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20 anos do último título nacional de um gigante: como o Independiente demoliu o Apertura 2002

Originalmente publicado no aniversário de 15 anos, em 01-12-2017 – e revisto, atualizado e ampliado

A virada de novembro para dezembro vem sendo cada vez mais um período de reflexões para quem já foi (e ainda se proclama) o Rey de Copas. Em 28 de novembro, o Independiente relembrou novo aniversário do seu primeiro título no Mundial Interclubes e em 9 de dezembro será a vez de recordar não só o segundo, como também o desafogo representado pela primeira conquista na Sul-Americana – a encerrar quinze anos de seca internacional, desde o Maracanazo celebrado a cada 6 de dezembro desde a Supercopa em 1995. Por fim, 13 de dezembro se fará meia década do segundo Maracanazo (e da segunda Sul-Americana) e também da última taça até hoje adicionada às vitrines de um estádio que se chama Libertadores de América. Em meio a isso, 1º de dezembro assinala um jejum cada vez maior. Já são 20 anos sem títulos argentinos à terceira maior torcida do país. Hora de exaltar o Apertura 2002, seja pelo marco temporal, seja por vir com o estilo refinado tão apreciado e exigido no Rojo: com 48 gols, teve o ataque mais goleador dos torneios curtos no século XXI, em piano carregado por um jovem Pablo Guiñazú. Vale assim atualizar este outro Especial.

Da lanterna de um torneio ao título na edição seguinte

O próprio festejo em 2002 encerrava outro hiato expressivo. A Supercopa 1995 havia sido o troféu anterior, o que representava sete anos de jejum absoluto. Já na liga argentina, a esperava datava desde 1994. Miguel Ángel Brindisi, o técnico do título argentino anterior, opinou as diferenças de contexto que vivera e o do comandante em 2002: “para além dos inumeráveis méritos que acumularam os jogadores e o corpo técnico ao longo da campanha, me parece que o fundamental para este logro foi que El Tolo Gallego achou a equipe desde a primeira rodada. Achar a equipe não é nada simples, diria que é algo mágico, um dos grandes mistérios do futebol. Às vezes, o treinador acha rápido, como neste caso, e em outras oportunidades não aparece jamais. Por mais mudanças e variantes que alguém teste, não há jeito. Não aparece. Para mim, me custou achar. Aquela equipe campeã do Clausura 1994 só apareceu na 14ª rodada [de 19]. Depois se consolidou e teve seu melhor momento na Supercopa, que também tivemos a sorte de ganhar”.

Américo Gallego era apelidado de Tolo não por problemas conhecidos de maturidade, mas por ser a abreviação do nome de um antigo cavalo de estimação que tinha na infância. Havia sido mesmo um volante inteligente a ponto não só de ser titularíssimo na Argentina vencedora da Copa do Mundo de 1978, como até para deter até o fim dos anos 80 o recorde de jogos pela seleção. Mas o apelido, naquela altura da sua vida, poderia mesmo ter outro significado. Logo ele, ainda o único técnico campeão argentino de modo invicto com o River, em 1994, saíra pelos fundos dali, em meados de 2001. Estava visto como canastrão por declarações que não sustentavam a soberba, diante de dois campeonatos argentinos seguidos por derrapagens inesperadas na penúltima rodada enquanto o arquirrival emendava duas Libertadores.

Chegava-se inclusive a ponto de creditar o próprio título de 1994 e a conquista do Clausura 2000 mais ao legado deixado pelos antecessores imediatos (respectivamente Daniel Passarella, que logo o levara consigo para ser seu auxiliar na seleção entre 1995-98, e Ramón Díaz, prontamente reconvocado para substitui-lo e logo campeão, no Clausura 2002) do que por méritos próprios do Tolo. Também não ajudava muito Gallego a ausência de qualquer passado a serviço do Independiente (embora fosse um desejo assumido nos tempos de jogador, em 1980) quando assumira o time, em abril de 2002, após “dez meses de abstinência laboral que para ele são como trinta por sua ansiedade” – em aspas tiradas do perfil dedicado ao comandante na edição especial pós-título publicada pela revista El Gráfico, a conter aquela referida opinião de Brindisi.

Américo Gallego (à direita, orientando Federico Domínguez): o volante da Argentina de 1978 dava uma volta por cima como treinador

Gallego assumira um plantel à deriva para as sete rodadas finais do próprio Clausura 2002. E ainda mantinha sua famosa empáfia: mesmo recebido sob desconfianças da nova torcida, prometia no mínimo cinco vitórias naquela série. Não conseguiu nem mesmo uma. E o gigante, pela única vez, viveu a lanterna de um campeonato. Até mesmo a vitória no clássico com o Racing não podia ser creditada a ele, e sim à decepcionante dupla técnica que lhe antecedera, formada pelos imortais Ricardo Bochini (ídolo-mor do clube) e Néstor Clausen (único titular em troféus continentais que o time teve nos anos 80 e nos 90). Não venceu nem mesmo os três amistosos seguintes ao final da temporada, até enfim desencantar com um 2-0 no Libertad, em 14 de julho. A diretoria teve calma de minimizar os números frios e notar que ao menos o plantel estava cativado pelo Tolo. E de preparar um pacote generoso de reforços.

A origem do dinheiro em caixa também servia de um atenuante esportivo: Diego Forlán havia rumado ao Manchester United ainda naquele primeiro semestre e deixara órfão o ataque rojo. Outro a pegar o caminho para Manchester, em tempos modestos do City, havia sido Matías Vuoso (futuramente naturalizado pela seleção mexicana). O administrador Daniel Grinbank buscaria assim mais de meio time-base para o campeonato seguinte e não deixaria de se gabar ao fim: “se não houvesse começado com este projeto, o Independiente estaria para ir à Série B”. Na pré-temporada, Gallego ia no mesmo tom: “não há desculpas. Se tenho que pensar na Promoción com esta equipe que me armaram, tenho que me dar dois tiros na cabeça. Temos que mirar na parte de cima”.

Promoción era o nome dado à antiga repescagem que opunha os dois piores não-diretamente rebaixados na tabela de promedios com o 3º e o 4º melhores times da segunda divisão. Havia, claro, o risco de não chegar-se nem mesmo a essa sobrevida: a lanterna do Clausura 2002 faria o Rojo começar a temporada 2002-03 acima de apenas cinco clubes nos promedios: Nueva Chicago, Lanús, Unión, os outros que escaparam da degola da temporada 2001-02, e os recém-ascendidos Olimpo e Arsenal. Para se ter uma ideia, dez anos depois, na temporada 2012-13, quando o Independiente enfim terminou sendo mesmo rebaixado (com tanto Gallego como o citado Brindisi sendo chamados de urgência como bombeiros, inclusive), havia começado sete colocações à frente do antepenúltimo nos promedios.

Quem já estava no elenco presenteado a Gallego em 2002 era o capitão, Gabriel Milito. Boa parte da campanha lanterna no Clausura de 2002 deveu-se exatamente à ausência do Mariscal na defesa. Havia rompido os ligamentos do joelho no ano anterior e, após cinco temporadas, aquele veterano de 22 anos (e que com 16 anos já defendia o elenco sub-20) enfim podia ser campeão pelo clube que ama… após precisar superar ainda o drama extracampo do sequestro do pai. Quanto ao time, dez torneios já haviam se passado desde que o zagueiro fora profissionalizado. Se conseguira no máximo um vice-campeonato, no Clausura 2000, e um 5º lugar, no Clausura 1999. De resto, fora 7º no Apertura 1997, 9º no Apertura 1999, 10º no Clausura 1999 e no Apertura 2001, 14º no Apertura 2000, 16º no Apertura 1999, 17º no Clausura 2001… e então, ainda que sem Gaby (e sem Forlán), lanterna no Clausura 2002. Até mesmo a razoável temporada de 1996-97, sob direção do lendário técnico vencedor da Copa 1978, César Menotti (vice no Apertura e de um enganoso 4º lugar no Clausura), era uma realidade distante.

O xerife Gabriel Milito e o artilheiro Andrés Silvera, em imagens tiradas da edição especial em que a El Gráfico escolheu em 2011 os cem maiores ídolos do Independiente

Àquela mesmo revista pós-título, Milito buscou contextualizar: “não foi nada fácil, mas tampouco se pode colocar toda a culpa nos jogadores. Porque pelo lado da condução, o clube tampouco se pareceu em nada ao de outras épocas, o da Gran Familia Roja. Antes, o Independiente era um clube modelo a nível mundial, havia superávit todos os anos, comprava os melhores. Hoje é tudo sob empréstimo. Me lembro de que no sub-13, quando eu apenas começava, nos pagavam um prêmio por ganhar, era pouquinho, não sei, dez pesos, mas hoje até aos do time adulto custa combinar os prêmios”. A revista também buscou saber mais da intimidade através da dupla de roupeiros (um deles, filho de Santiago Torrado, roupeiro dos tetracampeões de Libertadores nos anos 70), ambos comovidos em especial com ele: “Gaby é tudo dentro deste plantel. Apesar de ser um dos mais jovens, é uma das vozes de mando que tem o gripo e ninguém aqui dentro vai te negar que é um grande cara. Por isso foi tão dura para todos nós a semana em que sequestraram seu pai. Não víamos a hora de que tudo terminasse bem”.

Depois de ganhar diversos títulos com o Barcelona e até uma Copa do Rei pelo modesto Real Zaragoza, Milito, herdeiro de uma família materna toda torcedora do Rojo (o pai é Boca e o ilustre irmão Diego Milito fez-se racinguista por influência da família de um primo), declarou em 2015 que nenhum lhe deu tanta alegria como o de quinze anos atrás: “era meu primeiro título, era com o meu clube. Depois de ter visto na arquibancada grandes equipes campeãs do Independiente, me ver nessa situação foi bonito”. Inclusive porque, na vizinhança, até mesmo o Racing recentemente pudera encerrar (com o próprio Diego Milito despontando) o famoso jejum de 35 anos sem ser campeão argentino, no Apertura 2001. A torcida rival jurava assim ter um título a mais na liga, 16 contra os 15 do Rojo, na soma da era profissional, oficializada em 1931, com o amadorismo.

Outro que já estava no elenco antes da profunda reformulação planejada por Grinbank foi o principal responsável pelo recém-lanterna saltar para um campeão com 2,53 gols por jogo; tal como Milito, Andrés Silvera tampouco tivera maior espaço no Clausura 2002, mas por outras razões. Os 48 gols dos campeões do Apertura foram a segunda melhor marca desde a instituição dos torneios semestrais, abaixo somente dos 52 no Apertura 1996 de um River recém-campeão de Libertadores. No século XXI, só o Boca foi além, com um gol a mais – porém, em um torneio de 30 rodadas ao longo do ano de 2015, contra as 19 rodadas disputadas pelo Independiente de 2002. Gallego, tão criticado como suposto treinador retranqueiro, respondia com um time com 16 gols a mais que o Boca e 13 a mais que o River.

Daqueles 48 gols ao todo, 16 levaram a assinatura de El Cuqui, um ponta que fez bigode, cabelo e quase toda a barba (pois seu estilo mantinha um tufo abaixo do lábio): além de campeão, terminou artilheiro do torneio e considerado o melhor jogador do campeão. Ao menos, foi visto como o de protagonismos mais regulares, com análises frias tecendo que Guiñazú e Hernán Franco (chegaremos neles) tiveram performances também regulares, mas não como papéis principais; que Daniel Montenegro, os dois laterais e Lucas Pusineri (também chegaremos neles) destacaram-se por bons lampejos;enquanto Federico Insúa (idem) e Milito vieram sob uma crescente até arrebentarem de verdade na reta final.

Um dos gols mais providenciais de Silvera: o do 2-1 logo antes do intervalo no clássico com o Racing, quando o Independiente já tinha um jogador a menos. Seria 4-1

A permanência de Silvera em Avellaneda – pois estava para ser devolvido ao Unión de Santa Fe – foi um dos acertos creditados a Gallego, que bancava alguém outrora comparado a Francescoli e a Kluivert, embora o tempo provasse que não chegaria a tanto assim. Mesmo na época, a El Gráfico já reconhecia os exageros. Mas ao mesmo tempo também reconhecia que “o rendimento do Cuqui no Apertura foi coisa séria. Muito séria”. Se acabou não chegando tão longe como aquele título prometia, Silvera teve estrela de vir a participar, em 2007, do único título comemorado no San Lorenzo entre 2002 e 2013 (logo ele, ex-jogador do rival Huracán) e, principalmente, de ser o único remanescente do Apertura 2002 a participar também da volta olímpica seguinte do Rojo: aquela Sul-Americana 2010, sobre o Goiás. Dos campeões de 2002, apenas ele e Milito mereceram perfis de duas páginas em outra edição especial da El Gráfico, a que escolheu em 2011 os cem maiores ídolos do Independiente.

A edição especial de 2002, por sua vez, continha depoimentos mais detalhistas de quem já havia surgido em outro CAI (não o Club Atlético Independiente e sim a Comisión de Actividades Infantiles, time de sua Comodoro Rivadavia natal, na Patagônia): “cheguei ao Independiente com todos os sonhos. Tinha feito uma boa temporada no Unión e tinha uma fé cega em mim para triunfar em um grande da Argentina. Comecei bem, com um golaço no Vélez na estreia, mas depois paguei muito caro o preço de não ter feito uma pré-temporada integral, porque quando cheguei ao Independiente já a haviam feito. Tive duas distensões e isso me tirou a continuidade que precisava para demonstrar minhas condições. No cúmulo, quando saiu Enzo Trossero – o técnico que confiou em mim para que chegasse ao Independiente -, Néstor Clausen agarrou a equipe e me teve muito pouco em conta. Essa etapa foi duríssima. A passei realmente mal. O técnico não me dava explicações e eu tratava de me matar nos treinamentos, mas não havia jeito que desse. Ainda que metesse cinco gols nos treinos, no domingo jogava outro”.

A revista pós-título tinha depoimentos elogiosos até daquela dupla de roupeiros, que referiam-se a ele como o mais pontual e primeiro a chegar nos treinos. E outras palavras do ponta: “quando assumiu El Tolo Gallego, a alma me voltou ao corpo. Senti que voltava a brigar em igualdade de condições com meus companheiros. E agora não só pude fazer a pré-temporada cheia, mas também me deram uma dieta para que pudesse subir de peso. Sempre me custou me recuperar de uma partida a outra. Mas desde que me deram uma dieta mais balanceada, pude sustentar esses três ou quatro quilinhos fundamentais para me sentir mais forte, com ar para correr sem problemas durante os 90 minutos, com polenta para suportar o choque com os defensores contrários. Sou sincero com vocês: nunca me propus a ser o goleador do campeonato. Eu sabia que com uma pré-temporada por cima, podia brigar com o posto com qualquer um. E estava tranquilo porque El Tolo pediu que não me vendessem. Tinha confiança em mim, algo importante para todo jogador. Por isso, disse que celebrei mais o fechamento da janela de passes, que me garantiu a continuidade no clube, do que o gol no Racing”.

Federico Insúa era outro reaproveitado dos lanternas do Clausura. Joia dos Argentinos Jrs, que acabaria imediatamente rebaixado sem El Pocho, estava confiante. Ao menos ao fim da oitava rodada, quando marcar três gols no 6-2 sobre Chacarita do icônico goleiro Carlos Navarro Montoya: “do jeito que se armou esse grupo, a Promoción não me preocupa. Minha sensação é de que podemos muito mais. Além disso, quando vejo como as pessoas nos acompanham, me dá uma motivação terrível”. Insúa seria exatamente o vice-artilheiro do elenco, com sete gols. E faria uma admirável dupla de camisas 10 com um reforço que não era exatamente uma cara nova: o meia Daniel Montenegro já havia passado bem no clube, naquele vice-campeonato no Clausura de 2000. Formado no Huracán, outro ambiente onde é ídolo, El Rolfi havia sido vendido em 1999 ao Olympique de Marselha. Mas nunca pôde deslanchar na Ligue 1.

Federico Insúa e Daniel Montenegro, a dupla dinâmica de camisas 10 – embora Montenegro, por chegar depois, ficasse com a 23 nas costas

Os franceses já o haviam emprestado ao Rojo naquele 2000 e voltaram a cede-lo em 2002 ao futebol argentino: Montenegro começara o ano precisamente no Huracán, com o qual fora eleito o melhor jogador do Clausura. Nas voltas da vida, o meia seria outra figura de 2002 a vivenciar o rebaixamento do Rey de Copas, em 2013. E não só. Ele permaneceu na campanha de acesso imediato, ainda que na dependência de um constrangedor tira-teima pela terceira vaga com… o Huracán, seu clube assumido do coração: “me senti mal, mas o certo é que eu queria ganhar com o Independiente, vínhamos lutando fazia um ano, uma etapa duríssima. Xinguei, porque tenho muitos amigos do Huracán. Por que calha a mim chegar nessa situação? Por sorte, em seis meses o Huracán também subiu”. Essa declaração foi dada já em 2015, ocasião em que admitiu que é mais xingado pelo torcedor do Racing do que do rival huracanense San Lorenzo: “lhe meti muitos gols e não perdi nenhum clássico. O do San Lorenzo tampouco gosta de mim, mas se escutares a rua falar, creio que o do Racing me xinga mais”.

Em suas diferentes passagens pelo Independiente, Montenegro acumulou nada menos que seis gols no Clásico de Avellaneda. Dois deles, os primeiros, em um 4-1 naquela campanha. Ainda se deu ao gosto de enfim conviver ao lado do irmão, Ariel Montenegro (de apenas duas partidas, é verdade), pois antes estavam folcloricamente divididos pela rivalidade Huracán e San Lorenzo, o ex-clube de Ariel. Os companheiros de Rolfi e de Insúa no meio também se destacariam, mesmo com muita gente recém-chegada a um ambiente onde “a seca de títulos dava medo, mas a de futebol dava ataque de nervos. Mais de dez anos atrás havia passado do vaivém do relógio que regulava Bochini ante os assentos de uma plateia hipnotizada. Somente [Daniel] Garnero havia conseguindo um presente de 10 em 1994, com aquela associação lírica que compôs junto a Gustavito López. Desde então, poucas gotas doces caíram sobre os paladares exigentes, à exceção daquele período menottista que reviveu a essência, mas não logrou saciar a sede das vitrines”, em outras palavras daquela El Gráfico pós-título.

Aquele meio-campo era completado, inicialmente, por dois cães de guarda: Pablo Guiñazú (“uma das três peças-chave, junto com Montenegro e Milito. Pablo é um dos distintos, não demos voltas. É preciso dizer que esse garoto cumpre com todos os requisitos”, exaltou Raúl Savoy, emblema do elenco vencedor da primeira Libertadores, em 1964), outro sobrevivente dos lanternas do primeiro semestre, e Diego Castagno Suárez. Ambos, curiosamente, reforçavam o numeroso contingente de gente formada no Newell’s, o que incluíam o próprio técnico Gallego e seu assistente Roque Alfaro: a equipe rosarina havia lançado também o zagueiro Hernán Franco, o goleiro Leonardo Díaz e o lateral-reserva Raúl Damiani – contratado já pouco antes da 2ª rodada. Castagno Suárez e Leo Díaz, que chegavam juntos, tinham ainda outra camisa sangre y luto em comum, a do Colón. Pela qual haviam sido inclusive ambos estraga-prazeres do Independiente, meia década antes.

Na temporada 1996-97, aquele Independiente de César Menotti foi vice do Apertura, mas sem oferecer concorrência palpável até o fim a um River arrasador. No Clausura, contudo, o Rojo encantou, e muito. Com direito, inclusive, a um 6-0 em plena Santa Fe sobre o próprio Colón da dupla Díaz e Castagno, duelo direto que valia a liderança: a ponta era dos santafesinos até aquela humilhação na 15ª rodada, quando virou roja. Só que o torneio foi pausado para a Copa América e o bom trabalho de Menotti fez o treinador atrair e Sampdoria e não hesitar em rumar à liga mais atraente do mundo na época, a italiana. Nas quatro rodadas que restavam, retomadas um mês e meio depois, o novo líder até começou vencendo, mas saiu de campo sem vitórias nas três seguintes. Viu o River ser novamente campeão e, na rodada final, acabou ultrapassado também por Newell’s e Colón. Com o River campeão dos dois torneios da temporada 1996-97, abriu-se uma vaga argentina extra na Libertadores 1998, disputada em jogo-desempate pelos vices. E Díaz e Castagno riram por último, com o triunfo de 1-0 bastando como vingança pelos 5-0…

Castagno Suárez, Pusineri e Ríos no lance mais famoso do título, contra o Boca. À direita, Guiñazú: esses quatro se revezavam pelas outras três vagas com Insúa e Montenegro no meio-campo

Uma vez em Avellaneda, o goleiro então teve a bênção do melhor nome que o Independiente já teve na posição, Miguel Ángel Santoro: “chegou do Colón, onde recebia média de 20 ou 30 boladas por jogo. E podia ter alguma falha ou lhe podiam fazer algum gol, mas costumava ter grandes atuações na maioria das vezes. Entretanto, agarrar no Independiente é diferente porque no goleiro chegam cinco ou seis bolas. Um erro pode custar um resultado. Então não é o mesmo agarrar em um clube como no outro. Leo custou adaptar-se ao grupo, ao clube, à torcida e à pressão de uma equipe que devia sair campeã. Mas o técnico confiou nele quando não estava em seu melhor momento, porque sabia que finalmente ia reverter essa situação. E por sorte, assim foi. E ficou demonstrado que além de ser um garoto muito tranquilo, conhece perfeitamente o ofício”.

Já o volante foi assim avalizado por Hugo Pérez, titularíssimo da vistosa equipe de 1994 e capaz de ter ido à Copa do Mundo daquele ano ainda antes dos títulos comemorados entre 1994-95: “um jogador muito respeitoso à sua posição. Me refiro que esteja sempre diante da linha de quatro, alistado no meio, e que cubra bem as costas dos laterais. Porque Serrizuela ataca, Fede Domínguez também, e Milito, cada vez que pode, se manda. Por isso, Catagno é a cola de auxílio de todos. Se ele não houvesse estado em tão bom nível, teriam ficado muitos espaços descobertos. No Independiente, é o único homem exclusivo para a marcação no meio , por mais que Guiñazú e Pusineri ponham muitas ganas para ajuda-lo”. Franco, por sua vez, foi defendido por outro membro do timaço de 1994-95, Pablo Rotchen, o último zagueiro a cativar a massa antes de Milito se firmar. A análise foi parecida à do Perico Pérez sobre Castagno Suárez: “não é fácil ser o último homem de uma equipe que ataca muito e que, às vezes, te deixa obrigado a enfrentar no mano a mano ou a defender em inferioridade numérica”.

Outro a merecer respaldo de gente já consagrada na velha Doble Visera – aquele Apertura, aliás, foi o último título rojo vivido naquele antigo estádio, antes de sua demolição para a construção do atual campo Libertadores de América – foi a última peça a chegar em meio a tantos reforços recentes: Lucas Pusineri, que acabaria sendo o terceiro na artilharia interna, com seis gols. E viraria San Lucas ao praticamente decidir o título. A janela de transferência foi fechada entre a 1ª e a 2ª rodadas, mas a AFA admitira uma exceção exatamente para o caso dele, que logo tomaria a vaga habitual de Leonel Ríos. Talismã da Libertadores 1965, o ex-volante Osvaldo Mura falou com propriedade sobre Pusineri (a virar um filho pródigo da casa, mesmo que nenhum retorno, inclusive no papel recente de treinador em 2020, tenha se aproximado do êxito da primeira passagem): “ganhou um lugar à base de sua garra, temperamento e decisão para definir as partidas. Sua virtude é a aparição-surpresa. Por momentos parece que não participa muito do jogo, mas é porque está marcando e ocupando algum lugar chave no meio. A seu grande sacrifício para recuperar a bola e tenacidade para ir sempre à frente, soma seus bons movimentos no ataque. Pelo esforço na marcação, não se nota que alguma vez foi atacante”.

O time-base campeão foi fechado com uma dupla de laterais ambos talhados nas seleções juvenis da Era Pekerman, ambos incomumente ofensivos para os padrões argentinos, ambos escalados inclusive como atacantes de ofício nos rachões matutinos… e ambos sondados pela dupla Boca e River até optarem ambos pela procura pessoal que Gallego dignou-se a fazer por eles enquanto os dois gigantes se limitavam à especulação: Federico Domínguez e Juan José Serrizuela. Ambos também tinham sangue de futebol em suas famílias. Dentro de Avellaneda, este levava vantagem nesse aspecto: era irmão caçula de José Tiburcio Serrizuela, zagueiro titular da Argentina na Copa de 1990 que soubera ser um volante decente na cidade. No Independiente, Tiburcio levantara em 1994 o Clausura e a Supercopa; e, em 1995, a Recopa (marcando o único gol do título) e nova Supercopa. Depois, esteve no Racing semifinalista da Libertadores 1997. Mas o Serrizuela menor tinha razoáveis credenciais próprias na carreira para não viver à sombra do mais velho.

A ofensiva dupla de laterais Juan Serrizuela e Federico Domínguez – à direita, carregado na volta olímpica enquanto se recuperava de uma fratura que o tirou das três rodadas finais

Juanjo havia integrado o Lanús campeão da Copa Conmebol de 1996 e finalista da edição seguinte, além da seleção sub-20 campeã mundial em 1997 e do San Lorenzo vencedor em 2001 em um recordista Clausura e da Copa Mercosul – juntamente com Pusineri, inclusive. Fede, por sua vez, foi o responsável por abrir a linhagem familiar no Independiente. E, antes, no Vélez, onde pudera ser por um tempo colega do irmão caçula, Eduardo Domínguez (breve técnico do Rojo entre 2021 e 2022 após ter levado o Colón ao título da Copa da Superliga). Foi ainda nos tempos velezanos que “Carlos Bianchi presenteava uma caixa de Dom Perignon aos defensores quando faziam um gol. E no dia em que meti o primeiro, me disse que não ia me presentear nada porque eu ia fazer mais de 50 gols ao longo de minha carreira”, gargalhava um dos pilares do título mundial sub-20 de 1995.

Nesse 2022, Domínguez concedeu uma longa entrevista ao La Nación, dando mais detalhes de uma chegada complicada, após ter sido bode expiatório da eliminação velezana na Libertadores como capitão de um elenco que entrara em greve (“não tomei eu essa decisão, decidiu o grupo”) nos treinos: “El Tolo me conhecia e me ligou um dia. Eu estava em conflito com o Vélez, me deviam dois anos e meio de luvas, o país havia explodido, eu tinha a chance de ir ao Querétaro, então agradeci ao Tolo e disse que ia ao México. O negócio foi fechado, mas começou a confusão da dívida, não nos colocamos de acordo e então pedi a meu representante que reativasse o do Rojo. O pessoal do Vélez me maltratou muito por essa saída, e por como se deu. Fiquei como o grande traidor. Voltei na 6ª rodada, pouquinho depois da minha saída. Ganhamos de 2-1, foi uma odisseia. Havia grafites por todos os lados, na porta do vestiário, o pessoal me xingou muito”.

O que ele não soube explicar, a não ser para dar créditos a Gallego, foi como aqueles tantos jogadores recém-chegados que mal se conheciam se deram tão bem tão rapidamente: “se algo caracterizava esse grupo foi a união desde um primeiro momento. Não sei, houve uma questão de pele, de feeling, se deu essa química instantânea. Éramos um montão de jogadores que havíamos chegado do nada e nos entendíamos como se houvéssemos jogado juntos desde sempre. Era nos olharmos e nos movermos naturalmente. Nunca me havia acontecido e nunca voltou a me acontecer. Foi chave o empurre do Tolo. Sua virtude era fazer grupo, como levava a semana, como se integrava ele dentro do grupo. Nos contagiou com um espírito ganhador. Nos treinos era normal, não fazia grande diferença, mas no dia da partida era muito vivo, e em seguida via por onde passava o tema. ‘Se me obedecerem, ganhamos’, nos dizia”.

Como bem observado por Brindisi e corroborado por Domínguez, a formação-base do Independiente estava alinhada desde a primeira rodada. Foi escalada por Gallego em um 4-3-2-1, em Díaz, Serrizuela, Franco, Milito e Domínguez; Ríos/Pusineri (a troca entre eles na titularidade se deu precisamente na 10ª das 19 rodadas), Castagno Suárez e Guiñazú; Montenegro e Insúa; Silvera. Dos nomes reservas, o mais renomado no país é o do refinado meia Christian Gómez, provavelmente o maior ídolo da história do Nueva Chicago (onde El Gomito virou até estátua em 2017), como maestro do elenco verdinegro que subira epicamente da segundona em 2001 e que em 2014 marcou gols nos acessos da terceirona e novamente da segundona. Gómez foi usado ao todo sete vezes no Apertura 2002, sempre vindo do banco. Internacionalmente, o reserva de maior relevo foi um ainda anônimo Mariano Pernía, presente na Copa do Mundo de 2006 como naturalizado pela seleção espanhola, embora naquele Apertura ele ainda só participasse de duas partidas.

O pós-título rendeu o último ano de frequência variada do Independiente na seleção: Gabriel Milito (primeiro em pé), Domínguez (penúltimo em pé) e Insúa (penúltimo agachado) puderam jogar juntos. Guiñazú, como estes dois, estreou em 2003 – e só voltaria em 2011, já com o cavanhaque

Outro reserva a merecer menção é o goleiro Damián Albil, por mais que Leo Díaz só tenha se ausentado de um jogo. É que Albil não só hoje integra a comissão técnica de Scaloni na Copa do Mundo, como treinador dos goleiros da seleção, como também estava no Independiente campeão de 2017 – voltara ao clube em 2016 e era o único remanescente dos campeões de 2002 a dar a volta olímpica pela Sul-Americana sobre o Flamengo, embora novamente como reserva (dessa vez, de Martín Campaña). Vinte anos atrás, a escalação sólida fez mesmo pouquíssimos reservas terem algum gostinho pontual de titularidade: o próprio Albil só começou jogando na 7ª rodada, após Díaz ter sido expulso na anterior e assim precisar cumprir suspensão automática. Exceto pelo revezamento rigorosamente equilibrado entre Pusineri e Ríos até o primeiro se firmar na metade da campanha e pela fratura de Domínguez na 16ª rodada abrir vaga a Juan Eluchans no onze inicial para os três jogos finais, somente o zagueiro Matías Villavicencio (5ª, 7ª e 17ª rodadas), o lateral-direito Damiani (14ª e 15ª), o volante Oscar Bazán (15ª) e o citado Pernía (17ª) também puderam começar jogando alguma vez na campanha.

A falta de espaço dos suplentes não significou ausência de senso de pertencimento nos bastidores: a imagem que abre a matéria une os titulares Franco, Milito e Pusineri, todos uniformizados, junto a dois dos reservas: Gomito Gómez, à direita, está com camisa à paisana, mas é identificado pelo número 9 no calção; o outro personagem, sem camisa, está eufórico mesmo sem ter entrado em campo uma vezinha sequer – é o colombiano Alejandro Botero, o terceiro goleiro na hierarquia com Díaz e Albil. Aquele elenco azeitado e enturmado, contudo, só funcionaria a curtíssimo prazo. Em 31 de janeiro de 2003, Marcelo Bielsa levou para Honduras uma seleção caseira para enfrentar os locais e promoveu as estreias de Guiñazú e Insúa pela seleção principal (curiosidade: o jogo foi cheio de estreias, que incluíram também as de Burdisso, Ponzio, D’Alessandro e Diego Milito, que também atuou pela primeira vez lado a lado com o irmão Gabriel).

Aquela viagem também levou junto Pusineri, mas ele acabou jamais entrando em campo pela Albiceleste, ficando apenas no banco (esquentado junto com Mascherano e Willy Caballero, que viriam a enfim estrear posteriormente). O fraturado Fede Domínguez, uma vez recuperado, faria já em 16 de julho de 2003 sua única aparição pela seleção adulta, exatamente no duelo que marcou a estreia também de Mascherano, ele próprio ainda não profissionalizado pelo River. Contudo, Domínguez, embora oficialmente considerado ainda jogador do Independiente pela AFA na ocasião daquela partida, já estava em litígio com um clube que despencara para 17º de vinte times no Clausura 2003; a conquista do Apertura da temporada 2002-03 só daria vaga na Libertadores já para a edição 2004.

O hiato de um ano inteiro foi demais para tornar aquele timaço algo sustentável: ao longo daquele 2003, Milito rumaria ao Real Zaragoza, Domínguez ao Leganés, Silvera ao Tigres, Montenegro ao River, Insúa ao Málaga, Serrizuela a um Real Mallorca recém-campeão da Copa do Rei, Pusineri ao Saturn (então uma equipe emergente na Rússia) e Guiñazú voltaria rapidamente ao Newell’s antes de juntar-se a Pusi no Saturn. Gallego tampouco ficou. As vagas magras voltavam ao pasto da Doble Visera, a ponto do novo treinador, Oscar Ruggeri, ver necessidade em apressar no segundo semestre de 2003 a estreia adulta de um adolescente de 15 anos chamado Sergio Agüero – verde demais para fazer alguma diferença e deixado de lado quando o Rojo enfim disputou a Libertadores 2004. Altura em que apenas Franco remanescia dos titulares de 2002 no elenco eliminado ainda antes das oitavas-de-final pelo São Caetano.

Montenegro, Milito, Castagno Suárez, Silvera, Pusineri, Guiñazú, Franco, Insúa, Serrizuela, Eluchans e Díaz

Nunca mais o Independiente brigou seriamente até as retas finais pelo título argentino, chegando no máximo, e tão somente duas vezes, a quartos lugares. O que, em contrapartida, reforça – juntamente, também, com o fato de ter sido o último troféu dos cem gloriosos primeiros anos do Rey de Copas, festejados em 2005 – a magia da campanha descrita a seguir.

Jogo a jogo, piano a piano

Em 2001, o título do rival Racing ficou conhecido como a campanha do Paso a Paso (“passo a passo” mesmo, em espanhol) como seu treinador Reinaldo Merlo divulgava, para apaziguar euforias. Américo Gallego usou uma expressão similar. A referência era o ditado italiano piano, piano, se va lontano, equivalente literal ao provérbio “devagar, devagar se vai ao longe”. Por um equívoco, o Piano, Piano foi anunciado como Piano a Piano mesmo. E foi dando certo: a primeira das duas únicas derrotas dos campeões, um 2-1 para o River, só veio já na 9ª rodada. Mas tanto a ameaça de rebaixamento nos promedios como o time interessante que se armava já eram o suficiente para atrair 1.200 sócios novos antes mesmo do torneio começar, enquanto outros 2 mil renovavam os carnês de ingressos – enquanto o apoio racional tardaria até os dias da 3ª rodada, quando o clube enfim conseguiu um patrocinador, a loja de autopeças Taranto.

A última campanha campeã argentina no Rey de Copas também foi permeada com os churrascos que supersticiosamente fechavam a confeitaria do clube todas as quartas-de-feiras, nas ordens de Gallego, cujas crendices incluíam também que Serrizuela escolhesse aleatoriamente a cada semana alguém para ter a cabeça raspada (não deu tempo de aproveitar o elenco inteiro, mas até mesmo um massagista não deixou de escapar). E foi assim resumida até o jogo final pela El Gráfico naquela edição pós-título:

1ª rodada, 27 de julho (Independiente 2-0 Lanús): “vitória duríssima, embora muito merecida. Pareceu que se complicava quando Flores pegou um pênalti de Fede Domínguez. Mas se encaminhou no final, com os gols de Silvera e Eluchans. A propósito: El Cuqui meteu logo de aguentar que [0 ex-racinguista] Carlos Galván lhe voasse meio dente incisivo superior após uma cotovelada. A noite, que havia começado com uma descomunal festa de bandeiras e rojões, se encerrou com um bom agouro: a vitória serviu para romper uma sequência de 14 partidas sem vitórias. Cinco meses que tudo havia sido amarguras”. O detalhe é que o placar só veio a ser aberto por Silvera já aos 42 minutos do segundo tempo, dez após Domínguez perder o pênalti. A paciência que já escapava da torcida foi então recompensada com um segundo vindo logo depois, aos 46.

2ª rodada, 4 de agosto (Gimnasia 1-1 Independiente): “um bom rendimento em um campo complicado. A vitória estava quase na boca após o gol de Fede Domínguez. O Independiente controlou o campo e a bola, também dispôs das situações. Mas não soube resolver e pagou no minuto final, quando Leo Díaz saiu mal em um cruzamento e permitiu o imerecido empate de Choy. Ao Tolo fizeram falta várias horas para sair da calentura. Mas deixou uma frase que o grupo soube assimilar para o futuro: ‘as partidas duram 94 minutos, não podemos nos distrair'”. A revista assinalou ainda que na semana pós-jogo o treinador “torturou” os pupilos com os números: apenas três gols em 33 situações criadas, escancarando a falta de contundência.

Cenas do clássico: o racinguista Diego Milito cavou a expulsão do próprio irmão, com quem duela à esquerda. Mas Gabriel riu por último: 4-1, comemorado à direita por Guiñazú, o técnico Gallego, Ríos e Montenegro

3ª rodada, 10 de agosto (Independiente 3-1 Olimpo): “foi preciso revirar a costa. O Olimpo [de um técnico Julio César Falcioni ainda iniciante] ficou na frente com um gol contra de Leo Díaz e o Independiente deu a volta com uma grande noite de Insúa. A tribuna foi outro carnaval, potencializado pela enfartante estreia de Las Diablitas [as cheerleaders oficiais]. E camuflado entre os gandulas esteve um fã famoso: o tenista Gastón Gaudio”. Insúa diria que seu gol para anotar o 2-1 da virada foi o que mais comemorou na campanha, pois a partida não vinha nada fácil, sob um início ainda incerto.

4ª rodada, 19 de agosto (Racing 1-4 Independiente): a rodada começou a ser jogada no dia 16 e foi concentrada basicamente no dia 17. No caso do Clásico de Avellaneda, acabou adiada para o dia 19 pela indefinição do palco: o mando de jogo era do rival, mas a falta de segurança do estádio racinguista fez a partida acabar parando no campo do River. No primeiro dia de vendas, os bilhetes destinados no Monumental à torcida do Rey de Copas já estavam esgotados, enquanto a equipe treinada por Osvaldo Ardiles mal havia adquirido 10%. Os mais fiéis tiveram então “um gozo para o espírito rojo. Por várias razões: o futebol de alto voo, a dupla estreia de Montenegro na rede, pela festa na arquibancada e pela pólvora refinada que já mostrava Silvera. É certo, houve erros arbitrais, como aquele gol mal anulado de Maxi Estévez. Mas não bastaram para dissimular uma grande produção. Uma bronca? A expulsão de Milito”. Foi o famoso dérbi em que o Milito rival, Diego, causara intriga familiar ao pressionar por um cartão vermelho ao próprio irmão, com o jogo ainda em 1-0, gol de Ríos – Gaby foi expulso ainda aos 19 minutos e o Racing empatou rápido, aos 22, mas Silvera achou aos 44 um gol dos mais oportunos (embora a tranquilidade só viesse aos 32 e aos 39 do segundo, com os dois de Montenegro). O climão no jantar da família Milito logo seria minimizado, com o sequestro do patriarca sobrevindo dias depois.

5ª rodada, 24 de agosto (Independiente 1-1- Newell’s): com Milito suspenso pela expulsão, El Pichi Franco se dispôs a jogar sob infiltração mesmo tendo fissurado um dedo mindinho no jogo anterior. Guiñazú também não foi desfalque, com a diretoria roja certificando-se do blefe rosarino de que haveria alguma cláusula impeditiva. O duelo contra a equipe do jovem Leo Ponzio foi “vibrante e emotivo. Outra vez, camisa azul para alimentar uma superstição. E outra vez um conjunto de situações que não se concretam, a ponto de três tiros pegarem nas traves. Guiña jogou, é claro. E Castagno Suárez, o líder silencioso, pôs a braçadeira de capitão que por um mês não poderia usar Milito. Foi empate com pouco sabor, mas ambos ficavam compartilhando a liderança. E isso não estava mal”.

6ª rodada, 1º de setembro (Vélez 1-2 Independiente): enquanto Gaby se aliviava com a liberação do pai na véspera, o técnico Gallego não afrouxava, destacando os 20 cartões amarelos distribuídos em apenas cinco rodadas ao elenco. O clima era aliviado pela superstição da máquina de Serrizuela, que escolheu Ríos para ser o raspado. Franco foi o talismã, com seu gol da vitória a cinco minutos do fim, mas o foco geral era em Milito: “jogou por pedido de seu pai – esteve na tribuna – e arrebentou. O desenrolar foi fechadíssimo, com chances para ambos. Desequilibraram duas assistências de Serrizuela, chaves para os gols de Silvera e Franco. Reconheceu o próprio Gallego: ‘o empate teria sido o mais justo’. Mas isso importou muito pouco a Fede Domínguez, que mostrou a camisa que tinha debaixo do uniforme, dedicada a seu irmão Eduardo: ‘perdão por isto’ Perdão, mas se matava de rir…”.

Montenegro e Domínguez contra Vélez e Chacarita

7ª rodada, 6 de setembro (Independiente 7-1 Colón): por reiteradamente não conseguir coibir bandeiras maiores de dois metros por um nem pirotecnias, como detectado nos jogos contra Olimpo e Newell’s, o Independiente chegou a ter seu campo interditado, mas um recurso do clube suspendeu a punição ainda antes da mais sonora exibição do campeão. O goleiro Leo Díaz, emprestado, precisou ausentar-se contra o ex-clube, mas o reserva Damián Albil foi apenas espectador entre as traves em “um passeio descomunal. Um concerto do muito e bueno que a equipe foi capaz de fazer quando sintonizou duas armas letais: precisão e velocidade. Houve toques, luxos, golaços… para todos os gostos”. Destaque pessoal a Silvera, ex-jogador do Unión e autor de três gols sobre seu antigo rival em Santa Fe.

8ª rodada, 13 de setembro (Chacarita 2-6 Independiente): o Chaca recorreu ao estádio do Vélez e a antigas estrelas da virada dos anos 80 para os 90, casos não só daquele goleiro Navarro Montoya como também do zagueiro Fernando Gamboa e de ninguém menos que o maior técnico do próprio Independiente, José Omar Pastoriza. No Rojo, a indecisão foi apenas no rito do cabelo: Serrizuela ameaçou Eluchans, chegou a ter peito de anunciar Gallego e Milito mas acabou indo para cima de Eluchans mesmo. O goleador do líder não tinha nada com isso e forneceu “outra exibição. E outra tripleta de Silvera, já se encaminhando ao topo de tabela de artilheiros. A arquibancada o premiou com um grito: ‘para Silvera, a seleção’.”.

9ª rodada, 22 de setembro (Independiente 1-2 River): na superstição “capilar”, Gallego se dispôs a ele mesmo ter os fios grisalhos cortados junto a Milito por Serrizuela em caso de vitória. Foi mesmo um jogo “tremendo. Com ambos jogando tudo em cada ataque. com o Independiente mais voraz, transformando Comizzo [veterano goleiro da Copa 1990] em figura. Com o River mais prático e certeiro saindo no contra-ataque, como no que D’Alessandro aproveitou para cravar o segundo. Caiu a invencibilidade roja, e desde a tribuna do River dedicaram um cantinho irônico a Gallego: ‘corte o cabelo a p… que te pariu’. Mas El Tolo, como que para levantar o ânimo de sua tropa, surpreendeu com uma frase pletórica: ‘agora digo com todas as letras: o Independiente vai ser campeão’.”.

10ª rodada, 29 de setembro (Huracán 0-2 Independiente): a pimenta maior do jogo era a rivalidade pessoal entre os técnicos Gallego e Carlos Babington, cuja curta passagem de treinador do River em 1995 foi permeada por certa campanha contra feita pelo antecessor. Gallego aproveitou para trocar Ríos por um reforço – “estreia daquelas de Pusineri: entrou como titular e meteu o primeiro antes que terminasse o primeiro tempo. Flor de espinho, além disso, para os torcedores do Globo, já que o gol convertia um ex-San Lorenzo. Nem imaginavam que a punhalada definitiva os cravaria um ex do clube, Andrés Silvera. que converteu um dos gols mais lindos do campeonato. Babington e Galván? Nem se olharam”. Silvera declararia seu gol como o mais bonito dos que marcou: “porque arranquei desde o meio-campo, deixei vários no caminho e pude definir muito bem”.

Vibração de Castagno Suárez na vitória mais complicada da campanha, sobre o Estudiantes

11ª rodada, 4 de outubro (Independiente 3-2 Arsenal): foi o primeiro duelo oficial entre dois clubes tão ligados à família Grondona. Como se não bastasse, o recém-ascendido time de Sarandí era treinado por Jorge Burruchaga, ele próprio um dos maiores ícones do Rojo. Mas o Arse foi honroso demais em “um parto. O Arsenal abriu 2-0 em 12 minutos. Os mesmos torcedores que receberam Burruchaga com aplausos o insultaram pesadamente ao término do primeiro tempo. Como o Rojo deu volta? Com uma interessante conjunção de futebol e temperamento. E também porque um erro arbitral o ajudou em um momento chave. Se o árbitro Martín não apitasse o inexistente penal em Guiñazú, que serviu para o 2-2, a coisa podia se complicar”. Pusineri renovou como estava iluminado ao descontar oportunamente para 2-1 logo antes do intervalo, aproveitando assistência generosa de Silvera.

12ª rodada, 2 de outubro (Talleres 1-4 Independiente): mesmo sentindo uma contratura em um treino prévio, Silvera foi a Córdoba juntamente com dez mil torcedores que saíram em romaria desde Avellaneda. La T tinha consigo dois vencedores da Copa de 1986, o ainda goleiro Luis Islas, ele próprio velho ídolo do Independiente, e o ex-volante Sergio Batista. Mas o time visitante, “para além dos escassos centímetros em que estava adiantado El Rolfi quando meteu o primeiro, deu uma lição de aproveitamento dos espaços no ataque. ‘É o melhor do campeonato’, sentenciou Islas, que suportou um golaço do Gomito Gómez, estreante no torneio”.

13ª rodada, 20 de outubro (Independiente 1-0 Estudiantes): Em meio a crescentes rumores de Milito no Real Madrid, os platenses recorriam como treinador a Oscar Malbernat, seu velho capitão dos vitoriosos anos 60. E ele soube imprimir bem o estilo daquele tempo, na vitória mais complicada dos campeões (que precisaram de um gol contra, já aos 29 do segundo tempo, sumulado a Rodolfo Aquino), segundo opiniões unânimes dos regentes Insúa e Montenegro; a El Gráfico redigiu que o compromisso foi mesmo “um dos mais duros. Trâmite áspero e fechado. Guiñazú fora por expulsão. Serrizuela fora por lesão. E muito colhão dentro, até que um cabezazo de Castagnu Suárez rebota em Aquino e se mete para selar a vantagem mínima. ‘Pensei que perdíamos’, confessou Gallego na conferência de imprensa, enquanto de fundo se sentia o relato dos 5cinco gols que o Banfield metia no River para deixa-lo cinco pontos abaixo”.

14ª rodada, 27 de outubro (Independiente 3-1 Rosario Central): a rodada foi marcada pelo Superclásico e a torcida interna era por um empate, mas a derrota do River, então o principal perseguidor, foi a princípio comemorada, embora o próprio Boca agora virasse o novo vice-líder; Milito nem se inibiu em declarar que “temos meio título” após os comandados de César Menotti virem o compromisso ser resolvido “com autoridade. Nem sequer inquietou o empate transitório de [Luciano] Figueroa”. O líder com então oito pontos de vantagem “seguiu à sua maneira e o capotou com dois golaços do Rolfi“. Gradualmente, a vantagem começou então a derreter…

Os espinhos da campanha: River e Banfield foram as únicas derrotas para Domínguez e Silvera, mas deram o que falar

15ª rodada, 2 de novembro (Nueva Chicago 2-2 Independiente): o estádio do Vélez foi usado por um Chicago sob suposta mala preta do Boca. E “o Independiente nunca pode sustentar o rendimento. E o Chicago o complicou com fervor. El Sargento Giménez inventou um pênalti para cada lado e o empate foi justo”. A equipe do bairro de Mataderos igualou com o seu pênalti quando faltavam somente cinco minutos e Insúa classificaria o lance como o de maior sofrimento no título. Montenegro também definiu a semana seguinte como a mais dura, mas “porque me tocou ter que me recuperar de uma lesão no tornozelo e até o último momento não sabia se ia poder jogar a partida seguinte”.

16ª rodada, 9 de novembro (Independiente 1-0 Unión): a preocupação inicial era se Montenegro, ferido no tornozelo, poderia mesmo jogar contra o time treinado por um antigo campeão no Independiente, o ex-lateral Néstor Craviotto (da seleção vencedora da Copa América 1993). El Rolfi jogou, sob infiltração, em partida “complicada pela chuva, pelo vento e pelos nervos. A abriu o gol de Pusineri e puderam liquida-la alguns contra-ataques, mas faltou clareza. O Rojo ganhou com mais garra do que brilho. E teve que suportar uma baixa inesperada: a fratura de Domínguez. Seis pontos [de vantagem] sobre nove para jogar”. Nos bastidores, mexia-se no vespeiro de uma superstição: Edgardo Cococho Mirasol, um amigo que Serrizuela acreditava dar sorte por tê-lo acompanhado em títulos no Lanús e San Lorenzo, havia deixado de acompanhar o grupo por falta de pagamento… e não titubeou em se mandar justamente para o Boca, ao receber “oferta” de Raúl Estévez, que conhecera bem no San Lorenzo a parceria do suposto talismã com Serrizuela. E não é que isso pareceria ter efeito?

17ª rodada, 17 de novembro (Banfield 2-1 Independiente): as torcidas líderes chiavam. A do Independiente, por uma suposta mala preta do Boca ao time treinado por Luis Garisto, ele próprio ídolo do Rojo campeão da Libertadores 1972. A do Boca, pelo Taladro abrir mão de seu estádio para ser mais um a alugar o do Vélez. Mas os alviverdes se mostraram “um rival bem plantado, cortando os circuitos do Independiente. O gol de Insúa abriu uma partida fechada, com Leo Díaz transformado em figura. E na reta final, já sem El Rolfi, a melhor produção da equipe de Garisto se plasmou na rede. Foi um golpe duro. O Boca havia ganho e se punha a três pontos na antessala da partida chave. Um golpe que convocava o fogo sagrado”.

18ª rodada, 24 de novembro (Independiente 1-1 Boca): em anos sabático de Carlos Bianchi na era que ele regeu entre 1998 e 2004 no Boca, os xeneizes vinham sendo treinados por outra lenda, El Maestro Oscar Tabárez. Que, mesmo em Avellaneda, reconhecidamente dirigiu o melhor time na tarde. Mas não foi o bastante em uma partida “jogada ao limite, como se deve fazer em uma final. Mas fluidos os circuitos do Boca, que se pôs em vantagem e logo não soube liquidar. Mas descontínuo o Independiente, mas com o temperamento funcionando a mil. E essa personalidade o conduziu ao empate a três minutos do final. Um empate que estendia um tapete rojo para a consagração…”.

O cabeceio agônico de Pusineri, observado por Abbondanzieri, Clemente Rodríguez, Castagno Suárez, Crosa e Schiavi

Como se vê, as cinco vitórias seguidas após a derrota para o River deram lugar a um certo marasmo nas rodadas finais, creditado mais à ansiedade pelo título do que por algum relaxamento do líder disparado. Fato é que o Independiente poderia mesmo ser campeão antecipado já na penúltima rodada, caso houvesse vencido o Banfield e o Boca perdesse para o Talleres. Aconteceu exatamente o inverso e a diferença ficou em três pontos concretamente alcançáveis, dado o confronto direto que os líderes travariam na penúltima rodada – convertida em virtual decisão.

Díaz, Serrizuela, Franco, Milito, Juan Eluchans, Pusineri, Castagno Suárez, Guiñazú, Montenegro, Insúa e Silvera receberam Abbondanzieri, Burdisso, Schiavi, Crosa, Donnet, Cascini, Battaglia, Clemente Rodríguez, Tévez, Barros Schelotto e Delgado. Aos 38 minutos, Clemente cruzou, Franco se atrapalhou, Schelotto trocou passes com Delgado… e, cara a cara com Díaz, abriu o placar. Assim, as duas equipes ficavam igualadas momentaneamente na liderança. O confronto foi equilibrado e cada lado teve ótimas chances de gols mas o placar permaneceu inalterado até os 41 minutos do segundo tempo, quando Milito carregou a bola até a entrada da grande área rival e passou para Emanuel Rivas (que, neto de Benito Rivas, integrante do time campeão em 1948, havia substituído Montenegro aos 23 minutos do segundo tempo) cruzar pela esquerda…

Àquela altura, Gallego já havia tanto trocado seis por meia dúzia (tirara Guinazú aos 30 do segundo tempo para pôr El Toti Ríos) como ido ao tudo ou nada, substituindo o lateral Eluchans por mais um meia-atacante, Gomito Gómez, aos 38. O cruzamento de Rivas aos 41 então fez Pusineri subir e cabecear no lado direito de Abbondanzieri, que se mexeu atrasado e ouviu a Doble Visera se incendiar com o empate e a manutenção da vantagem local de três pontos para a última rodada – enquanto os jogadores dedicavam xingamentos mil ao “traíra” Cococho. O Independiente encerraria o campeonato visitando o San Lorenzo. Teria um conforto aparente de enfrentar um adversário muito mais focado nas finais da edição inicial da Copa Sul-Americana, comemorada dali a apenas dez dias pelos azulgranas. Que, ao contrário que a derrota de 3-0 em pleno Nuevo Gasómetro possa sugerir, levaram o jogo a sério.

19ª rodada, 1º de dezembro (San Lorenzo 0-3 Independiente): o chileno Manuel Pellegrini realmente escalou Saja, Esquivel, Gonzalo Rodríguez, Morel Rodríguez, Paredes, Chatruc, Michelini, Zurita, Romagnoli, Astudillo e Acosta e o placar dilatado foi atribuído muito mais a um desempenho devastador dos visitantes do que a alguma apatia do Sanloré. Já o Boca até fez o seu trabalho, batendo na Bombonera por 3-1 o Rosario Central, mas sabia que nunca seria campeão naquele 1º de dezembro: era preciso não só vencer como também torcer por derrota do líder para ficar forçado um hipotético jogo-desempate para dali a alguns dias – cenário que estenderia ainda mais a longa expectativa de quem poderia ter sido campeão ainda na antepenúltima rodada.

Insúa e o primeiro no San Lorenzo, há 20 anos

O tempo fez aquele empate de Pusineri contra o Boca ainda em 24 de novembro ser visto como o gol do título e não a obra tripla de exatos vinte anos atrás – aos 32 minutos, Insúa encobriu Saja após luxuosa assistência de Silvera, que ampliou logo aos 4 do segundo tempo para só assim abrir a torneira para Pusineri concluir o serviço já aos 10. Mas é no contexto da possibilidade de mais prolongamentos que a El Gráfico redigiu na época as palavras abaixo, com pontuais colchetes nossos; já os parênteses são do próprio texto original:

Já era hora

Já era hora.

Três semanas são demasiada espera, embora o festejo se venha demorando por quase uma década. Não é justo que o coração deva ser submetido a semelhante maltrato, que tenha que escutar e ler e olhar e sentir a pressão que é ameaça de armadilha e quase zombaria, dos contrários, da imprensa, do público imparcial, de todos. Três semanas esperando uma partida decisiva, o pianito pequenino, o passo firme e final para coroar uma merecida, e por momentos luxuosa, campanha. Três semanas penando por um triunfo, Banfield, Boca e San Lorenzo mediante, com o campeonato como prêmio final e o precipício aí, ao lado, ameaçador e por momentos pateticamente real.

Já era hora.

Tens isso claro você, garoto, contaram teu avô e teu velho; você, que apenas pode somar com os dedos de uma mão as jornadas gloriosas que te tocou viver, aquela com o Huracán do [Clausura] 1994, a Supercopa contra o Boca [em 1994 também], essa outra no Maracanã [Supercopa 1995] e parou-se de contar.

Sabe disso você, senhor, que se empanturrou com os anos 70, as quatro Libertadores em sequência e os outros quatro títulos locais, que prolongou seu gozo nos 80, ainda que já com a luz do Bocha [Bochini] apagando-se pouco a pouco, e que ainda não pode entender as deformidades da era moderna.

Você, avô, que viu nascer la gran familia roja nos anos 60, a mística copeira e tudo o que veio depois, e que sempre se sentiu integrante vitalício da elite do futebol argentino e também mundial.

Silvera anotando o 2-0 logo no comecinho do segundo tempo

Já era hora.

Não se aguentava mais semelhante descalabro. Nunca o Independiente havia passado tanto tempo sem sair campeão. Se bem que os 11 anos que passaram entre os títulos obtidos em 1948 e 1960 são mais que os 8 que passaram desde o Clausura 94 até hoje, esses 11 anos correspondiam a 11 campeonatos (se disputava um por ano), enquanto que desde aquela volta olímpica da equipe de Miguel Brindisi de 94 se sucederam 16 torneios até esta consagração. Jamais o clube de maior colheita internacional no mundo teve que mendigar em seu país durante 16 campeonatos para dar uma volta olímpica que se postergou em uma espiral de fracassos que parecia não ter fim. E nem sequer as campanhas batiam na trave, como para manter no torcedor certa expectativa ou ilusão até o final. Não, nada a ver.

Já era hora.

Porque se dói não ser campeão e dói muito olhar isso bem de longe, dói muitíssimo mais ainda que venham gozar na tua cara, que desfrutem nos teus narizes. Porque acima de tudo, nestes anos de malária intolerável, o Rojo foi o parceiro perfeito, o convidado de luxo que presenciava a volta olímpica do campeão de turno. Isso é a humilhação futeboleira em seu estado mais puro. Repassemos. Com o Vélez, padeceu duas vezes: 0-3 em Avellaneda (Apertura 95) e 0-0 em Liniers (Clausura 96) e se meter rápido nos vestiários para que girem os outros. River festejou outras duas, antes de começar a partida, porque se havia coroado na jornada anterior, e o fez tanto em Avellaneda (Apertura 96) como em Núñez (Clausura 97). E o Boca teu duas voltas mais na cara: na Bombonera (após o 0-0 pelo Apertura 98) e em Avellaneda (após cair de 0-4 pelo Clausura 99). Que feio é comer pão diante do pobre (e ser sempre o pobre)!

Já era hora.

Porque acima de tudo, o Racing vem sair campeão depois de 35 anos e então já não resta nem isso, nem o primo disfarçado de saco de pancadas que sempre esteve para a esbofeteada e agora não está. Não se pode zombar do Boca, nem do River e nem o San Lorenzo, porque todos vêm melhores.

Já era hora.

Gabriel Milito sabe disso mais que ninguém, porque sofreu cada uma dessas decepções desde as entranhas do clube. Por isso aquele salto até adiante, com o punho perfurando o ar caliente de Avellaneda após o empate heroico contra o Boca, os gestos desencaixados querendo dizer ‘enfim, louco, enfim, pqp’, embora faltasse um formalismo de uma rodada a mais, é a imagem perfeita de quanto o Independiente se devia um entretimento como este. Do quanto precisava para recuperar um pouquinho a autoestima pisoteada nestes últimos anos.

Pusineri e a lei do ex: Independiente 3-0 San Lorenzo

Na caravana do campeão celebra Milito, consolidado definitivamente como craque da galera e da coragem, depois das dúvidas que sempre gera qualquer lesão grave. Vê-se El Rolfi, que jogou quando não podia, que arriscou prestígio porque não podia faltar nas batalhas finais. Se abraça com El Pocho Insúa, virgem absoluto nisto de ser campeão, acostumado em atender na outra vitrine (a da luta para se salvar), emblema do que pede todas as bolas em qualquer campo e sob qualquer circunstância, peito aberto no tramo final do torneio para jogar, fazer jogar e meter gols decisivos. El Cuqui Silvera traga saliva e também revanche, demonstrou a si mesmo e também aos demais que sabe de verdade.

Pusineri presenteia alegria: está feito para ganhar. El Tolo sempre soube muito bem porque o queria no plantel, porque insistiu tanto com sua contratação, mesmo com o campeonato iniciado. Só o gol contra o Boca lhe valem dois anos de contrato, mas Pusi dá muito mais que isso. Se adverte no pelotão Castagno e Leo Díaz, dois que parecem calcados: a mesma idade, o mesmo berço, a mesma trajetória no futebol (Newell’s, Colón), a mesma indiferença que despertaram ao chegar e o mesmo perfil discreto para crescer durante o torneio até ser colunas da equipe. Anda por aí Juanjo, o menor da dinastia Serrizuela, que aparecia para fechar o círculo que havia iniciado seu irmão Tiburcio, campeão em 1994: parece que sem Serrizuelas o título não vale.

E Fede Domínguez com suas muletas, demasiado jovem para ser tão campeão, vital por seus gols e também por seu aporte ofensivo, pelo contágio de sua mentalidade ganhadora. E Hernán Franco, sempre sério, sempre cumpridor. E El Tolo, pobre Tolo, centro de todos os olhares e todas as brincadeiras, que se o bobo lhe aguentou até o minuto 87 da partida com o Boca, é porque está feito de boa madeira. Se não arrebentou aí, não se arrebenta mais.

Já era hora.

Porque não se podia encerrar a campanha com uma partida como as últimas, algemado pelos nervos e sem futebol. Era necessária a reivindicação futeboleira para calar os contrários, mas sobretudo para recuperar o orgulho e o estilo que distingue essa equipe. E o Rojo clausurou sua conquista com um 3-0 claro, contundente, adornado por suas melhores combinações dentro do campo, ante um rival duríssimo que jogou sem concessões, um detalhe que oxigena a saúde do futebol argentino. Poucas vezes se recorda uma última rodada de torneio local, com uma equipe com nada a perder, que saísse para jogar com semelhante determinação. E isso valoriza ainda mais esta consagração.

Independiente campeão, grito postergado que troveja no Nuevo Gasómetro e estronda em Avellaneda. As coisas estão em seu lugar. Já era hora.

Foto da rodada final: Milito, Serrizuela, Franco, Castagno Suárez, Díaz e Guiñazú; Montenegro, Silvera, Insúa, Eluchans (substituto de Domínguez, titular na maior parte da campanha) e Pusineri

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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