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Adeus, René Houseman! Um dos tantos ponteiros loucos do futebol, ídolo do Huracán e da seleção campeã de 1978

“A que segue é a história de um super-herói. Mas não das que imaginas. De um louco para alguns, um gênio para outros, uma lenda para muitos. Dizem tê-lo visto fugir das concentrações pelas noites; dizem que chegava e mudava tudo; que brilhou como poucos no futebol de elite; e que muitas vezes, por estar com os seus, brilhou por sua ausência; que, faltando cinco minutos, se fingia de lesionado para que entrasse um companheiro – nesses tempos, se não jogavas, não te remuneravas; que o dele era de todos; que era atrevido a sério; que fez um gol inesquecível… do qual não se lembra. Dizem que do mais alto aproveitou para voltar ao lugar ao qual sempre pertenceu. Essa não é a história do Batman, nem a do Superman. Essa é a história do homem que nunca teve casa. ‘La loca‘ história do Homem-Casa!” – nossa tradução da narração da lindíssima propaganda do TyC Sports, no vídeo abaixo.

A várzea está de luto, se pronunciaram tantos. “Foi uma honra te ter como rival”, homenageou o San Lorenzo sobre um ídolo do rival Huracán. Uma semana depois de lamentar a partida de Rubén Galván, hoje a Argentina chora a perda de outro campeão da Copa de 1978: René Orlando Houseman. Uma mistura de Garrincha (pelos dribles endiabrados na ponta e o vício em álcool) com Adriano (a quem a fama foi incapaz de tirar-lhe a vontade de morar na favela), El Loco teve o diferencial de estrear pela seleção menos de um ano após estar jogando na 3ª divisão. Ídolo para além das camisas que vestiu, foi vitimado por um câncer na língua.

Um jogador tão complicado de ser marcado, curiosamente, começou no lado oposto: na equipe Los Intocables, um dos times de pelada em que René se metia nas redondezas de Bajo Belgrano (uma área de villas, como são chamadas as favelas portenhas, em meio à fina zona norte da capital federal), era marcador de ponta – como eram conhecidos os laterais quando essa posição era puramente defensiva. “Para mim, era comparável a estar na seleção”, declarara ele sobre a sensação de aos 14 anos jogar naquele time nomeado por conta da invencibilidade na várzea. Dali chegou a um clube sólido da área, o Excursionistas, onde um irmão mais velho chegara a estar no time adulto.

Se hoje a arquibancada alviverde entoa com orgulho “soy villero”, na época essa alcunha não era tão bem aceita no seio dessa torcida. Por ser muito villero, o craque, que morava por ali desde os 4 anos de idade após mudar-se do interior onde nasceu na província de Santiago del Estero, não teve chances naquele que virou o time do coração (ao menos, foi que esclareceu em entrevista em 2003 à El Gráfico, na qual já declarava também o medo de morrer) de quem, jovenzinho, torcia ironicamente pelo San Lorenzo e depois pelo Boca.

Mais identificado com o Huracán (à esquerda), Houseman vestiu na Argentina as camisas também do Defensores de Belgrano, River, Independiente e Excursionistas

Após passar pelo Defensores de Flandria, foi levado ao xará Defensores de Belgrano. Nesse Defe, tradicional rival do Excursio, marcou dezesseis vezes em 36 partidas e venceu a terceira divisão de 1972, chamando assim a atenção do Huracán. A chegada ao bairro de Parque de los Patricios virou até lenda. O sobrenome aparentemente inglês (pronunciado pelos argentinos à espanhola, como “Ôusseman” mesmo, e não “Ráuzemen”) de um avô que seria alemão (povo em que existe o cognato Haussmann, talvez mal compreendido pelo registrador que anotara sua imigração) fez todos esperarem um loiro branquelo e corpulento para se depararem com um mirrado de fenótipo que também denotava mestiçagem indígena.

No ano anterior, o rival San Lorenzo havia sido o primeiro time argentino a ganhar no mesmo ano os dois torneios domésticos da temporada, o Metropolitano e o Nacional, o que ofuscou um ótimo desempenho de um grande adormecido: o Huracán ficara em 3º no Metro, onde fizera o artilheiro, Miguel Brindisi, e o vice-artilheiro, Roque Avallay. Chegou a vencer o Boca por 5-1, e a partir de então vencera 14 vezes e perdera só duas em 21 partidas feitas em casa. Foi nesse forte Huracán que o recém-chegado Houseman conseguiu logo um lugar.

No Huracán de 1973: fantasiando contra o Vélez e carregado após pancadas de um clássico com o San Lorenzo

Já treinado por César Menotti, o clube contratou também os defensores Jorge Carrascosa e Nelson Chabay, que, como Houseman, estrearam oficialmente na primeira rodada do Metro de 1973 (a estreia extraoficial de Houseman havia sido contra a seleção de Mar del Plata, marcando o quarto gol de uma goleada): 6-1 no Argentinos Jrs. Não houve início melhor do time no profissionalismo, emendando seis vitórias nas seis primeiras rodadas. Após aqueles 6-1, vieram 2-0 no Newell’s em Rosário (com gol dele), 5-2 no Atlanta, 3-1 no Colón em Santa Fe, 5-0 no Racing e 1-0 fora no Vélez.

Houseman marcou sobre o Colón e o Vélez, rendendo as seguintes menções da El Gráfico na época: “apenas passada meia hora de jogo, Guerreño e Brítez estavam advertidos por agarrar e golpear Houseman. Esses dois cartões amarelos estavam indicando uma verdade: para parar o pibe de Bajo Belgrano, os defensores colonistas deviam apelar a qualquer recurso desleal ou violento”. A exibição lírica contra os velezanos rendeu, inclusive, uma nota de título “certeza que Dom Quixote era torcedor do Huracán, e Sancho, do Vélez”.

Outros registros elétricos de 1973, contra Atlanta e Colón

Adiante, na 11ª rodada, um 5-0 com dois gols dele sobre o Rosario Central. No Gigante de Arroyito. A El Gráfico não tinha palavras. Ou fingia não ter: “ali dentro havia uma equipe jogando futebol. Ali dentro havia um loco que quer divertir-se e divertir aos que estão fora. Quem é esse cara? De onde saiu esse atrevido que burla de todos os que nos sentimos sensatos? Sabe quem é? René Houseman. Um pibe que apareceu no Huracán em apenas, apenas onze rodadas (…). Leva onze rodadas e já o identificamos todos. Mas ocorre que não podemos defini-lo ninguém”.

Na 13ª rodada, o ponta fez um dos gols do 2-1 em Avellaneda sobre o Independiente que seria campeão mundial. No returno, contra o Argentinos Jrs, um canhotaço sem deixar a bola pingar emendou lançamento de Brindisi para marcar um gol tão belo que o técnico rival esperou-lhe no túnel para felicita-lo. Era Victorio Spinetto, um homem que detestava os cabelos grandes, meias arriadas e calções boca-de-sino que o jovem usava extracampo. “Fazia tempo que não via alguém pegar na bola dessa forma. Lhe felicito, Houseman”.

Mais de 1973 (sim, o calção huracanense era branco na frente e vermelho no verso): no 5-0 dentro de Rosario sobre o Rosario Central, justamente o outro campeão argentino naquele ano

Aquele Huracán pôde ser campeão por antecipação mesmo perdendo: o título veio em derrota de 2-1 para o Gimnasia, pois ao mesmo tempo o concorrente mais próximo, o Boca, não ganhou e perdeu as chances matemáticas. O grande rival da campanha foi o próprio sucesso estrondoso de um time que recobrava a grandeza dos anos 20 e com um futebol vistoso. A seleção começou a desfalcar constantemente o Huracán.

Houseman estreou pela Argentina já em 15 de abril de 1973, curiosamente em amistoso não-oficial contra o Palmeiras, um 1-1 no estádio racinguista em que Brindisi e Avallay foram outros huracanenses usados. A estreia em jogos oficiais ocorreria em 17 de maio de 1973, em 1-1 com o Uruguai, cerca de um semestre após ter vencido a terceira divisão. De um modo ou outro, não houve ascensão paralela no profissionalismo – no máximo, de alguns que estavam na segunda divisão, não na terceira.

Oficialmente, seriam 55 partidas e treze gols pela Albiceleste, bons números para um ponta, recordista de presenças na seleção como jogador do Huracán – e que chegou a ser o recordista de partidas pelo país, sendo depois superado primeiramente por Américo Gallego. Três dos gols lhe fizeram o artilheiro argentino na Copa do Mundo de 1974, sobre Itália, Haiti e Alemanha Oriental. O bom desempenho foi mencionado até na versão original do seriado Chaves, em que Seu Madruga elogiava o camisa 8 da Argentina.

Já naqueles inícios de Houseman na seleção, porém, as irresponsabilidades começavam a aparecer (ao menos em maior vitrine), com ele chegando, ainda nos amistosos pré-Copa, a perder uma preleção de intervalo para fumar. Em paralelo, pelo seu clube o craque chegava às semifinais da Libertadores e ao quadrangular final do Metropolitano, em um ano de transição: o último desfalque daquele time para a seleção seria o próprio treinador, com Menotti assumindo a Argentina após a Copa do Mundo. Nos torneios domésticos, o time ficou em 4º no Metropolitano e a dois pontos da classificação ao octogonal final do Nacional.

Complemento à homenagem do rival San Lorenzo: com Houseman (quem salta mais alto na foto à esquerda), o Huracán viveu sua década mais feliz no clássico de bairro

Em 1975, o primeiro substituto de Menotti, Mario Imbelloni, foi irregular, sendo substituído ainda no Metro pelo brasileiro Delém. Os quemeros se recuperaram e emendaram oito vitórias seguidas, sua melhor sequência no profissionalismo. Foi o ano em que provavelmente se passou a antológica cena do oscarizado filme O Segredo dos Seus Olhos em que o estádio huracanense pulsa em um Racing x Huracán, descrito como “um dos candidatos a ganhar o título” em narração que menciona Houseman.

O Globo terminou como vice daquele Metropolitano. Houseman fez treze gols na campanha, incluindo um no 1-1 com o campeão River e dois no 7-1 no Chacarita, um deles de calcanhar aéreo. Na época, porém, o futebol argentino só enviava à Libertadores os dois campeões do ano; somente quando um mesmo time conseguia a dobradinha doméstica é que se abria vaga a um segundo colocado, em jogo-extra entre os vices. Isso ocorreu em 1975, mas deu Estudiantes (o vice do Nacional) por 3-2 na espécie de “pré-Libertadores”. Mas em 1976 os quemeros, já sob Miguel Juárez (com quem Menotti trabalhava como auxiliar) e reforçados com Osvaldo Ardiles e Héctor Baley, estiveram novamente no páreo.

Huracán vice de 1975: Agustín Cejas (ex-Santos, ainda iria ao Grêmio), Nelson Chabay, Francisco Russo, Miguel Brindisi, Alberto Fanesi e Jorge Carrascosa; Houseman, Jorge Paolino (jogaria no Flamengo), Roque Avallay, Omar Larrosa e José Scalise

O bairro de Parque de los Patricios disparou na tabela no início. “O Boca é um projeto e o Huracán, uma equipe”, assinalou a El Gráfico após um 2-1 no Boca na terceira rodada. Na campanha, Houseman marcou pela primeira vez no clássico com o San Lorenzo, em um 3-1 dentro do Gasómetro. “Por Boedo passou O FUTEBOL (assim, como maiúsculas). Um timaço: Huracán. Um gênio: Houseman” foi outro derretimento da El Gráfico. Em outra exibição, o ponta marcou três no 5-0 no All Boys e, em paralelo, seguia e intocável na seleção, com direito a gols sobre a forte Polônia em vitória por 2-1 na neve de Chorzów no dia do golpe militar argentino; outro em um 3-0 sobre o Uruguai dentro do estádio Centenário; e dois em um 3-1 sobre o Peru em Lima.

Mas a euforia já dava lugar à ressaca, e não apenas literalmente ao craque cada vez mais alcóolatra. “Não o aguento mais”, chegou a explodir o goleiro Baley antes de novo clássico com o San Lorenzo naquele ano. A flor dos 23 anos ainda permitia que o corpo aguentasse: Houseman jogou e abriu o placar de vitória por 4-2. Ele ainda somou outro gol na rivalidade naquele ano um triunfo por 2-1 no ano em que o Huracán ganhou os cinco dérbis realizados, algo jamais ocorrido em qualquer clássico argentino. Algo que não impediu um decepcionante vice-campeonato no Metro, mesmo somando no total oito pontos a mais que o campeão.

Huracán de 1976: Carlos Leone, Mario Giuliano, Aldo Espinoza, Héctor Baley e Jorge Carrascosa; Abelardo Cheves, José Luis Saldaño. Osvaldo Ardiles, Omar Larrosa e Houseman. Em negrito, futuros vencedores da Copa 1978

É que o regulamento daquele Metropolitano impunha uma segunda fase entre os primeiros de cada grupo e nele o ímpeto não foi mantido. Deu Boca. O mesmo Boca inicialmente goleado por 5-1 no início do torneio. O mesmo Boca que voltaria a ser algoz ainda em 1976, já nas semifinais do  do Nacional. Os auriazuis terminaram campeões e outra vez abriu-se vaga para um duelo de vices – e outra vez o Huracán foi derrotado, dessa vez para o River. Foi o fim de um ciclo: Brindisi foi à Espanha, Omar Larrosa ao Independiente e o desempenho do clube ia caindo junto com o de Houseman, que em 1977 marcou um único gol em oito partidas pela seleção enquanto o Globo (“balão”, em espanhol, distintivo do clube e usado como alegoria naquela propaganda do TyC) ficava só em 8º. Foi também o ano em que ele pôde marcar um golaço no River, lembrando-se apenas do ano e não do lance, de tão embriagado que estava em campo – algo romantizado naquele mesmo comercial.

Ainda assim, era El Loco e não Kempes o jogador visto como principal esperança da seleção, ao menos nesta reportagem da Placar que transparece também a questão que René fazia de manter-se morando em Bajo Belgrano (o clube havia lhe arranjado um apartamento em bairro melhor, largado por ele em três meses, sob a justificativa “aquilo lá não tem ritmo, não tem vida. É muito triste, as pessoas não param para conversar. Aqui, estou com minha gente”). Impressão corroborada com gols seguidos em duas vitórias sobre o Peru já em março de 1978, uma delas em Lima.

Trecho da reportagem da Placar sobre Houseman, em 1977. Nota de Divino Fonseca

Houseman começou a Copa na titularidade. Mas o desempenho foi aquém do esperado. Já na terceira partida, ficou no banco de Oscar Ortiz. Recuperou momentaneamente o posto contra a Polônia, a primeira da segunda fase de grupos, mas, nas duas vezes que, arrematou, chutou fraco; contra o Brasil, Menotti, ao substituir Ortiz, preferiu usar Norberto Alonso improvisado. René voltou a ser usado no 6-0 sobre o Peru, substituindo Daniel Bertoni aos 20 do segundo tempo. Teve tempo para marcar o quinto gol, emendando com o arco vazio cruzamento de Ortiz. E de perder outras duas chances, uma delas logo antes do sexto. Ele também foi um dos reservas usados na final.

Contra os holandeses, Ortiz é quem esteve apagado e Houseman pôs algum fogo, tendo suas chances de ser decisivo; aos 44 do segundo tempo, chegou a ser derrubado na área, mas o pênalti não foi assinalado. Na prorrogação, chegou a perder livre ao insistir no individualismo e demorar para arrematar. O lado fominha também o fez desperdiçar uma outra chance no segundo tempo extra, em vez de passar a Leopoldo Luque. Ficou mais notado por uma de suas locuras: usou a mão para atrasar um reinício de jogo dos holandeses, pouco após o 3-1.

Trechos da reportagem da Placar sobre Houseman, em 1977. Nota de Divino Fonseca

Houseman ainda jogou seis vezes pela Argentina em 1979, a última delas precisamente na derrota de 2-1 para a seleção da FIFA no jogo celebrador do primeiro aniversário do título mundial de 1978; a aparição de Ramón Díaz o tirou de vez do tridente ofensivo com Kempes e Bertoni no ciclo para a Copa 1982. Em 1980, o Huracán foi irregular, capaz de golear e ser goleado, a ponto de mesmo em 8º lugar ter o segundo melhor ataque. Houseman, que marcou em vitória por 2-1 no clássico com o San Lorenzo, chegou a ser preso por supostamente estuprar uma uruguaia, algo que ele sempre negou.

Ainda tinha algum renome capaz de leva-lo ao River como uma das respostas millonarias à contratação de Maradona pelo Boca, em 1981, ao lado de Kempes. Começou bem: estreou na 4ª rodada e logo na 5ª, a marcar a estreia de Kempes no Millo, fez gol – um golaço. Levantou uma perna para ganhar uma disputa aérea, galopando pelo flanco direito e então gingou contra dois na entrada da área, livrando-se de um carrinho antes de usar um toque sutil para acertar o ângulo oposto. Kempes fez dois na goleada de 4-0 no Colón, mas quem foi eleito o melhor em campo foi Houseman. Três dias depois, o time começou sua jornada na Libertadores 1981, a principal aspiração a um gigante ainda virgem na competição.

Houseman foi um dos três argentinos da Copa 1974 (lance do seu gol na Itália) mantidos para 1978 – foto contra a Polônia

Eram tempos de regulamento duríssimo em que só o líder avançava na fase de grupos em La Copa, mas se esperava que um elenco com sete campeões de 1978 (Fillol, Tarantini, Passarella, Alonso, Ortiz, Kempes e Houseman) somados a Ramón Díaz desse conta da missão. Mas o timaço de papel não deu liga nem na Libertadores, eliminado por antecipação (o líder Deportivo Cali avançou por um pontinho a mais, mas o River jogou sua última partida já sem chances de classificação), e nem no Metropolitano, onde o 4º lugar nunca representou briga pela liderança.

Houseman acabou marcando só aquele gol em doze partidas pelo Metro e passou em branco nos três jogos em que foi usado na Libertadores. No máximo, atraiu um pênalti, justamente no reencontro com o Huracán, empatado em 2-2 pela 12ª rodada porque Passarella desperdiçou a cobrança. El Loco relataria o semestre no River como o pior momento do seu futebol: a queda precoce na Libertadores fez o Monumental ficar às moscas e fez a torcida se desencantar com o treinador Ángel Labruna, que viu se encerrar um vitorioso ciclo de seis anos como técnico em Núñez.

Seu único gol na Copa 1978 veio no lance à esquerda: foi o quinto nos 6-0 no Peru. Não brilhou tanto na Copa e virou reserva, mas pôs fogo na final

El Loco preferiu sair e teve as portas abertas no seu Huracán para o Torneio Nacional de 1981, vencido justamente em campanha acidentada dos ex-colegas de River. Mas o ponta tampouco prosperou em casa. Outro golzinho só e um pênalti cavado, em onze jogos, já sinalizavam de vez uma decadência tão meteórica como a ascensão. O Colo-Colo ainda acreditou nele em 1982. Em 1983, o atacante teve sua terceira e última passagem pelo Huracán, já não sendo sombra de outrora: só cinco jogos (dois, vindo do banco), pelo Torneio Nacional (agora disputado no primeiro semestre), zero gols e até um pênalti perdido, no 2-1 sobre o Unión. Pelo resto do ano, se escondeu no segregado futebol da África do Sul – onde, segundo o próprio, só teria aprendido três frases em inglês: “one wine, one beer, one scotch”.

Incrivelmente, em 1984 ele ainda foi contemplado com uma generosa aposta final de recuperação: foi contratado por um Independiente recém-campeão argentino. Pelo time de Avellaneda, Houseman estreou aos 22 minutos do segundo tempo de um 3-0 no Chacarita, pela 2ª rodada do Torneio Nacional. Recebeu aplausos de incentivo da torcida naquela noite de 24 de fevereiro, mas foi só: demoraria até 11 de março para reaparecer em campo, novamente contra o Chaca pelo Nacional (1-0). Até foi titular, mas foi substituído em pleno intervalo, com placar ainda zerado.

Comemorando em seu auge pelo Huracán, com Brindisi; e já destruído pelo alcoolismo, na foto direita, com o “sucessor” Caniggia: ela foi tirada em 1988 e Houseman só tinha 35 anos nela

Em paralelo, ele até integrou a campanha campeã em 1984 da Libertadores, na sétima (e ainda última) vez que o Rey de Copas venceu esse troféu até hoje. Mas não costuma ser lembrado: na campanha continental, só foi usado em uma única partida, ainda na fase de grupos – e apenas como reserva acionado no intervalo, entrando no segundo tempo do 2-0 sobre o Sportivo Luqueño, em 30 de março. Cinco dias depois, em 4 de abril, El Loco entrou em campo pela última vez pelo Independiente, em 1-1 contra o Rosario Central, pelo Nacional. Nunca permaneceu nos 90 minutos nos quatro jogos em que atuou pelo Rojo. A última vez que foi relacionado para o banco de reservas deu-se em junho, sem chegar a entrar em campo enquanto os colegas venciam o River por 3-2 pela 10ª rodada do Metropolitano.

Ao fim daquele 1984, o Independiente não o levou a Tóquio nem para ser reserva do reserva para o vitorioso Mundial Interclubes. Chegou a ser noticiada uma transferência de Houseman ao semiprofissional futebol da Islândia (!), mas as chuteiras foram penduradas antes, no time do coração, na única exibição que fez na equipe adulta do Excursionistas – em março de 1985, na terceira divisão. Naquela estreia-despedida, entrou aos 18 minutos do segundo tempo, visivelmente fora de forma até para aqueles padrões, e só conseguiu fazer uma jogada no 0-0 com o Deportivo Armenio. Mas recebeu toda a arrecadação. Ainda reapareceu no gramado do palácio Ducó, já em 2000, para um merecido jogo festivo pelo Huracán.

No jogo festivo que o Huracán lhe deu em 2000. Só tinha 47 anos…

Em 1990, uma internação de três semanas o havia feito largar o álcool, segundo ele. Mas não o cigarro. Outrora podendo viver de renda de aluguéis, gradualmente precisou passar se sustentar basicamente por uma previdência privada do sindicato dos jogadores somada a uma ajuda simbólica do Huracán – e costumava ficar recluso em casa, a não ser para ver o Excursionistas jogar em Bajo Belgrano, segundo declarou em entrevista à El Gráfico. A penúltima pergunta foi “quando chegares ao céu e encontrares o Barba [sinônimo coloquial de Deus, em uma gíria dos argentinos], vais dizer o quê?”, no que respondeu “nãão, esqueça. Me expulsa a chutes na bunda. Queres o quê? Com as coisas que fiz na terra…”.

Já a última pergunta foi “você tem alguma conta pendente?”. Resposta: “sim, esta. Paguem o sanduíche e os cafés, que não tenho um mango”.

Relembre aqui aquele Huracán campeão de 1973, a encerrar o mesmo jejum de 45 anos igualados nesse 2018.

Relembre aqui a noite em que Huracán e Excursionisas se enfrentaram em mata-mata de 2011, para o dilema do torcedor Houseman, na nota “Noite de Futebol em Catamarca, ou ‘Por que vale a pena torcer por um time pequeno'”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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