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50 anos da estreia do maior goleador argentino em campeonatos nacionais: Carlos Bianchi!

Todos sabem do Carlos Bianchi treinador. Nem tanto que esse sucesso estrondoso ofuscou o goleador notável que foi. É provável que ninguém tenha tido tamanho brilho individual nas duas funções. Bianchi seria o maior artilheiro do campeonato argentino se não jogasse na França. E vice-versa. Só em campeonatos nacionais, foram 393 gols, 385 deles na primeira divisão – Messi reúne 349. Reunindo gols de seis prestigiadas ligas, é Carlitos o líder, com Cristiano Ronaldo reunindo ainda 372. Só Ibrahimovic superou o argentino no PSG em número de gols em uma só temporada, com apenas um a mais. Tem oito artilharias em campeonatos nacionais na carreira, recorde entre argentinos. Este especial vai relembrar esses e outros números impressionantes do Virrey de chuteiras, um goleador veloz, malandro, inteligente, com grande senso de colocação e de chute preciso.

Para começar, um outro recorde especial de Bianchi: só ele e Guardiola foram técnicos campeões mundiais treinando os clubes em que se formaram. O argentino começou a carreira no Vélez. Foi criado perto do estádio e chegou em 1964 nos juvenis. Estreou oficialmente no time adulto em 23 de julho de 1967 pela 21ª rodada do Torneio Metropolitano. Curiosamente, contra a outra equipe com a qual se identificaria, o Boca, em empate em 1-1. Mas, jogando só três vezes no ano, seria necessário esperar quase um ano para gritar seu primeiro gol. Foi em 7 de julho de 1968, em vitória por 4-2 sobre o Argentinos Jrs, que mandou a partida no estádio do Atlanta. O ano de 1968 foi também o último da carreira argentina de uma lenda: o goleirão Amadeo Carrizo. Descrito por Bianchi como “a perfeição no arco”, justamente naquele momento Carrizo, desde 1945 no time adulto do River, conseguia um recorde de minutos sem sofrer gols. Durou exatamente 726 minutos, cerca de oito jogos.

Foi justamente o segundo gol da carreira de Bianchi que encerrou os 726 minutos. Como todo centroavante a se prezar, mostrou que não escolhia o modo de fazer gols: aquele foi de nariz (!). Seu avô, um anarquista italiano, levou-o à redação do Crónica afirmando que o neto era melhor que Pelé. Mas, na ocasião, os aplausos foram todos para Carrizo, que estampou a capa da revista El Gráfico sob as legendas “a façanha que alegrou um país”. Aquele foi também o primeiro dos 16 gols que Bianchi faria no River. Muito antes do ex-atacante se consagrar no Boca, o destino já era irônico: Carlitos era torcedor do River na infância e se converteria exatamente na pessoa que mais gols fez no clube. Foram 16. O ano de 1968 também marcou o primeiro título do Vélez na elite. Bianchi foi um 12º jogador.

Nos inícios no Vélez. À direita, um de seus dezesseis gols no River. É quem mais fez gol no clube, do qual ironicamente era torcedor (sim!)

O centroavante titular era Omar Wehbe, herói dos três gols no jogo decisivo com o Racing. Muito novo, Carlos era usado mais como ponta-esquerda, contribuindo na campanha com sete gols. Um deles, na maior goleada da história velezana, um 11-0 sobre o Huracán de Bahía Blanca. Bianchi participou da partida decisiva entrando no segundo tempo no lugar de Lorenzo Nogara. O triunfo tirou o título das mãos do… River, que buscava desfazer jejum pendente desde 1957 – se prolongaria até 1975. Bianchi ficaria a dois gols da artilharia do Torneio Nacional de 1969 (chegou a fazer os cinco gols de um 5-0 no San Lorenzo de Mar del Plata), mas foi outro ano depois, no Torneio Nacional de 1970, que desabrochou de vez: artilheiro com 18 gols, em só 20 rodadas. Assim, estreou pela seleção em 22 de outubro, em um 1-1 amistoso com o Paraguai em Assunção.

O desempenho de 1970 foi uma prévia do que produziria em 1971, um ano brilhante para o Vélez. Mas também traumático. Tudo porque o clube perdeu na última rodada um título que parecia ganho: um instável Huracán, mesmo fora de casa, conseguiu vencer de virada o líder, que tinha toda a festa já preparada. Relembramos neste especial: a taça do Metropolitano ficou com o Independiente apesar dos 36 gols de Bianchi. Ele foi só o quarto a passar dos trinta gols em um campeonato argentino, e o primeiro em trinta anos. Três deles, logo na primeira rodada, em um 4-0 no Los Andes. Outros dois deles vitimaram novamente o River em um 3-0 fora de casa, na primeira vez em que o Fortín venceu o Millo no Monumental de Núñez. Fez ainda três em um 6-1 no San Lorenzo. Fora de casa.

Considerado um novo Bernabé Ferreyra ou um novo Luis Artime, também conseguiu tripletas contra Argentinos Jrs (4-0) e Platense (todos no 3-2 fora de casa). E pensar que foi só aquele título classificou o Independiente para a primeira das quatro Libertadores seguidamente vencidas pelo Rojo entre 1972-75… paralelamente, entre janeiro e agosto Bianchi realizou nove de seus 14 jogos pela seleção argentina. Por ela, também teve bons números, com 7 gols nos 14 jogos. Mas era imprevisível: em dez dessas partidas, ele passou em branco. E em quatro, conseguiu reunir os sete gols. O primeiro, já na sexta partida, foi o de um empate em 1-1 com o Uruguai no estádio Centenário.

Contra a seleção brasileira na Copa Roca de 1971 e fazendo embaixadas no Arco do Triunfo

Pela Albiceleste, ele também destacou-se com os dois em um 2-2 com o Chile em Santiago e com três em um 4-1 sobre a Colômbia na Fonte Nova, na disputa da Taça Independência, uma Minicopa promovida no Brasil em 1972 em celebração aos 150 anos do Grito do Ipiranga. Essa irregularidade, a abundância de bons nomes caseiros em uma geração dourada do futebol argentino e a transferência à Europa em tempos em que isso mais atrapalhava do que ajudava a se manter na seleção fizeram com que Bianchi acabasse relegado em futuras convocações, perdendo lugar nas Copas de 1974 e 1978. A transferência à Europa deu-se em 1973 (iria ao Cruz Azul em 1971, mas a AFA proibiu transferências de menores de 22 anos, apesar dos mexicanos haverem pago até a lua de mel do artilheiro). 

Mesmo perdendo diversas rodadas do Metropolitano pela participação com a seleção na Taça Independência, Carlitos havia ficado a cinco gols da artilharia no Metropolitano de 1972. No Nacional, ficou a três gols. El Virrey despediu-se no início de 1973 de Liniers, não sem antes marcar dois gols em vitória por 4-2 sobre o River no Monumental e de marcar três em um 4-1 no San Lorenzo. Foi contratado pelo Stade de Reims, que buscava um substituto para Delio Onnis, artilheiro ítalo-argentino que o clube vendeu ao Monaco. Bianchi foi imediatamente artilheiro da liga francesa (e o 3º maior goleador no continente, rendendo-lhe uma Chuteira de Bronze do L’Équipe), levando o Reims à 6ª colocação. Pelos dez anos seguintes, a artilharia da Ligue 1 ficou justamente ou com Onnis ou com Bianchi, que a dividiram salomonicamente: cada um foi goleador máximo cinco vezes.

Já dedicamos este Especial a respeito: individualmente, Bianchi levou a melhor enquanto concorreu com Onnis (por sinal, o vice-artilheiro do Torneio Nacional de 1970, superado por Bianchi), o que durou até 1981, quando acertou seu retorno ao futebol argentino. Por quatro temporadas seguidas, entre 1976 e 1979, só deu Carlitos no topo máximo de gols no Francesão, valendo ressaltar ainda que ele sofreu 73 pontos após uma fratura tripla na tíbia em amistoso com o Barcelona em 1975, o que impediu ainda mais gols. Nas duas primeiras temporadas entre 1976-79, ainda estava no Reims, que não era mais a potência de Just Fontaine e Raymond Kopa nos anos 50. O argentino foi no máximo 5º lugar pelos rouge et blancs, em 1976 (Bianchi recebeu a Chuteira de Prata como segundo maior artilheiro do continente. O primeiro jogava no Chipre…), e vice da Copa da França, em 1977. 

Bianchi e Onnis: por dez anos, o artilheiro do campeonato francês foi um ou outro (cada um cinco vezes). À direita, uma das biografias de Carlitos lançadas pelos franceses

Nas outras duas temporadas entre 1976-79, ele foi artilheiro francês pelo nascente Paris Saint-Germain, um clube longe do poderio atual. A equipe da capital fora fundada em 1970 e demoraria um pouco a engrenar. Na Cidade Luz, Bianchi reluziu ainda mais. Foram 60 gols em apenas 70 jogos. 37 deles, na temporada 1977-78, só foram superados no clube pelos 38 de Ibrahimovic em 2015-16, e renderam-lhe na época nova Chuteira de Prata como segundo maior goleador entre todos os campeonatos europeus. Mas não bastaram para leva-lo à Copa do Mundo. Afinal, em contexto bem diferente com o do sueco, o PSG nem em 10º chegava naqueles tempos, o que só engradece os números do Virrey no Parc des Princes. E só um jogador “estrangeiro” foi chamado (repita-se: ir à Europa na época tirava os sul-americanos do radar das convocações): Mario Kempes, do Valencia.

No cômputo geral de seus gols, Messi e Di Stéfano são os maiores artilheiros argentinos, passando dos 500. Bianchi é o terceiro, acumulando 434. Por outro lado, ele não teve para si maiores oportunidades de jogar regularmente torneios continentais, em época em que realmente só os campeões disputavam a Liga dos Campeões ou a Recopa Europeia. Apesar do brilho imenso do argentino, a velha Copa da UEFA também não ficava ao alcance, restando-lhe as ligas e copas nacionais. Assim, um modo mais justo de avalia-lo individualmente em comparação à concorrência é computando-lhes nestes torneios. E na Copa da França, El Virrey também foi espantoso: em 28 jogos, 30 gols!

Para ser justo, Bianchi chegou a jogar uma temporada na Liga dos Campeões. Foi pelo Racing Strasbourg. Campeão francês da temporada 1978-79, quando o argentino ainda estava no PSG, o clube da Alsácia reforçou-se com aquele atacante para a temporada seguinte. Para seus padrões, Carlitos foi morno na nova equipe (“só” meio gol por jogo: 11 em 23), mas pôde deixar alguma marca para as estatísticas continentais: jogou só três partidas, mas ainda assim conseguiu um hat trick, marcando os três primeiros gols no 4-0 sobre o Start. É provável que seja o autor de três gols em um só jogo com menos partidas no torneio. Certo é que só ele e Di Stéfano, dentre argentinos, conseguiram hat tricks na competição até 2000. O Strasbourg cairia cedo, para o Ajax.

Seu último jogo pelo Vélez, aplaudido pela torcida da casa e pela do Boca. À direita, quando fez três gols no River em 1982

Apesar de tantos números impressionantes na França, rendendo-lhe duas biografias locais e até estampa em um champanhe, uma andorinha só não fazia verão. Bianchi nunca conseguiu ser campeão por lá e voltou ao Vélez em setembro de 1980. Também nas Américas, competições continentais não estavam em questão: o clube, mesmo campeão em 1968, recusou-se a jogar a edição de 1969. E a edição de 1980, que contou com o Fortín, acabara ainda em agosto. Nos gramados nacionais, Bianchi, mesmo já grisalho nos fios que ainda conservava em meio a uma careca escancarada, voltou com tudo: em 1981, foi artilheiro tanto do Metropolitano (com 36 gols em 36 jogos! E pelo 11º colocado…) como do Nacional (com 15 gols em 17 partidas…).

No Torneio Nacional, foi decisivo justamente na eliminação do Boca, e do Boca de Maradona, recém-campeão do Metropolitano. Com direito a Dieguito expulso, Bianchi abriu o placar dos 3-1 em jogo único nas quartas-de-final. Mas o cenário francês se repetiu: os colegas não ajudavam e o Vélez foi eliminado nas semifinais justo no Clásico del Oeste com o Ferro Carril, apesar do Virrey marcar em ambos os jogos. Por outro lado, as duas artilharias de 1981 significaram total de oito artilharias na carreira. Só outro dois argentinos conseguiram oito: Di Stéfano e Atilio García, maior goleador do futebol uruguaio e do Nacional de Montevidéu. Em 1982 (fez os três de um 3-1 no River…) e em 1984, o Vélez foi respectivamente 5º e 4º colocado no Metropolitano, terminando o de 1983 a quatro pontos do campeão Independiente no embalo da vice-artilharia do veterano centroavante.

Ele ainda jogou cerca de metade do Metropolitano de 1984, onde o clube foi 6º. Acertou uma breve volta ao Reims, que estava na segunda divisão. Em sua despedida como jogador do futebol argentino, não evitou a derrota em casa para o Boca. Mas foi aplaudido pelas duas torcidas. Ao todo, computou 206 gols em 324 jogos na elite argentina – o recordista é Arsenio Erico, com 295, número que Virrey, apenas o 11º, tranquilamente superaria não fosse os sete anos na França. Os 206 bastaram para fazer de Bianchi o maior artilheiro velezano. Na Ligue 1, de mesmo modo, ele está só em 9º entre os maiores artilheiros, com 179 gols, mas em 220 jogos. Nenhum dos que estão à sua frente têm média tão alta (0,85 gols por jogo). O 1º foi o “rival” Delio Onnis, com 299 gols (em 449 jogos), números que Carlitos certamente alcançaria se jogasse mais tempo.

Um levantamento que reuniu gols das ligas argentina, inglesa, francesa, alemã, italiana e espanhola mostrou que Bianchi é líder com seus 385 gols em jogos de elite (foram 393 considerando os pelo Reims na segundona em 1984). Cristiano Ronaldo é o mais próximo, com 369. Seguem os 366 de Jimmy Greaves, os 365 de Gerd Müller, os 363 de Onnis e os 349 de Messi. Na passagem pelo Reims em 1984 na Ligue 2, foi jogador-treinador, virando só treinador depois. O resto da história todos conhecem…

Clique aqui para acessar as estatísticas dos gols de Bianchi na primeira divisão. Feitas por franceses, aliás.

https://twitter.com/JavierVazquez19/status/857308460656021508

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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