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60 anos do maior campeão do Rosario Central: o predestinado Omar Palma

“Uma vez, Maradona te perguntou quem era teu ídolo e você o disse que era El Negro Palma. Qual foi a reação dele?”, perguntou a revista El Gráfico a Kily González, ex-colega de Maradona no Boca… mas torcedor assumido do Rosario Central, onde se formou. A resposta, risonha, foi: “me mandou à merda”. Em seguida, a justificativa: “para mim, Omar é único. Eu o desfrutava todos os domingos como torcedor e depois joguei com ele. Foi um sonho realizado”. Assim, não se surpreenda com eventual homenagem em Arroyito hoje antes do confronto contra o São Paulo pela Sul-Americana: a devoção canalla ao hoje sessentão Omar Arnaldo Palma tem diversos porquês. No mínimo, quatro: campeonato argentino de 1980, segunda divisão de 1985, campeonato argentino de 1986-87 e Copa Conmebol de 1995. Precisamente os títulos levantados pelo Negro Palma. Que marcou gols em todos os jogos decisivos.

Palma vive em Rosario desde os 8 anos, quando mudou-se da província natal do Chaco com familiares, que já tinham parentes instalados na cidade. O pai Gerónimo, cuja renda humilde de funcionário da saúde pública rosarina era complementada pelos diversos trabalhos temporários que o filho precisa se submeter ainda garoto, relutou em cedê-lo ao futebol. Mas eventualmente reconheceu o talento dele (“eu era malandro, sempre estava adiantado na jogada e sabia onde podia driblar”, relembrou o jogador em 2014 à El Gráfico), bastante convocado para as ásperas peladas remuneradas de várzea, e levou-o aos juvenis do Rosario Central. Palma tinha 13 anos. E ainda seguiu trabalhando com feiras, alvenarias e outros bicos até se profissionalizar..

“Foi difícil chegar ao time principal. Comecei quase sempre no banco de reservas nos juvenis. Por isso, houve um tempo em que quis deixar o futebol. Além disso, meus pais tinham que me dar grana e eu não sabia se ficava algo para eles. Mas segui jogando enquanto trabalhava”, explicou, naquela nota de 2014. A baixa estatura o atrapalhava, mas tudo isso durou até ser campeão sub-18. Ainda assim, demorou até os 21 anos para estrear entre os adultos por um jogo de campeonato. Em plena La Bombonera, diante do Boca, foi derrotado por 2-1. Mas marcou o gol do seu time, que formava o elenco apelidado de La Sinfónica.

O próprio Boca terminou eliminado por um ponto na fase de grupos do Torneio Nacional. O Central adiante eliminou nas quartas outro gigante, o Racing, até cair nas semis para o futuro campeão River. Um ano depois, aquele forte elenco conseguiu o título, em final contra a surpresa Racing de Córdoba após eliminar nas semifinais o rival Newell’s. Palma ainda não tinha lugar cativo no time e no coração da torcida; marcou um único gol na campanha. Justamente na partida que praticamente assegurou a conquista, a primeira das duas finais. Afinal, nele os rosarinos bateram os cordobeses por 5-1. El Negro fez o segundo.

A evolução dos títulos de Palma: como coadjuvante em 1980 (ofuscado à direita), goleador em 1987 (jogo decisivo contra o Temperley) e endeusado em 1995

Ele admitiu à El Gráfico: “há um conceito equivocado. Todos acreditam que eu fazia jogar meus companheiros no Nacional de 1970 e foi o contrário. Entrei em uma equipe armada, com jogadores de experiência. Meus companheiros me deram confiança e eu me sentia como se tivesse 30 anos, mas na realidade era um garoto que os seguia. Virei Palma, de verdade, depois de 1983”. Em 1983, a lembrança da Sinfónica já era algo distante: os canallas ficaram em 16º de 19 times. Em 1984, foi 18º e terminou condenado pelos promedios.

Até ali, Palma era um jogador comum na rica história centralista. Entre 1979 e 1984, marcou em no máximo cinco partidas diferentes por temporada. O divisor de águas foi a passagem pela segundona: “vivi meus melhores anos como jogador em 1985, 1986 e 1987. Liderava, brigava pelos contratos e os bichos para o grupo”. Era a moral de quem foi o artilheiro do elenco que de imediato voltou à elite. Foram dez gols e o título da segundona de 1985 assegurado ainda na 38ª de 42 rodadas. Marcou o primeiro gol no empate em 2-2 com o Villa Dálmine que garantiu a festa por antecipação, mesmo concorrendo com o Racing.

O Rosario Central venceu uma segunda divisão ainda disputada do início ao fim do ano, ao passo que a primeira divisão havia introduzido um calendário europeu, iniciando-se em meados de 1985 para se encerrar em 1986. Assim, os canallas passaram o primeiro semestre de 1986 ociosos para então reestrearem na elite, na temporada 1986-87.

Nesse semestre, Palma manteve-se ativo emprestado ao Colón para a disputa da segundona (ainda restrita à Grande Buenos Aires, Rosario e Santa Fe) realizada ao longo daqueles seis meses, em que classificaria os quatro primeiros de cada grupo à temporada que instituiria para 1986-87 uma segunda nacionalizada, sendo reagrupados com campeões das ligas do interior. Pelo Sabalero, marcou cinco vezes nas dezoito rodadas e o time de Santa Fe pôde assegurar a quarta e última vaga do Grupo B para permanecer na segunda divisão.

No River, seu melhor momento foi em pleno Superclásico: Boca vencia por 2-0 e ele marcou o último da virada para 3-2

Palma então voltou ao Central para realizar a temporada da sua vida: foram vinte gols e a artilharia da primeira divisão de 1986-87, conduzindo os auriazuis a seu quarto título na elite, em raríssimo bicampeonato da segunda com a primeira divisão (algo até hoje único no profissionalismo argentino). Para reforçar as gozações em Rosario, o vice foi justamente o rival Newell’s. O jogo do título foi em visita ao Temperley, que ganhava por 1-0 até Palma, de pênalti, empatar aos 17 minutos do segundo tempo. É até hoje o último título canalla na elite argentina.

Apesar da conquista, Palma não recebeu chances na seleção que disputou a Copa América. Jamais defendeu a Argentina e essa ficou como sua grande mágoa: “minha conta pendente foi a seleção. Acredito que merecia uma oportunidade para ser convocado nos anos 80, porque tinha nível”. O clube, precisando de dinheiro, não viu saída a não ser vender seu astro ao River. Palma, a contragosto (“eu queria ficar para jogar a Taça Libertadores, e acredito que, se não fosse, a ganharíamos. Porque sou um cara vencedor”), chegou ao clube que havia acabado de vencer a Libertadores e o Mundial.

Mas a ressaca em Núñez foi intensa: o treinador Héctor Veira, apesar do feito, não teve o contrato renovado. Assumiu Carlos Griguol, mais conhecido pelo futebol de resultados do que pelo vistoso. O Millo não conseguiu brigar pela taça em 1987-88 nem Palma pôde sobressair-se, com cinco gols – um deles, por sinal, foi o segundo em vitória por 2-1 sobre o Central dentro de Arroyito. O gol mais marcante, porém, foi o primeiro que marcou pelo novo clube, já na 15ª rodada.

Em casa, o River perdia o Superclásico por 2-0, mas conseguiu virar a partida, sendo de Palma o terceiro gol sobre o Boca. Para a temporada seguinte, o clube voltou atrás em prol do futebol-espetáculo contratando César Menotti, mas a campanha outra vez não foi empolgante. Palma só marcou duas vezes na temporada 1988-89, uma delas em 4-1 sobre o Newell’s. El Negro foi vendido ao futebol mexicano, reencontrando no Veracruz os argentinos Jorge Comas e Miguel Ángel Gambier, e depois o ex-colega Edgardo Bauza, companheiro do Central campeão em 1980 e 1987.

Com a Copa Conmebol 1995, seu último título

Os títulos não vieram no futebol asteca, mas Palma ficou bem recordado nos Tiburones Rojos, em especial por um gol com arranque de quarenta metros e dribles em amistoso em 1990 contra o Real Madrid. Aos 34 anos, acertou então um retorno a Arroyito. Na sua ausência, quem vinha sorrindo em Rosario era o Newell’s: campeão em 1988, 1991 e 1992, além de chegar duas vezes à final da Libertadores. Estendeu a carreira por mais seis temporadas, parando aos 40, em junho de 1998.

Mais armador do que centroavante, voltou a marcar em até três partidas por temporada. Foi só no Apertura 1995 que marcou pela primeira e única vez no Clásico Rosarino, em vitória por 2-0 sobre o Newell’s em 12 de novembro. A falta de mais gols não o fazia menos pé-quente na rivalidade: em 21 duelos contra o rival, Palma só foi derrotado três vezes. Mas o que ficou mais lembrado naquele segundo semestre de 1995 foi outro gol, o primeiro na decisão por pênaltis na final da Copa Conmebol.

“Valorizo os quatro títulos que obtive no Central. Embora em 1987 tenha sido campeão, artilheiro e melhor jogador, La Copa que ganhamos em 1995 foi uma loucura. Revertemos um 4-0 após o jogo de ida da final. Terrível!”. Depois de perderem por esse placar em Belo Horizonte para o Atlético Mineiro, os rosarinos encerraram o primeiro tempo no Arroyito já com um 3-0. Palma, girando sobre a marcação de Doriva, iniciou a jogada do primeiro, concluído por Rubén da Silva (que por sinal fez ontem 50 anos). Ao fim da partida, veio o 4-0 que forçou aqueles pênaltis demais até para Taffarel, deslocado pela cobrança de Palma. Que, sem falsa modéstia, também declarou o seguinte à El Gráfico:

“É difícil ser ídolo em um clube tão passional. No Central, não há meio termo: te adoram ou não. Se as pessoas gostam de mim, é por tudo o que lhes brindei. Sem desmerecer monstros que jogaram na instituição, como Kempes, Poy, Gramajo, o que eu fiz ninguém fez. Sou o jogador mais vencedor da história do clube no profissionalismo. É um orgulho. Marquei algo diferente no Central, não sei se por minha forma de jogar ou o quê. Talvez por isso, meu nome se associe ao bom futebol do clube. Me viram jogar gente de quase todas as idades. ‘O que jogava El Negro Palma’, ainda dizem. O que fiz ficou gravado porque sempre me esforçava para a equipe e era ganhador, tinha um amor próprio bárbaro. Quanto valeria meu passe hoje? Uf, acho que muito. Eu teria que ter nascido nessa época!”.

Quando a revista El Gráfico elegeu em 2012 os maiores ídolos do Rosario Central, pôs Palma como o mais recente dos semideuses. Nesse quarteto com Bauza, o bigodudo Poy e o matador Kempes, só El Negro não defendeu a seleção

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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