Echevarrieta: o argentino que brilhou por Palmeiras, Santos e contra o nazismo
Nota originalmente destinada a recordar os 30 anos sem Echevarrieta, em 25-11-2017, agora revista e ampliada em 2021 no Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, com vistas também à final da Libertadores que em três dias irá opor Santos e Palmeiras
Em média de gols, o Palmeiras não teve nenhum outro atacante como Juan Raúl Echevarrieta Urlézaga. Bicampeão estadual, em 1940 e na “Arrancada Heroica” de 1942 (com gols nos clássicos que garantiram ambos os títulos), totalizou 113 gols em 128 partidas, perfazendo média de 0,88 gols por jogo. El Vasco (“O Basco”), El Terrible ou ainda “O homem dos sete instrumentos” também chegou a ser o maior artilheiro do clube em números absolutos, embora atualmente esteja em 11º. Ele ainda é o estrangeiro com mais gols pelo Verdão. E até 2017, quando foi superado pelo colombiano Jonathan Copete, teve o mesmo recorde no Santos, onde foi menos lembrado, mas com números similares: 20 gols em 25 jogos, ou 0,8 gols por partida. É talvez o grande personagem estrangeiro em comum entre os finalistas da Libertadores 2020.
Nascido em 23 de julho de 2011 em Olavarría, no interior da província de Buenos Aires, era o menor dos quatro filhos homens (Héctor, Félix, Pedro, depois acompanhados pelas irmãs Elena e Elvira) de Don Félix Echevarrieta com Doña Faustina Urlézaga. Os inícios no futebol se deram no San Martín da cidade vizinha de Sierras Bayas, onde a família viveu um tempo. Depois, passou ao Estudiantes de Olavarría – ambos ainda eram restritos às competições locais. Já tendo esposa (Leonor González Amor) e um filho pequeno chamado Atilio, Echevarrieta, sem estudo nem projeto de vida, rumou aventureiro a La Plata. Foi jogar no Gimnasia. Que, longe da imagem sofredora que perdura atualmente, era uma equipe campeã argentina fazia pouco tempo, em fevereiro de 1930, pelo torneio de 1929.
Além de ainda ter a mesma quantidade de taças que o vizinho Estudiantes, o Lobo acabava de voltar, em 1931, de uma excursão consagradora pela Europa, virando o primeiro time sul-americano a vencer tanto o Real Madrid como o Barcelona (sim! Saiba mais). Echevarrieta estreou em 22 de maio de 1932 no time adulto, pela 11ª rodada. Foi em um 6-0 no Atlanta, logo marcando o primeiro gol. Fez também o último, além de fornecer uma assistência para o terceiro. A equipe foi apenas 7ª, mas o novato conseguiu incríveis 14 gols em 12 jogos, incluindo três em vitória por 6-2 no Boca e os dois de um 2-1 em Avellaneda sobre o vice-campeão Independiente (que perderia o título exatamente em jogo-extra após terminar o torneio empatado em pontos com o River).
Porém, não foi o bastante para El Vasco se firmar como titular, permanecendo na reserva do ídolo Ismael Morgada, vice-artilheiro da excursão europeia e autor de um dos gols da vitória sobre o Barça em Les Corts. Foram apenas dez jogos em 1933. Pior para o clube. Naquele ano, o Gimnasia foi apelidado de El Expreso, com um futebol encantador e liderança na reta final. O time, porém, foi reconhecidamente prejudicado em arbitragens fora de casa contra Boca e San Lorenzo, seus dois concorrentes maiores. Na 26ª rodada, vencia o Boca por 2-0, gols de Morgada e Echevarrieta, e terminou perdendo de 3-2. O gol do empate veio de penal tido como inexistente e o da virada, em impedimento. O resultado igualou ambos na liderança e o juiz De Dominicis terminou expulso do quadro de arbitragem (e do emprego formal, pois a empresa em que trabalhava sentiu-se afetada pelas críticas a ele…). Na 28ª, era a vez de visitar o San Lorenzo.
Os azulgranas virariam líderes se vencessem e, com dois gols do brasileiro Petronilho de Brito (irmão de Waldemar de Brito, o descobridor de Pelé), conseguiam por 2-1. Então o Gimnasia teve um pênalti marcado como falta. No contra-ataque da cobrança, o oponente teve sua conclusão defendida antes da linha pelo goleiro gimnasista, mas o árbitro deu gol. Foi a gota d’água para os visitantes, que sentaram em campo. O jogo terminou em 7-1, com cinco gols entre os 26 e os 32 minutos do segundo tempo. O Lobo terminou quatro pontos abaixo do campeão San Lorenzo. Nos seus dez jogos em 1933, que incluíram aquele 7-1, Echevarrieta teve média de meio gol: marcou cinco vezes. Para 1934, enfim foi titular, usado 24 vezes e marcando dez, com destaque para seus primeiros no clássico com o Estudiantes: fez dois em vitória fora de casa por 3-2. Mas o time ficou só em 9º.
El Vasco continuou titular na ponta-esquerda tripera em 1935. Foram 22 jogos e oito gols, incluindo dois no River em um maluco 6-4, outro no Clásico Platense e também no Independiente. Em 1936, porém, voltou a perder a posição, acumulando 15 jogos e 4 gols. Seu temperamento valeu-lhe uma “punição”, sendo relegado mais ao campeonato das equipes B; em 1937, jogou só quatro vezes no campeonato principal, sem marcar. Uma trégua veio em excursão ao Peru, onde sua presença foi requisitada pelos vizinhos; mas no torneio de 1938, começou emprestado ao Vélez, jogando a oitava e a nona rodada, marcando um gol – sobre o Estudiantes. O ponta-esquerda voltou ao Gimnasia na reta final, marcando quatro vezes em oito jogos.
Sem espaço em La Plata, ele chegou ao Brasil em 3 de junho de 1939, junto com dois ex-colegas de Gimnasia: o volante Armando Zoroza e o centroavante Arturo Naón, até hoje o maior artilheiro do clube. Echevarrieta totalizou 95 jogos oficiais pelo Lobo, com 47 gols e dez assistências, segundo as estatísticas oficiais. Ele e os colegas vieram ao Rio de Janeiro. Naón conseguiu um lugar no Flamengo. Já Zoroza e Echevarrieta tentaram o Bonsucesso, com o Jornal dos Sports registrando a participação em jogo-treino contra um time da marinha. Eles não agradaram, estando visivelmente fora de ritmo, segundo o Sport Ilustrado. Mas Echevarrieta conseguiu uma oportunidade no então Palestra Itália, partindo para a Pauliceia em 23 de junho. A estreia foi contra o São Paulo, no dia 3 de julho. E ela ecoou no Rio, onde o Jornal dos Sports assim noticiou:
“Echevarrieta comandou a ofensiva do Palestra no tradicional embate efetuado no Parque Antarctica, contra o valoroso esquadrão do São Paulo. O crack argentino que Gentil Cardoso, técnico do Bonsucesso, classificou de ‘elemento de segunda categoria’, demonstrou ser possuidor de alta classe, tendo sido, em todo o transcurso do match, a figura mais impressionante do gramado. É verdade que não consignou um único tento; entretanto, os dois tentos registrados pelo placard, em favor do ‘onze’ paulistano, foram produtos exclusivos de jogadas suas. O último tento, então, foi simplesmente impressionante, tendo originado de uma cabeçada rápida colocada nos pés de Rolando. Toda a imprensa local é unânime em ressaltar a aquisição feita pelo Palestra, bem como a performance realizada pelo companheiro de Naón e Soroza em seu match de estreia”.
Era a sexta rodada do Paulistão. Na segunda partida de Echevarrieta, os primeiros dois gols, sobre a Portuguesa. Atuando bem como ponta ou centroavante, teve uma média de dois gols por jogo, mas chegou tarde demais para impedir o título corintiano. Uma resposta veio no troféu amistoso, mas de muito valor no momento, travado em abril de 1940 na inauguração do Pacaembu. No primeiro jogo oficial no estádio, Echevarrieta marcou três vezes, na virada por 6-2 sobre o Coritiba, jogo que valeu como semifinal de um torneio com Atlético Mineiro e Corinthians. A decisão foi no clássico, vencido com gol do argentino por 2-1. No mesmo estádio, ele integrou uma seleção de estrangeiros contra um combinado paulista em jogo beneficente em 18 de setembro daquele ano. Ele chegou a assinalar o segundo gol de vitória parcial por 2-1, mas os brasileiros venceram por 7-3 – detalharemos essa partida ao fim da nota.
Mas problemas também começaram a aparecer na imprensa em 1940. Criticado desde por ajeitar com a mão antes de marcar um gol (validado) contra o Juventus a jogar rotineiramente em posição adiantada, sujeitando-o diversas vezes a impedimento, Echevarrieta era elogiado como oportunista, de entrega e com boa distribuição de passes. Mas também registravam seu gênio difícil, a valer uma expulsão com quinze minutos de jogo contra o Corinthians pelo Paulistão vista como justa. Assim como inúmeras multas internas e da federação por indisciplina. Mas o hermano respondia com gols: fez dois na goleada de 4-1 sobre o São Paulo na rodada final, assegurando o título estadual para o Palestra. Ambos de forma oportunista, aproveitando uma sobra para marcar o segundo e antecipando-se ao goleiro para fazer o terceiro. Na artilharia, foi o 3º, com 15 gols.
Echevarrieta foi novamente o 3º colocado na artilharia do campeonato de 1941, com 14 gols, mas a taça ficou com o Corinthians – com os palestrinos aguando o chope alvinegro ao vencer por 2-0 o clássico na rodada final. O argentino, que marcou o primeiro gol, também foi bem no amistoso entre as seleções carioca e paulista, encerrado em 6-5 para os do Rio – estava em 6-1 quando Echevarrieta entrou em campo, participando das jogadas dos três últimos gols. Em 1942, porém, a paciência com o argentino já não era a mesma. O clube chegou a se mostrar disposto em cedê-lo para ter consigo Herminio Masantonio, artilheiro da Copa América daquele ano e maior goleador da história do Huracán. Echevarrieta ficou. Em números absolutos, não teve um desempenho tão marcante ao longo do Paulistão. Ele, que até então tinha média superior a um gol por jogo pelo clube, decaiu para apenas seis tentos no torneio. Bem longe dos 23 do artilheiro Milani, do Corinthians.
Mas o que faltou em quantidade sobrou em qualidade: o argentino fez o último gol da “Arrancada Heroica”, quando o Palestra superou as críticas por sua imagem atrelar-se aos “inimigos do Brasil”. Com a Segunda Guerra em andamento, o Eixo, apesar do Brasil ainda ausentar-se do conflito, vinha bombardeando embarcações brasileiras. O próprio Echevarrieta foi um dos dois jogadores paulistas, ao lado do corintiano Dino, requisitados no início de setembro para um amistoso beneficente em prol de familiares das vítimas, promovido pelo casal Osvaldo Aranha, cuja esposa nomeou um troféu amistoso entre uma seleção de argentinos e uruguaios contra um combinado carioca.
Atilio Herrera (Bonsucesso, e ex-colega de Gimnasia); Carlos Volante (Flamengo), Armando Renganeschi (Fluminense); Emanuel Figliola (Vasco e único não-argentino, sendo uruguaio), Américo Spinelli (Fluminense) e Carlos Santamaría (Botafogo); Agustín Valido (Flamengo), Alfredo González (Vasco), Echevarrieta, Juan Carlos Verdeal (São Cristóvão) e José Antonio Magri (America e recém-chegado do Sport Recife), treinados por Abel Picabea e Ondino Viera, duelaram contra esse time: Ary (Botafogo); Domingos da Guia, Newton; Biguá (todos do Flamengo), Dino (Corinthians) e Zarcy (Botafogo); Santo Cristo (São Cristóvão e substituído por Jorge, do Madureira), Geninho (Botafogo e substituído por Zizinho, do Flamengo), Heleno de Freitas (Botafogo e substituído por Pirillo, do Flamengo), Perácio (Flamengo e substituído por Jair Rosa Pinto, do Madureira) e Vevé (Flamengo e substituído por Carreiro, do Fluminense). E o atacante palestrino sobressaiu-se. Echevarrieta fez o primeiro e o terceiro gol na vitória platina por 3-1.
Muito orgulhoso, declararia: “servi a uma causa justa; atendi ao apelo de meus compatriotas e dos companheiros uruguaios, que desejavam prestigiar a grande obra da caridosa esposa do senhor Ministro Osvaldo Aranha e, como complemento, tive a chance de ser útil ao meu quadro”. Mas o que ficou mais lembrado foi o jogo do fim daquele mês, um clássico contra o São Paulo pela penúltima rodada do Estadual. Uma vitória dava o título ao Verdão. Com o jogo em 1-1, o argentino participou no fim do primeiro tempo do segundo gol da sua equipe, dividindo com Virgílio, que marcou contra. Aos 15 do segundo tempo, Echevarrieta fez seu próprio gol, de cabeça. Cinco minutos depois, o jogo acabou: Virgílio foi expulso e o São Paulo retirou-se de campo. Era o auge da rivalidade com os tricolores, acusados de oportunisticamente, com a guerra como pano de fundo, assediar o patrimônio alviverde. Aquele foi o primeiro jogo do Palmeiras em substituição ao Palestra, ficando famosa a entrada em campo com a bandeira brasileira – é a imagem que abre a matéria, onde o argentino aparece logo atrás do goleiro, Oberdan Cattani.
O Palmeiras nasceu campeão, mas ainda não naquele 29 de setembro: os rivais entraram com recurso em função da suposta situação irregular de Echevarrieta como estrangeiro no Brasil. Somente em 15 de outubro a federação divulgou entender que o título era palmeirense. Dias depois, o argentino figurou em nova disputa da “Taça Senhora Osvaldo Aranha”, dessa vez contra um combinado paulista, que venceu por 4-1. O gol de honra foi do palmeirense uruguaio Segundo Villadóniga, com assistência de Echevarrieta. Mas o declínio na maior parte da temporada, a indisciplina e aquela confusão no tapetão (o Última Folha da Noite chegou a ventilar a prisão de jogador) minaram o espaço de Echevarrieta no Palmeiras. Em novembro, ele já fazia sua primeira exibição pelo Santos, em amistoso com o Libertad – reforçado com Arsenio Erico, maior artilheiro do Independiente e do campeonato argentino. Echevarrieta agradou, marcando dois gols, o primeiro logo aos dez minutos, de pênalti; o outro foi o quarto, com Erico descontando em seguida.
No Palmeiras, El Vasco deixava para trás sete gols no Corinthians, cinco no São Paulo e nove no próprio Santos, incluindo dois em um 5-0 e os três de um 3-2, ambos amistosos, mas ambos na Vila Belmiro (e ambos em 1941). Já como praiano, ele chegou a vazar o Palmeiras em vitória por 2-0, além de marcar duas vezes em outro clássico, em 3-0 sobre a Portuguesa Santista – que na época tinha patamar equiparável ao dos alvinegros, com direito até a uma colônia argentina (Juan Baigorria, o ex-são-paulino Juan Castagna e principalmente Tomás Beristain, ex-jogador da seleção). Chegou a marcar cinco vezes em um só jogo, no 6-0 sobre o Comercial de Araraquara ainda em 1942, em dezembro. Já no Paulistão de 1943, ele começou bem, com três gols lhe colocando na vice-artilharia ao fim da quarta rodada, no mês de abril. Mas ele estagnou. Dois meses depois, já era afastado por falta de empenho.
Em agosto, a derrota de 5-2 para o Corinthians valeu-lhe suspensão interna por três meses. Terminou o Estadual com cinco gols e em 13º na artilharia. Em 1944, passou ao então tradicional Ypiranga, mantendo a rotina crescente de confusões: desligado com o Estadual em andamento e permanência descartada em janeiro de 1945. Chegou a tentar algum clube carioca (falou-se no Botafogo), mas teria conseguido espaço somente no São Bento de Marília. Dali até 1960, sua vida foi um mistério até a familiares, que então reveram-no naquele ano após décadas. Segundo ele, havia ganho durante a carreira muitos presentes de fãs, “como trajes, chapéus, sapatos, perfumes, vinhos, roupa íntima”, mas ali estava munido só com uma mala pequena. Após três meses, concluiu que não conseguiria se readaptar à terra natal e que sua vida estava no Brasil. Dois anos depois, era outra pessoa…
Em 1962, veio a Olavarría, segundo a imprensa local, a bordo do jato particular de sua nova esposa, uma paranaense milionária chamada Zelma (talvez a dona de um bordel de Londrina mencionada no Patadas y Gambetas). Precisou aterrissar em uma estrada federal por não haver pista de pouso na cidade. Foi a última vez em que teve contato com a família. Anos e anos depois do seu falecimento em 27 de novembro de 1987 (curiosamente, no ano do centenário do Gimnasia) é que ela veio a saber de sua morte. Ele estava esquecido até pela própria torcida em São Paulo. Em 1982, quando a revista Placar promoveu pela primeira vez a eleição do “melhor Palmeiras de todos os tempos”, Echevarrieta foi escalado somente pelo ex-colega Oberdan Cattani. O centroavante eleito foi Mazzola e o ponta-esquerda, Rodrigues “Tatu”, reeleitos em 1994, quando nem Cattani votou no argentino. Em 2005, enfim uma homenagem, mencionado em O Casamento de Romeu e Julieta como parte da origem do nome dela, junto com Julinho Botelho. Foi assim que o autor da nota ouviu falar pela primeira vez nesse argentino.
Agradecimentos ao amigo Esteban Bekerman pelo material argentino de Echevarrieta. Em 24 de janeiro de 2021, o Uol publicou outra longa nota sobre o argentino, ótima leitura complementar sobretudo ao detalhar como sua vida seguiu no Brasil longe do grande público e da família que ele deixara na Argentina, a partir de depoimentos do filho e neta brasileiros do craque. Clique aqui.
Os outros argentinos que defenderam Palmeiras e Santos
Echevarrieta não foi o único gringo a defender os finalistas da Libertadores de 2000, coisa que o japonês Kazu Miura e o colombiano Freddy Rincón conseguiu em anos bem mais recentes. Ainda assim, os argentinos são maioria, embora nenhum deles brilhasse tanto por ambos. Todos passaram pela dupla ao longo dos anos 40, marcado pelo complexo do Platinismo, onde mesmo argentinos em fim de carreira e/ou vistos como de segunda linha na terra natal eram desejados no Brasil diante da supremacia esmagadora da Albiceleste sobre a seleção brasileira.
Assim, antes mesmo de El Vasco, o zagueiro Teófilo Juárez já havia feito o mesmo. Despontou na Argentina no ainda badalado campeonato de seleções provinciais, ao ganhar a edição de 1928 por sua Santiago del Estero, no primeiro feito nacional do futebol do interior para além do rosarino. O zagueiro mudou-se inicialmente para o Rosario Central e passou ainda pelo Chacarita até defender o River entre 1934-35; teve relativo destaque a ponto de ser o primeiro profissional argentino importado pelo futebol espanhol, ao assinar com o Atlético de Madrid em 1936 – negócio desfeito em função da guerra civil no novo país, embora até figurasse em amistoso do combinado madrilenho.
El Cacique Juárez seguiria bem no Tigre e estava no Racing antes de desembarcar no Brasil. O Jornal dos Sports de 19 de junho de 1940 noticia que ele vinha a Santos após não fechar com o Fluminense – até teria treinado por duas semanas nas Laranjeiras, mas sem providenciar toda a documentação exigida pelos cariocas. O excelente Acervo Santista esclarece que o argentino, contudo, fez um único jogo como praiano, sem inclui-lo na campanha do estadual de 1940. Contudo, já em agosto o argentino reforçava o São Paulo mesmo. Sua única partida teria sido um 5-1 em dérbi santista com o Jabaquara (então Hespanha), único amistoso disputado pelo Peixe no período, em 23 de julho.
Ele começou bem como tricolor, chegando a ser descrito pelo Sport Ilustrado após um 3-2 no clássico com o Corinthians como um beque “calmo, técnico, não se afoba com a aproximação do adversário e fez-nos lembrar em muitas ocasiões o inconfundível Domingos [da Guia]”. E reforçou no fim de setembro aquele combinado de argentinos do Rio-São Paulo contra um caseiro em amistoso beneficente no Pacaembu para a Casa Maternal e da Infância, a contar também com Echevarrieta – que assinalou um 2-1 provisório no placar aberto pelo parceiro Villadóniga. Ainda no primeiro tempo, porém, os brasileiros viraram para 3-2 e, ainda que Villadóniga empatasse no primeiro minuto do segundo tempo, a gincana terminou em 7-3 para a casa, cujos gols foram de Teleco, Hércules, Teleco, Peixe, Teleco mais duas vezes (tendo uma outra anulada por impedimento) e Hércules. O duelo também rendeu um tributo de minuto de silêncio a Juan Castillo, jovem argentino do Flamengo que perdera a vida para a diabetes.
Para registros, a escalação platina ordenada pelo treinador Jim Lopes (Ypiranga, iria ao Palmeiras em 1950) foi Ángel Capuano (Fluminense e depois reforço do próprio Santos em 1942), Juárez (São Paulo) e Juan Baigorria (Portuguesa Santista); Floreal Garro (Palestra), Carlos Volante (Flamengo) e José María Sosa (Santos); Roberto Bugueyro (sem clube após desvincular-se do America-RJ), Alfredo González (Vasco e depois palmeirense em 1944), Echevarrieta, Villadóniga (ambos Palestra) e Tomás Beristain, o astro da Portuguesa Santista (depois substituído por Pascual Molinas, do Santos). Todos, à exceção do uruguaio Villadóniga, eram argentinos. Enfrentaram o combinado alinhado com Roberto (Juventus-SP), Agostinho (Corinthians) e Junqueira (Palestra), Jango, Dino (ambos Corinthians) e Antero (Portuguesa Santista), Peixe (Ypiranga), Luisinho Mesquita (Palestra e substituído por Canhoto, do mesmo clube), Teleco (Corinthians), Jair Rosa Pinto (Madureira) e Hércules (Fluminense).
Apesar da goleada, Juárez foi avaliado como “um bom back” nessa partida pelo mesmo Sport Ilustrado. Mas viria a ter “falhas acentuadas” na marcação (em outras palavras do mesmo jornal) na derrota de 4-1 na definição do Estadual em dezembro, em dérbi que o Mundo Esportivo recordava ainda em 1947 como jogo de desempenho supostamente “subornado” do argentino – impressão reforçada ao transferir-se justamente ao rival na sequência. Em julho de 1941, o Sport Ilustrado já dizia que o zagueiro “conseguiu se ambientar no Palestra Itália, onde vem produzindo uma série de boas performances” e, após empate com o líder Corinthians no Estadual, a impressão era de que estava a “cada partida melhor”, “defendendo com grande brilho a camiseta do Palestra”. Uma edição da segunda quinzena de setembro apontava que uma das causas do declínio alviverde no Estadual àquela altura teria sido a lesão que faria o já veterano defensor pendurar as chuteiras.
Depois de Juárez e Echevarreita, foi a vez do volante José Dacunto jogar na dupla. Fez o caminho inverso, aparecendo primeiro no Palmeiras, trocando de camisa verde – chegou em 1943 vindo do modesto Ferro Carril Oeste. Foi titular na campanha campeã estadual de 1944, ainda que se notabilizasse mais quando ficou de fora. É que o “inimigo” São Paulo estaria de manobras para suspendê-lo e, com a conquista alviverde consumada do mesmo jeito no auge da rivalidade com os tricolores, a torcida palmeirense soltou um cântico “com Dacunto ou sem Dacunto o São Paulo é um defunto” que virou folclore. Em fim de carreira, reforçou o Santos em 1946 para acumular mais de sessenta jogos até o ano seguinte, quando teria pendurado as chuteiras.
Por fim, houve Elmo Bovio, que começou a carreira longe de Buenos Aires, no Sarmiento, então restrito às ligas de sua cidade de Junín. Descoberto pelo Peñarol, foi titular na celebrada conquista uruguaia de 1944, que encerrou um pentacampeonato do Nacional (na maior sequência de títulos então vista no torneio). Chegou a aparecer na Internazionale, mas estava novamente no Peñarol quando foi requisitado pelo Palmeiras em 1948. Ficou por dois anos e não conseguiu títulos, mas teve grande desempenho: fez 56 gols em só 73 jogos. O problema era o extracampo.
Bovio criou fama de craque-problema pelo temperamento forte e terminou menos marcante do que poderia como palmeirense também ao calhar de sair logo antes da gloriosa sequência de títulos comemorada no Parque Antarctica entre 1950-51, punição final às reincidentes indisciplinas. Pior ainda: reforçaria exatamente o São Paulo – também brilhando, diga-se, com 22 gols em 26 jogos que fazem dele o dono da melhor média de gols entre os estrangeiros são-paulinos (embora também ali terminasse podado pelo gênio forte, partindo já em 1951 para o América de Cali do Eldorado Colombiano). Antes de confirmar a “traição”, ele, tal como Juárez, esteve no Santos para uma única partida; foi um amistoso contra o Vasco em 24 de janeiro de 1950. Deixou o gol dele no 2-2 na Vila e só.
Belíssima postagem!
Estou conhecendo hoje teu trabalho, e olha… fantástico.
Muito sucesso!
Obrigado, Alfredo! Siga conosco!
Obrigado por falar sobre meu avô, um grande jogador
Abraço
Att: Luiz Ottavio Echevarrieta