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Adeus a Alfredo Obberti, maior artilheiro estrangeiro do Grêmio no século XX

O ex-lateral Roberto Mouzo é o recordista de partidas pelo Boca, e em 2009, respondendo à revista El Gráfico sobre os atacantes mais difíceis que marcou, equiparou ninguém menos que Mario Kempes a Alfredo Domingo Obberti. Ídolo do Independiente vencedor dos anos 70 e 80 e capitão do último elenco desse clube a ser campeão mundial, o ex-zagueiro Enzo Trossero brilhou ainda na França, mas em 2016 declarou que o atacante em quem mais bateu terá mesmo sido Obberti – declarado como atacante-modelo em 1972 por Norberto Alonso, espécie de Zico do River. El Mono (“O Macaco”, apelido referente a seu rosto e não à sua cor de pele, mas de igual modo em tempos sem preocupação politicamente correta…), de fato, foi duas vezes artilheiro do campeonato argentino, chegou a ser o maior goleador profissional do Newell’s e foi o estrangeiro com mais gols pelo Grêmio no século XX. Hora de relembrar postumamente quem nos deixou ontem.

Irregular no balão murcho do Huracán, ídolo eterno no Colón (e no Los Andes)

Obberti nasceu na capital argentina em 12 de agosto de 1945 e foi profissionalizado pelo Huracán em 14 de dezembro de 1962, na rodada final da liga. Mesmo com apenas 17 anos, foi usado como titular pelo técnico Luis Antonio Ferreyra (antigo ídolo do River nos anos 30 e 40) na escalação Juan Bertoldi, Carlos Arredondo, Dante Álvarez, Juan Schneider e Víctor Alarcón, Héctor Pederzoli e Alberto Rendo, Ernesto Juárez, Jesús Roldán, ele e Luis Medina. Não foi uma tarde auspiciosa: mesmo em casa, o Globo saiu perdendo desde os 8 minutos. O 1-0 para o Independiente durou até o fim e o novato ainda saiu lesionado, aos 37 do segundo tempo.

Ele nunca se firmou completamente em tempos medíocres do Huracán. No torneio de 1963, o técnico já era Manuel Giúdice, antigo ídolo da casa (e, curiosamente, também do River). Mas o adolescente só foi usado uma vez, como ponta-esquerda no clássico com o San Lorenzo pela nona rodada – derrota de 3-1. Ainda mais restrito ao campeonato de equipes B, ele voltou a ter chances já no segundo turno de 1964, reestreado na 18ª rodada por Victorio Spinetto, o comandante da vez. Mesmo titular contra River e Racing, só foi usado cinco vezes no ano. Sem nenhum gol marcado ainda no futebol adulto.

Assim, em 1965 ele desceu um degrau, reforçando na segunda divisão o Colón. A equipe de Santa Fe recebeu El Mono e Néstor Canevari em troca por Raúl Poncio. Deu muito certo. “Refinado, rápido, inteligente para mover-se na frente do ataque e para associar-se com seus companheiros, foi peça-chave naquela campanha”, suspirou o perfil dele na edição especial que a El Gráfico dedicou em 2012 aos cem maiores ídolos colonistas. É que justamente naquele ano o Sabalero terminou campeão da segundona, algo inédito para o futebol de toda a cidade de Santa Fe.

O primeiro gol dele no futebol adulto ainda demorou até a nona rodada da Primera B, em 2-0 no Tigre. Mas teria grande média ao fim do ano: foram treze em 24 partidas, em quantidade e qualidade. É que foi do reforço o gol que garantiu antecipadamente o acesso, no 1-0 sobre o Deportivo Español na penúltima rodada, no estádio do Atlanta; e um dos gols na partida festiva do título, nos 2-0 sobre o Nueva Chicago no Cementerio de Elefantes.

O Huracán logo o requisitou de volta para 1966 e agora Obberti jogou desde a primeira rodada – um auspicioso 4-3, com gol dele, fora de casa sobre o Argentinos Jrs para o elenco treinado pela lenda Emilio Baldonedo, outrora maior carrasco da seleção brasileira. El Mono só não esteve em sete partidas e foi o goleador do plantel huracanense, com treze gols – incluindo nos duelos contra o campeão Racing (2-2), Boca e no clássico com o San Lorenzo (ambos em derrotas de 2-1). Mas os quemeros não acompanharam o ritmo: terminaram em 15º. E ele próprio foi irregular, chegando a passar três meses sem marcar desde aquela reestreia promissora.

Em 1967, restou aos comandados de Baldonedo se contentar com a perda por um ponto da vaga no Torneio Nacional, embora Obberti figurasse entre os quatro artilheiros do Torneio Metropolitano, com onze gols em 22 jogos. Mas não foi o bastante para permanecer no bairro de Parque de los Patricios: em 1968, foi emprestado ao nanico Los Andes, que voltava à primeira divisão após rápida passagem em 1961. Pois as Milrayitas (“Mil Listrinhas”, em alusão à camisa sempre com finas listras alvirrubras) tiveram exatamente em 1968 a sua única temporada sem rebaixamento na elite e deveram bastante ao reforço.

Obberti foi simplesmente o artilheiro do Torneio Metropolitano, com treze gols, e vice-artilheiro do Nacional, com dez – só sendo superado por Omar Wehbe (do campeão Vélez) na partida final. A bela passagem pela equipe de Lomas de Zamora incluiu comemorações nas duas partidas contra o River (3-1 e 1-1) pelo Metropolitano e, já no Torneio Nacional, todos os gols sobre os dois últimos campeões do mundo (com sua tripleta nos 3-2 sobre o Estudiantes e o tento no 1-1 com o Racing, ambos em novembro). El Mono, sobretudo, saboreou a lei do ex, em 1-1 e em vitória de 2-0 em reencontros com o Huracán. Curiosamente, também vazou o Colón, em triunfo de 1-0.

Os dois ex-clubes dividiriam mesmo a terceira colocação entre os times mais vitimados por ele, sofrendo sete gols cada; contra os cinco grandes, foram sete também no Racing, além de cinco cada na dupla Boca e River, três no Independiente, dois no San Lorenzo. E foi no embalo daquela passagem pelo Los Andes que Obberti foi chamado pela primeira vez pela seleção argentina. Estreou em 14 de agosto de 1968, em amistoso não-oficial contra o clube colombiano Millonarios. Até foi auspicioso: entrou aos 25 do segundo tempo, substituindo Ángel Silva, e aos 37 marcou o único gol da partida em Bogotá – tornando-se até hoje o último aproveitado pela Albiceleste como jogador milrayita.

Campeão no Colón, irregular no Huracán, artilheiro no Los Andes: as camisas dele nos anos 60

Mas ele só voltaria a ter uma outra oportunidade pela Argentina, e não imediata. Sem dinheiro o suficiente para adquiri-lo em definitivo, o Los Andes precisou devolvê-lo ao Huracán em 1969, quando não sobreviveu ao rebaixamento (os lomenses só voltariam à elite uma única outra vez, na temporada 2000-01). E, embora Obberti viesse a constar entre os cem maiores ídolos huracanenses na enciclopédia do centenário quemero preparada pelo Clarín, seu perfil nela reconhece que a terceira passagem foi “sem pena nem glória”. Demorou seis jogos para marcar e ao todo computou quatro gols em 16 partidas pelo Globo, entre os comandos técnicos de Alejandro Yebra e Benicio Acosta.

Na história do Newell’s e do Grêmio

Em Rosario, nenhum time da cidade havia ainda sido campeão argentino. Mas o Rosario Central começou a chegar, emendando boas campanhas no fim dos anos 60, onde a retaguarda com o goleiro Edgardo Andrada no gol ao volante Carlos Griguol significou por vezes a melhor defesa de campeonatos. O Newell’s tratou de responder com uma ambiciosa dupla técnica de novatos – curiosamente, ex-ídolos do próprio Central: Miguel Juárez e seu assistente César Menotti, que recém-começava uma nova carreira a contragosto, pois seu passe de jogador fora retido pelo Juventus-SP (sim!).

Em 2014, Menotti ainda lembrava de como trouxeram Obberti junto a outras peças que fariam a espinha-dorsal de tempos históricos da Lepra. No caso, o clube do Parque Independencia trocou-o com o Huracán por Roque Avallay, antigo membro do Independiente campeão da Libertadores de 1965. El Mono não tardou a vingar como centroavante de um ataque vistoso, com Héctor Martínez e Mario Zanabria (futuros campeões de Libertadores na década, respectivamente por Independiente e Boca) pelos meios e os brasileiros Marcos Pereira e Heraldo Bezerra (depois ídolo no Atlético de Madrid e naturalizado pela seleção espanhola) nas pontas.

O Newell’s terminou a dois pontos do título no Metropolitano de 1970 e Obberti (com gols em ambos os Clásicos Rosarinos do torneio), a um gol da artilharia. Os rojinegros decaíram no Nacional, mas El Mono ainda pôde se meter entre os cinco principais goleadores do segundo semestre. Assim, ele voltou à seleção, precisamente para a única partida oficialmente creditada a ele: uma derrota de 4-3 para a França em 8 de janeiro de 1971, em La Bombonera. Com os Bleus já ganhando por 3-1, ele saiu aos 11 do segundo tempo para dar lugar a Carlos Bianchi, que havia sido o artilheiro daquele Nacional.

No mesmo mês em que jogou pela última vez pela seleção, Obberti se destacou na Copa Cidade de Rosario, um curioso pentagonal de verão em pontos corridos travado também com Rosario Central, River e os estrangeiros Estrela Vermelha e America-RJ (ou melhor, America-GB ainda). El Mono deixou o deles nos 2-2 com o River e no 1-1 com os cariocas. Os leprosos sagraram-se campeões em pleno Clásico Rosarino em um 0-0 na casa rival. Em fevereiro, pela Copa Duas Cidades, a dupla rosarina se deparou com a uruguaia em um quadrangular. Obberti marcou duas vezes em um Nacional que faturaria Libertadores e Mundial naquele ano, embora não evitasse derrota de 3-2.

Bianchi e Obberti, por sua vez, duelariam pela artilharia e pelas cabeças do Metropolitano: Carlitos fez 36 gols pelo vice Vélez e El Mono, 28 pelo quarto colocado Newell’s. No Torneio Nacional, foi a vez do rojinegro ficar com a artilharia, com dez gols. Mas o fim foi amargo: o Newell’s caiu nas semifinais justamente no clássico com o Central, que ainda por cima terminou adiante campeão pela primeira vez. O técnico rival lhe conhecia muito bem: Ángel Tulio Zof havia treinado aquele Los Andes sobrevivente de 1968 e ordenou a seu lateral Alberto Fanesi uma marcação pessoal no atacante – que teve mesmo uma atuação apagada no clássico.

Ao perder chance boa ao errar no domínio de bola com a partida ainda em 0-0, o técnico Pedro Dellacha não tolerou mais e o tirou imediatamente. Uma pena; ao fim do ano, a revista El Gráfico teceu o seguinte elogio: “o que querem Bianchi e Obberti? A única coisa que sabem é meter gols”.

O Grêmio captou bem isso e, para preencher a lacuna deixada por Néstor Scotta (devolvido ao River), buscou seduzir um novo argentino com uma boa proposta financeira para 1972. El Mono aceitou, embora ciente de que ir ao exterior mais o atrapalharia do que o ajudaria a manter-se na seleção argentina, que até então se limitava a convocar quem jogasse em casa.

Obberti não decepcionou. Em 28 de junho de 1972, inclusive, foi titular no combinado Grenal que ofereceu duríssimo teste (3-3, estando três vezes na frente do placar) à própria seleção brasileira, que se preparava para a Taça Independência – exatamente a competição em que a Argentina usou pela primeira vez um jogador do futebol estrangeiro, o botafoguense Rodolfo Fischer. No início de agosto, o estadual foi mesmo perdido para o Internacional na última rodada; era ainda o quarto título colorado seguido do famoso octa. No Brasileirão, o Botafogo de Fischer acabou prevalecendo nos quadrangulares de segunda fase que apontavam os semifinalistas, apenas os líderes.

A seleção rosarina que bateu por 3-1 a própria Argentina antes da Copa de 1974. Obberti é o segundo agachado e fez o segundo gol

O argentino esteve entre os dez melhores centroavantes segundo a Bola de Prata e também entre os dez melhores pontas-de-lança: foi inclusive o segundo nessa avaliação, abaixo do premiado Zé Roberto, do Coritiba. Mas desde aquele primeiro ano ele também deixava impressões negativas de alguém irregular: “o gringo é bom de bola, mas um grande derrubador de técnico. Cuida bem que não estou malhando o Obberti. Acontece que o cara joga uma partida de cair o estádio e depois se apaga por uns dez jogos. Se deixa, como eu, esperando o dia em que ele vá jogar bem, é capaz de cair antes deste dia. Foi meu caso”, resmungou o recém-demitido treinador Daltro Menezes em dezembro à Placar.

O Newell’s o procurou e o jogador ficou tentado a voltar a Rosario, mesmo recebendo 30% menos; sua esposa não havia se adaptado a Porto Alegre e nem ele ao imposto de renda brasileiro (“eu não imaginava que comesse tanto dinheiro da gente”, relembraria já em novembro à Placar), mas se convenceu a perseverar mais um ano. Para os gremistas, era visível que ele tinha estilo distinto ao do ídolo Alcindo ou de Paraguaio, mas se reconhecia que ele sabia dar o mesmo combate direto aos zagueiros adversários.

No Estadual de 1973, ele marcou pela única vez no Grenal, em empate em 1-1. O Inter levaria o primeiro turno nos critérios de desempate e garantiu antecipadamente o título ainda antes do clássico marcado para a rodada final do segundo turno. A recuperação tricolor veio no Brasileirão, onde se fez a segunda melhor campanha da primeira fase. Obberti, novamente, concorria à Bola de Prata tanto entre os dez melhores centroavantes (chegou a estar em terceiro) como entre os dez melhores pontas-de-lança. Então sofreu uma séria distensão muscular ainda em setembro, contra a Portuguesa.

Durante o estaleiro, o Newell’s sondou o antigo ídolo por 80 mil dólares, mas nem o Grêmio e nem o jogador aceitaram. Foi nessa recuperação do argentino que um futuro ídolo gremisto feito Tarciso começou a firmar-se, tendo ele reconhecido que precisou lutar para conseguir o lugar do argentino; em 1982, já com dez anos de Grêmio, ainda recordava à Placar certa vez em que “o Obberti passou pelo goleiro, colocou no canto e saiu para vibrar. Eu, numa fase difícil, quis tomar o gol para mim. Antes de a bola entrar, eu chutei. Estava tão preocupado, que a bola saiu. O Obberti queria me matar”.

No fim, o Grêmio não manteve o gás na segunda fase, em quarto lugar de um grupo de dez em que só os dois primeiros avançavam (ao um quadrangular final). Mas o que fez o argentino sair foi um escândalo extracampo. Com péssima relação com o treinador Carlos Froner, que o tachava de “boleteiro” (gíria para quem se dopava, em referência às “bolinhas” estimulantes), denunciou em janeiro de 1974 que a prática era largamente disseminada no Olímpico por pressão dos próprios médicos e dirigentes tricolores, enquanto “os jogadores no final das contas pagam por tudo” – em depoimento em que a Placar deu-lhe razão.

A permanência dele no Rio Grande ficou insustentável e só o tempo o reconciliou: mesmo sem títulos, seus 35 gols em 105 jogos fizeram dele o estrangeiro mais goleador do Grêmio no século XX – só veio a ser superado já em 2014, por Hernán Barcos. Em 2016, sua visita ao hotel em que os tricolores se hospedaram em Rosario antes de encararem o Rosario Central na Libertadores foi bastante divulgada – a imagem que abre essa matéria é daquela ocasião.

Obberti voltou enfim ao Newell’s. E não se arrependeu.

O rival Rosario Central havia acabado de somar uma segunda estrela nacional no fim de 1973, justamente. O Newell’s enfim respondeu de imediato: o antigo ídolo voltou para, com treze gols, ser o artilheiro leproso na redentora campanha campeã do Metropolitano de 1974, o primeiro título argentino do clube. Em meio a isso, feriu até a seleção argentina: em amistoso pré-Copa, ela enfrentou a seleção rosarina em 17 de abril e levou um recordado 3-1, com Obberti anotando o segundo.

Já no Metro, seu gol mais importante veio no penúltimo compromisso do quadrangular final, dando uma inesperada a vitória sobre o Boca dentro de Buenos Aires. O triunfo permitiu que o Ñuls fosse campeão com um empate e ele veio em pleno clássico na casa rival: 1971 estava vingado com juros. O time ainda avançou até a fase final do Torneio Nacional, embora sem gás no octogonal que o decidiu. Em 1975, Obberti já não foi tão mortífero – foram apenas sete gols. Seguiria a carreira no All Boys antes de não emplacar como técnico nos grandes centros (e sim na escolinha do velho mestre Ángel Tulio Zof), deixando o Newell’s como seu máximo artilheiro na liga argentina até então.

Seus 89 gols o faziam superar em dez o outrora recordista: ninguém menos que o ídolo juvenil do Papa Francisco, René Pontoni. Atualmente é o quinto, abaixo de Víctor Ramos (103), Maxi Rodríguez (91 e contando…) e Santiago Santamaría (90). Em 2014, Newell’s e Grêmio se encontraram na Libertadores e, a despeito dos diversos nomes em comum, preferiram homenagear conjuntamente aquele artilheiro histórico que ontem sucumbiu diante de uma longa enfermidade não revelada.

Seus recordes de gols no Newell’s e no Grêmio já haviam sido superados, mas as duas equipes o homenagearam em 2014 – foto mais à direita

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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