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Pedro “Arico” Suárez: o jogador da Copa 30 que perdeu de propósito pênalti em um Brasil x Argentina faria 110 anos

Desde os anos 60 ou 70 a seleção brasileira vem se convertendo na principal rival da Argentina, pois na maior parte do século XX ela foi a terceira força no continente – clássico sul-americano era sinônimo do clássico platino dos hermanos com o Uruguai. O que não quer dizer que não havia rivalidade com os tupiniquins. Se o cavalheirismo mútuo imperou no primeiro duelo, em 1914, nos anos 30 já havia tumulto no desfecho da Copa América de 1937. Nesse contexto, em 1940 Pedro Bonis “Arico” Suárez, nascido em 5 de junho de 1908, notou que um pênalti favorável não existira e chutou-o para fora. Mas é até injusto resumir a carreira dele a esse fair play.

Até porque se Suárez teve esse caráter, não necessariamente era um jogador limpo. Pesquisa em matérias da época o colocam como jogador de destaque no time, um lateral-esquerdo que, sabendo distribuir bem a bola, reforçava o setor ofensivo, algo raro naqueles tempos (embora de fato não fosse de marcar gols: pelo Boca, foram só três em mais de doze anos e 415 partidas). Mas também registram uma e outra suspensão tomada pelo jogador cuja marcação rendeu-lhe apelido de perro de presa, o “cão de caça”, pelo jornalista Diego Lucero.

Outra alcunha, mais generalizada, era La Gallega. Isso porque espanhóis e descendentes são na Argentina comumente apelidados de gallegos ainda que não necessariamente com raízes na Galiza. Suárez, de fato, nascera em território espanhol, em Santa Brígida, nas Ilhas Canárias. Era justamente o único jogador do arquipélago a jogar a Copa do Mundo até ser igualado já no século XXI por David Silva. Mas veio à Argentina ainda bebê, sendo tão portenho como um nativo. Apelido único mesmo para ele, diferenciando-o em meio a tantos “Pedros” Suárez país afora, era Arico. Nem ele sabia explicar como isso surgiu, ou o significado.

Aos 15 anos, em 1923, Arico Suárez ingressou no Ferro Carril Oeste, clube dos mais sólidos institucionalmente no país, mas mais como um clube poliesportivo do que por um futebol de sucesso. Um primeiro brilho dos verdolagas com a bola no pé em um torneio de elite deu-se com o título em 1925 no campeonato juvenil. Aproveitando alguns desses campeões é que o time do bairro de Caballito, até então colecionando resultados medíocres com seu time principal, obteve sua melhor campanha até então no campeonato principal. Foi quando conseguiu um 4º lugar em 1927.

Arico Suárez é o ultimo jogador em pé nesse pôster do Ferro de 1928. O último agachado, Salvador D’Alessandro, jogaria bem no Vasco nos anos 30

O torneio de 1927 só foi finalizado nos primeiros meses de 1928, ano que a seleção se rendeu a alguns atletas daquele Ferro. O meia-direita Enrique Gainzarain foi chamado às Olimpíadas daquele ano, embora não tenha entrado em campo. Enquanto a seleção principal estava nos Jogos, o país foi representado em casa em amistosos não-oficiais contra clubes espanhóis que visitavam o Rio da Prata. Em um 3-0 no Celta de Vigo, estreou o volante Pedro Chalú, El Hombre de Tres Pulmones, que só em 1933 faria sua primeira partida oficial pela Argentina.

Já Arico Suárez entrou em campo antes deles todos. Também foi contra o Celta, em derrota de 1-0 em 8 de julho de 1928, no primeiro de uma série de três jogos contra os (legítimos) galegos. Foi mantido para o segundo, já no dia seguinte, no qual os europeus foram então surrados por 8-0. Os 3-0 foram o terceiro jogo da série, em 14 de julho. Em agosto, foi a vez de uma série de três partidas contra o Barcelona. Suárez jogou as duas primeiras, no dias 4 e 5, respectivamente 3-1 e 0-0. Na última, os três colegas fizeram do Ferro o clube mais representado na seleção na vitória de 1-0 sobre os catalães.

Em fevereiro de 1929, Suárez fez nova partida não-oficial pela Argentina, dessa vez contra o primeiro clube brasileiro a excursionar por lá: o America carioca, derrotado por 6-1. Esteve também na revanche, um 2-0 sobre os rubros. Contudo, logo foi atingido por um escândalo: o Ferro o expulsou de seus quatros após uma acusação de que o lateral teria sido subornado pelo Huracán, naquele ano campeão do campeonato válido ainda por 1928; em um campeonato de turno único entre 36 times, o fato é que os verdolagas foram derrotados em casa por 3-2 na 30ª rodada, realizada já em 29 de maio de 1929.

Suárez rumou justamente ao “prejudicado” Boca, vice por um ponto a menos que o Huracán. Fez sua primeira aparição como xeneize já em 4 de abril de 1930, em amistoso empatado em 1-1 com o Nacional, base da seleção uruguaia dali a semanas campeã mundial. Foi titular assim como em sete jogos entre maio e junho válidos já pelo campeonato argentino de 1930. O Boca ganhou todos, vencendo inclusive por 6-1 o Gimnasia LP, que havia sido o campeão do torneio próprio de 1929.

Engomado antes da estreia da Argentina em Copas do Mundo, contra a França

Assim, o canário foi chamado para a Copa do Mundo, na qual estreou oficialmente pela Argentina – isto é, contra outra seleção. O debute oficial foi exatamente na estreia hermana em Copas, na vitória de 1-0 sobre a França. Porém, ele só voltou a campo exatamente na final; entre o primeiro e último jogo, Rodolfo Orlandini substituiu-o na lateral. A escolha não foi feliz; Suárez teve um desempenho apenas discreto na derrota de 4-2 para o Uruguai. Tanto que quase nove anos se passaram até que fosse novamente utilizado pela Albiceleste.

Muita coisa aconteceu entre a derrota mundial em 30 de julho de 1930 e a reestreia de Suárez pela seleção, já em 15 de janeiro de 1939: seu Boca se converteu na primeira potência do profissionalismo argentino. Os auriazuis vinham já com grande destaque no amadorismo, colecionando seis títulos, incluindo naquele campeonato de 1930 – emendado com o primeiro da era profissional, de 1931.

Em 1932, terminou a quatro pontos do campeão River. Em 1933, o time só perdeu a taça (para o San Lorenzo) na última rodada, recuperando-a com o bi de 1934 e 1935. Suárez e o Boca ainda foram terceiros em 1936 e 1937. Naquele momento, nenhum clube era mais vitorioso no campeonato argentino de um esporte cada vez mais popularizado, o que se refletiu em um clube igualmente disseminado. O Boca é hoje a equipe da maior torcida no país como reflexo dos resultados dessa época.

Curiosamente, foi justamente após o pior campeonato, o 5º lugar de 1938, com dezoito pontos de desvantagem para o campeão Independiente, que Suárez reapareceu na seleção. Primeiramente, como adversário mesmo: Argentina e Boca se enfrentaram em 14 de dezembro daquele ano, e só a cinco minutos do fim a seleção evitou a derrota, empatando em 1-1. Assim, em 15 de janeiro de 1939 Arico reestreou pela Albiceleste. E em um jogo histórico: em pleno São Januário, a Argentina goleou o Brasil por 5-1 pela Copa Roca. Essa foi a pior derrota brasileira em casa no século XX. E, sim, foi superada somente pelos 7-1 alemães.

Intenso no Superclássico. E ensinando castelhano a dois brasileiros do Boca: fazia sentido deixar isso para o espanhol do time…

Uma semana depois, em 22 de janeiro, também no campo vascaíno, houve um pequeno troco brasuca por 3-2. Sem saldo como critério de desempate, a Copa Roca de 1939 foi prolongada em mais duas partidas, realizadas já em fevereiro de 1940. Até lá, o Boca decaiu para 6º lugar no campeonato de 1939, mas com Suárez mantido na seleção, que em dois jogos em agosto em Assunção obteve a Copa Chevallier Boutell, versão da Copa Roca contra os paraguaios – os resultados foram 1-0 no dia 13 e 2-2 no dia 15.

Em fevereiro de 1940, os argentinos então voltaram ao Brasil para definir a Copa Roca de 1939, dessa vez no Pacaembu. O empate inicial em 2-2 no dia 18 foi seguido de triunfo hermano por 3-0. Em março, foi a vez da Copa Roca (dessa vez válida por 1940) ser disputada em Buenos Aires. No dia 5, inapelável 6-1 dos portenhos. No dia 10, porém, os brasileiros venceram por 3-2, evitando provisoriamente a conquista argentina. E com aquela ajuda de Suárez. Foi nessa derrota, com o resultado ainda em 1-1, que Suárez impediu que o astro José Manuel Moreno (autor de três gols naquele 5-1, e considerado tecnicamente superior a Maradona pelos portenhos mais antigos) cobrasse uma penalidade.

A bola havia batido na mão não-intencionada de Zezé Procópio. Suárez, que nunca marcou gols pela Argentina, mandou para fora aquela chance de ouro. O gesto não foi inédito, havendo antecedentes nos anos 20, mas jamais foi repetido. Foi recompensado com a terceira partida pela Copa Roca de 1940: Argentina 5-1 no dia 17. Suárez esteve em todos esses jogos e ainda defenderia a Argentina mais uma vez, em 18 de julho de 1940, derrotado por 3-0 pelo Uruguai em outra taça binacional, a Copa Héctor Gómez. Mas terminou sorrindo ao fim do ano: seu Boca, após jejum incomum de meia década naqueles tempos, voltou a ser campeão.

Já veterano, estendeu a carreira por mais dois anos, sem titularidade. Foram treze partidas pelo campeonato de 1941 e oito pelo de 1942. Seu posto estava muito bem ocupado pelo herdeiro Natalio Pescia, primeiro jogador a servir o clube por quinze anos e quem hoje nomeia justamente o lance das arquibancadas da Bombonera hoje se situa a temida La 12. Suárez viveu até 18 de abril de 1979, a tempo de saborear no fim da vida dois títulos mundiais no ano anterior: o primeiro da sua Argentina de adoção, em 25 de junho; e o primeiro do Boca, em 1º de agosto.

Dos quatorze europeus que defenderam a Albiceleste no século passado, somente ele fez em Copa do Mundo e, embora só tenha feito doze partidas oficiais, foi também o recordista de partidas. Sim: o único a supera-lo nos dois quesitos é Gonzalo Higuaín…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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