de colegas cada vez mais próximos.

Abaixo, uma imagem de 22 jogadores a incluir Bravo e Bottaniz, mas na ausência de Maradona, Mario Kempes e Norberto Alonso: Daniel Passarella (River), Jorge Olguín (San Lorenzo), Omar Larrosa (Independiente), Leopoldo Luque (River), Menotti, Daniel Bertoni, Rubén Pagnanini (ambos Independiente) e Miguel Oviedo (Talleres); Ricardo Villa (Racing), Bottaniz, Héctor Baley (Huracán), Ricardo La Volpe (San Lorenzo), Ubaldo Fillol (River), Alberto Tarantini (sem clube) e Daniel Killer (Racing); Bravo, Américo Gallego (Newell’s), Oscar Ortiz (San Lorenzo), Osvaldo Ardiles, René Houseman (ambos Huracán), Rubén Galván (Independiente), José Daniel Valencia e Luis Galván (ambos Talleres).

Menotti, em 2014, deu inclusive a entender que o corte de Bravo e Bottaniz lhe doeram ainda mais que o de Maradona, pois sabia que o adolescente tinha potencial para jogar muitas Copas mais – e a favor do treinador, estava o fato de que Diego realmente só explodiria após o corte, pois seu número de gols até então era tímido.

Bottaniz é o segundo na fila do meio, entre o barbudo Ricardo Villa e o goleiro negro Héctor Baley

Bravo consolou-o exatamente nesse sentido: “você tem 17 anos e vais jogar muitos Mundiais. Eu tenho 27 anos e não sei se chego ao próximo”. Atacante do Talleres que perdeu nos últimos minutos o título nacional de 1977, Bravo dali rumou ao futebol francês para defender o Paris FC na temporada 1978-79, a última que o time fundador e depois dissidente do PSG teve na Ligue 1. Bottaniz, por sua vez, tinha 25. Apesar de mais jovem, ele, assim como Bravo, de fato nunca mais voltou a ser chamado pela seleção.

Nascido em Resistencia, na província do Chaco, El Lito Bottaniz foi produto das categorias de base do River, que o lançou no time adulto em 1973. Ele não chegou a triunfar em Núñez; foram 26 partidas acumuladas como millonario entre aquele ano e o de 1974, tempos em que o clube amargava um jejum pendente desde 1957. Assim, em 1975 o então volante foi cedido ao Unión. Acabou ficando de fora do elenco riverplatense que, justamente ali, encerraria a seca. Mas pôde individualmente deslanchar pela equipe da cidade de Santa Fe, treinada por Juan Carlos Lorenzo.

Técnico da Argentina nas Copas de 1962 e 1966 e com passagens pelas rivais Lazio e Roma, El Toto Lorenzo havia se sobressaído como o técnico do San Lorenzo que em 1972 havia levantado tanto o Torneio Metropolitano como o Nacional, algo inédito no país. Sob seu comando, o Unión virou uma sensação. Recém-ascendido da segunda divisão, o Tatengue terminou em quarto lugar o Metropolitano de 1975, a dois pontos do vice. Bottaniz, esperado para ser reserva de Elio Barro, terminou assumindo a titularidade da lateral-esquerda. Até marcou dois gols, um deles no resultado mais chamativo dos alvirrubros: 7-1 no gigante Racing.

Após aquele campeonato, Lorenzo assumiu o Boca, levando consigo alguns nomes daquele Unión, casos do goleiro Hugo Gatti e do ponta Ernesto Mastrángelo: todos repetiriam em 1976 os dois títulos anuais levantados em 1972 pelo San Lorenzo e em seguida seriam protagonistas das primeiras Libertadores vencidas pelos xeneizes, no bi de 1977-78. Já Leopoldo Luque reforçou o River. Mas os santafesinos não fraquejaram: em 1976, repetiram no Metropolitano o 4º lugar, enquanto no Nacional chegaram às quartas-de-final, fazendo tanto o artilheiro (Víctor Marchetti) como o vice (Oscar Trossero) desse torneio.

Em 1977, o Tate murchou: apenas décimo no Metro e sexto em um grupo de oito no Nacional. Por outro lado, foi o ano que Bottaniz irrompeu como um defensor artilheiro: foram quinze gols marcados ao longo do ano, incluindo no clássico local com o Colón, sobre o Boca, em dois jogos contra o Independiente e em dois jogos contra o Huracán, bastante forte na época (só teve menos jogadores que o River na convocação final à Copa). Com a nova faceta de tiros certeiros em projeções ao ataque, combinando a quem tinha boa visão para antecipar-se ao adversário, segurança na marcação e bom toque de bola, chegou à seleção: estreou já em 19 de março de 1978, em vitória por 2-1 sobre o Peru.

Em 23 de março, jogou pela segunda vez pela Argentina, em nova vitória sobre os peruanos – esta, em Lima, por 3-1. Por fim, a terceira e última partida foi uma derrota de 2-0 para o Uruguai em Montevidéu. Bottaniz, nas três, foi titular. E foi ficando entre os pré-convocados a cada corte. Afinal, o número inicial era de quarenta jogadores. Dentre os inicialmente desligados, membros daquele Boca campeão continental (Vicente Pernía, Roberto Mouzo, Jorge Ribolzi e o mencionado Mastrángelo) e outros do Independiente igualmente copeiro (Hugo Villaverde, Norberto Outes, Ricardo Bochini).

Outros cortados da lista inicial de 40 incluíam gente renomada como o veterano goleiro Agustín Cejas (Racing), outro campeão de Libertadores; o refinado volante Juan José López (River), o zagueiro Osvaldo Piazza (do Saint-Étienne multicampeão francês na época) e o volante Pedro Larraquy, que já chegou a ser o recordista de jogos pelo Vélez, além de Omar Roldán (também Vélez) Edgar Fernández (Colón), Armando Capurro e Juan Ramón Rocha (ambos Newell’s).

Os 40 viraram 25, tornando-se 22 com o corte final a tirar Maradona, Bravo e Bottaniz, que fez questão de seguir acompanhando a delegação (“te devo uma”, aceitou Menotti abraçando-lhe). Sentava no banco de reservas e, como se fosse um rugbier, participou como sparring dos treinos e chegou a limpar as chuteiras dos colegas enquanto eles ouviam as orientações de Menotti antes da prorrogação na final contra a Holanda. Após o mundial, ele seguiu no Unión, marcando cinco gols no restante do ano, incluindo sobre a dupla Boca e River: 3º lugar no Metropolitano, o Tatengue foi semifinalista do Nacional, eliminado por 2-1 no agregado com o campeão River – no confronto em que o defensor marcou.

Em 1979, Bottaniz reforçou o Racing no Nacional. O clube de Avellaneda liderou o grupo que continha o Argentinos Jrs do artilheiro Maradona, avançando aos mata-matas, caindo nas quartas-de-final. O time já não foi tão bem em 1980; em 1981, Bottaniz voltou rapidamente ao Unión, 10º lugar enquanto o rival Colón era rebaixado. Em 1982, defendeu os dois clubes: o Racing no Nacional (último em grupo de oito times), realizado agora no primeiro semestre, e o Unión no Metropolitano (antepenúltimo, escapando do rebaixamento em jogo-desempate com o Quilmes).

Já em 1983 seu Racing não escapou do rebaixamento por promedios. Bottaniz ainda rumou por Temperley (a dois pontos do rebaixamento em 1984) e Argentino de Firmat (1985, na única exibição do clube do interior santafesino no Torneio Nacional, sendo um dos reforços de peso ao lado do ex-colega Leopoldo Luque) antes de uma quarta passagem pelo Unión, entre 1986 e 1988, quando o Tatengue caiu. Encerrou a carreira no Central Córdoba de Santiago del Estero. Na direção técnica, fez bons trabalhos nos juvenis da LDU Quito, pinçando alguns campeões da Libertadores 2008, e nos do Atlético Rafaela. Atualmente, a dor de 1978 virou algum orgulho por sair na companhia ilustre de Maradona…

Bottaniz, com 30 gols em 331 partidas pelo Unión, segue como maior defensor-artilheiro do clube.

Oscar Gizzi, Bottaniz, Ángel Leroyer, Carlos Rodríguez, Gustavo Costas e Luis Valoy; Horacio Matuszczyk, Víctor Marchetti, Mario Rizzi, Roberto Díaz e Carlos Caldeiro: o Racing de 1983

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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