Para muitos brasileiros, a grande onda de jogadores argentinos em nosso país aconteceu na década de 1970, quando quase todos os clubes nacionais tinham jogadores daquele país (ou do Uruguai). A lista de jogadores do país vizinho que passaram por aqui naquele tempo é realmente grande e vários tiveram presença muito marcante, se transformando em ídolos das nossas torcidas. Essa é uma história que merece ser contada.
Ela começa em 1958, nos gramados suecos. Naquela copa do mundo o Brasil conseguiu um feito espetacular, ao ser o primeiro país a vencer uma copa fora de seu continente. Enquanto isso, a seleção argentina era eliminada na primeira fase, levando um vergonhoso 6 a 1 na Tchecoslováquia (que nem se classificou para a segunda fase) em seu jogo de despedida.
E olhe que essa seleção tinha verdadeiras lendas do futebol argentino, a começar pelo treinador, Guillermo Stabile, artilheiro da copa de 1930. No grupo estavam nomes como Carrizo, Nestor Rossi, Labruna, Sanfilipo, Menendez e “El Loco” Corbatta, o único a se salvar naquele desastre. Esse fracasso deixou raízes profundas. Uma conseqüência é que clubes argentinos começaram a buscar jogadores brasileiros.
Talvez o mais bem sucedido tenha sido Paulinho Valentim (acima), grande ídolo do Boca Juniors e até hoje o jogador xeneize que mais gols marcou no clássico contra o River. Junto com ele estavam Dino Sani, Orlando Peçanha e Almir Pernambuquinho. Do outro lado estava Delém, que deu tão certo no River que acabou se radicando de vez na Argentina. À beira do campo nossos técnicos também fizeram bonito, incluindo um bi-campeonato de técnicos brasileiros: Osvaldo Brandão comandando um timaço do Independiente em 1967 e Elba de Pádua Lima, o Tim, levando o San Lorenzo ao título do ano seguinte.
Isso serviu para que muitos profissionais brasileiros tivessem contato com uma geração brilhante do futebol argentino. E quando retornaram, nada mais natural que indicassem bons jogadores que haviam visto por lá para suas novas equipes brasileiras. E o momento era mais que propício, pois o futebol argentino vivia um grande momento. Entre 1964 e 1978 os clubes argentinos venceram um total de 12 Libertadores da América, com times memoráveis como o Estudiantes (tri 1968/69/70) e o Independiente (tetra 1972/73/74/75). Era a hora do Brasil ir às compras.
O marco inicial desse novo momento foi a chegada do experiente zagueiro Ramos Delgado (acima), que havia participado das copas de 1958 e 1962. O ex-jogador do River chegou ao Santos em 1967 foi presença ativa no tricampeonato paulista conquistado por um supertime da Vila Belmiro (1968/69/70), em que fazia dupla de zaga com Djalma Dias ou Joel Camargo (campeão mundial no México em 1970).
Uma curiosidade que poucos sabem, é que nessa primeiríssima leva chegaram duas lendas do futebol argentino: o futuro técnico César Menotti teve rápida passagem pelo Santos em 1968 (onde chegou a participar da campanha do título paulista daquele ano), para depois ir ao Juventus, onde encerrou a carreira em 1970. Outro que passou rapidamente por aqui foi o grande Jose Sanfilipo, talvez o maior jogador da história do San Lorenzo, que chegou ao Bangu em 1968, indo depois para o Bahia, onde foi bicampeão baiano (1970/71).
Naquele final de década de 1960, outros nomes peso-pesados do futebol argentino também chegaram ao Brasil. O goleiro Dominguez, ex-Racing, River Plate e Real Madri (goleiro da albiceleste no mundial de 1962) veio reforçar o Flamengo em 1968. Outro goleiro, Agustín Cejas, campeão mundial interclubes pelo Racing em 1967, veio em 1970 para assumir o gol do Santos, onde ficaria até 1975 (com uma passagem pelo Grêmio em 1976).
O grande zagueiro Roberto Perfumo (acima), destaque da seleção argentina na copa de 1966, chegou a Belo Horizonte em 1971 para ajudar o Cruzeiro a se renovar depois do fim do grande time dos anos 1960. Ficou até 1974, conquistando vários títulos mineiros e um vice-campeonato brasileiro. Já o artilheiro da albiceleste naquele mesmo mundial, Luís Artime, teve duas passagens pelo Brasil, no Pelmeiras em 1969 e no Fluminense em 1972.
Mas nem só de grandes craques se contruiu a bela história dos jogadores argentinos que tentaram a sorte no brasil naqueles anos. Houve também os operários, jogadores de nível razoável para bom que conseguiram se encaixar em bons clubes brasileiros e lograram êxito em contribuir com seus clubes, se transformando em ídolos. A lista nesse caso seria grande demais, mas pode-se lembrar alguns nomes inesquecíveis para o torcedor brasileiro:
O goleiro Norberto Andrada, do Vasco da Gama (1969-75; campeão carioca de 1970 e brasileiro de 1974; depois passou pelo Vitória); Narciso Doval, atacante boêmio, ídolo da dupla Fla-Flu (Esteve no Flamengo de 1969 a 1975, salvo um rápido retorno em 1973 a Argentina; conquistou os cariocas de 1972 e 1974. No Flu esteve de 1976 a 1977, marcando o gol do título na decisão de 1976 contra o Vasco); El Lobo Fischer, bom atacante do Botafogo entre 1972 e 1976; depois de ser ídolo da torcida ainda passou pelo Vitória. E Scotta, do Grêmio, atacante que entrou para a história do brasileirão ao marcar o primeiro gol da história do campeonato, em 1971 num jogo contra o São Paulo.
Uma curiosidade é que a maioria desses jogadores eram goleiros ou zagueiros, somados a alguns atacantes. Era um tempo em que jogadores de meio de campo o Brasil fazia em casa. O contrário do que vemos agora: nossos goleiros e zagueiros estão cada vez melhores, mas parecemos depender cada vez mais das importações da Argentina para termos bons jogadores de meio de campo.
Em meados dos anos 1970 a festa acabou. A grande crise econômica da segunda metade da década tornou mais dificil para os clubes brasileiros fazerem grandes investimenos. A invasão argentina chegava ao fim. Mas entre 1968 e 1975 não se pode pensar no futebol brasileiro sem a grande contribuição dada pelos jogadores de outros países sul-americanos, história na qual os atletas argentinos ocupam lugar muito especial.
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