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Argentinos decidiram a Libertadores enquanto brigavam contra o rebaixamento nacional

Quem torce o nariz para a dominância do Real Madrid na Liga dos Campeões tem como argumento básico o time merengue só “funcionar” por “três ou quatro meses no ano”, quando ocorre os mata-matas da Liga dos Campeões, enquanto ao longo do ano há times mais vistosos a se ver. Não é algo novo no futebol e os argentinos bem sabem. Se Riquelme já disse que a “Libertadores começa no mata-mata”, são Independiente e Estudiantes os melhores exemplos de uma dominância continental a nem sempre refletir no próprio país.

Estudiantes e Independiente detém o recorde de títulos seguidos na Libertadores. No fim dos anos 60, o time de La Plata emendou três títulos seguidos – e quatro finais -, até então o recorde do torneio, suficientes na época para fazer dos pincharratas os maiores campeões de La Copa na época ao lado dos três do Peñarol. Nos anos 70, foi a vez do time de Avellaneda emendar uma sequência ainda recordista de quatro taças na “Liberta”.

Só que as estatísticas matemáticas não significam que as trajetórias foram tranquilas. Por muito tempo, o Estudiantes foi um equivalente argentino do Nottingham Forest, detentor de mais títulos internacionais do que domésticos. O Pincha venceu com autoridade o Metropolitano em 1967 (o segundo título argentino da sua história e o primeiro em mais de 50 anos), mas classificou-se à Libertadores de 1968 na realidade como vice do Nacional de 1967.

Curiosamente, o Estudiantes venceu a Libertadores de 1968 sobre um adversário que igualmente ia mal no próprio território: o Palmeiras, de forma incomum para a época do Brasil, valorizou tanto a Libertadores que chegou a ser ameaçado de queda no Paulistão. Na matéria alusiva à conquista alvirrubra, mencionamos esse paradoxo.

Mas em 1968 o time de Juan Ramón Verón não deixou de ser forte em casa: no Metropolitano de 1968, foi vice do Metropolitano, na conquista histórica do San Lorenzo (primeiro time campeão invicto no profissionalismo). Já no Nacional (uma espécie de Copa do Brasil sem mata-mata do início ao fim, sem haver rebaixamento), o time foi antepenúltimo.

Em 1969, beneficiado pelo regulamento que premiava o campeão da Libertadores com vaga na semifinal, ficou em terceiro no seu grupo no Metropolitano e décimo no Nacional. Em 1970, venceu pela terceira vez seguida a Libertadores enquanto foi 16º o Nacional, escapando nos critérios de desempate de brigar contra o rebaixamento: os times colocados entre 17º e 20º se envolveram em um heptagonal contra os três primeiros da segundona (nem o “campeão” dela teve acesso garantido!) pelas vagas na elite.

Independiente x Estudiante decidiram os torneios argentinos em 1982 e 1983, após sequência de títulos na Libertadores

O Estudiantes em 1970 chegou inclusive a levar de 4-1 do Gimnasia no Clásico Platense., assim como o Real Madrid levou de 4-0 do Barcelona em pleno Bernabéu nessa temporada. Em 1971, o time de La Plata ainda chegou a nova final, mas sem passar de 13º lugar, com quatro pontos a mais que o rebaixado Platense no Metropolitano.

Já o Independiente classificou-se à Libertadores de 1972 após muita reviravolta. Na época, o Metropolitano ainda não fornecia vaga automática ao torneio. E nessa competição o Rojo só venceu após vacilada incrível do líder Vélez na rodada final: jogando em casa, o Fortín foi derrotado de virada pelo instável Huracán e terminou ultrapassado pelo Rojo. Mas para se garantir no continente, ainda precisou superar o vice do Nacional (o Rosario Central) em tira-teima.

De 1972 a 1975, as campanhas domésticas do Rojo foram essas: 11º no Metro e 7º de doze times no seu grupo no Nacional em 1972; 4º no Metro e 8º de 15 times no seu grupo no Nacional em 1973; 5º em grupo de nove times no Metro e 5º no octogonal final do Nacional em 1974; 13º e 3º no grupo de oito no Nacional de 1975, justamente a campanha mais errática: nela, o detentor dos três títulos anteriores iniciou a fase de semifinal (na época, um triangular) perdendo as duas primeiras partidas, precisando vencer a última por 3-0 para se classificar.

Foi exatamente o que aconteceu. Com direito a gol olímpico, o Independiente venceu o Cruzeiro por 3-0 em Avellaneda, tirando a vaga dos mineiros. Chega a ser até cômico ler as lamúrias brasileiras na época, sabendo que um ano depois a Raposa venceria o torneio: “o Cruzeiro chora o impossível. Desde 1963, com o Santos, o futebol brasileiro não tinha chance tão grande de conquistar a Taça, acabar com a banca de argentinos e uruguaios”, ressaltava reportagem da época na Placar. “Temos problemas sérios na defesa. Desde a saída do [Roberto] Perfumo, tudo se complicou”, destacou o cruzeirense Dirceu Lopes.

Outro mineiro, o goleiro Raul, não se conformou: “foi sorte deles. Não gostei do Independiente. É um time grosso, que só dá chutões”. Assim constou na Placar pós-jogo, que também registrou assim: “Galván e Percy Rojas exibiam uma boa técnica na armação de jogadas rápidas de ataque; Balbuena ganhou sempre de Vanderlei; Bertoni deu um suadouro em Nelinho; e Bochini (…) fez uma partida primorosa. Acima de tudo, porém, o Independiente procurou subir em conjunto, com um lindo toque de bola – ironicamente parecido quando o Cruzeiro procura o gol”, concluía a reportagem brasileira pós-jogo.

A Placar também assinalou que “não importa que o segundo gol, olímpico, aos 20, fosse um lance isolado. Importa que Balbuena aos 12, Bochini aos 15 e Ruiz Moreno aos 16 tenham perdido chances incríveis (…). E que quando Ruiz Moreno marcou o terceiro, Dirceu Lopes e Palhinha já tinham perdido o fôlego e a capacidade de reação”

Os próprios argentinos também se surpreendiam: “o que digo desta equipe? O que digo outra vez do sexto campeão da América? Que pacto secreto e misterioso mantem com La Copa? (…) Nunca os rojos se enfrentaram a uma Copa tão acidentada e já quase tão perdida como esta. Mas depois, La Copa. O amante que volta a corteja-la com os velhos atributos de sua sedução. La Copa que se vai, que se distanciara definitivamente. Mas que conclui submetendo-se aos efeitos de um costume, desse que vem de muito longe. (…) Em um desses, até a mesma América já tomou afeto do velho proprietário” foi o quase poema publicado na revista El Gráfico.

O Independiente “gostou” do hábito: entre 1988 e 1997, os campeões da Libertadores disputaram a Supercopa Libertadores. E coube ao time de Avellaneda ser igualmente o maior campeão desse torneio. Campeão em 1994, foi bi em 1995 com apenas quatro remanescentes e uma campanha com duas vitórias em oito jogos em contraponto à trajetória de sete vitórias em oito jogos do vice Flamengo… falamos aqui.

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A característica saudação dos anos 60, agora puxada por Serrizuela no Maracanã: mística copeira

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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