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Montillo e o San Lorenzo: dois ciclos, duas lesões no início de cada um

Em 2014, Botafogo e San Lorenzo se enfrentaram na primeira fase daquela Libertadores que adiante seria enfim vencida pelos azulgranas. O encontro nos inspirou a elencar as diversas semelhanças entre os dois clubes, desde tempos semelhantes de jejum, a perda dos estádios nos anos 70, o pioneirismo negativo como grandes rebaixados e em jogadores em comum. Walter Montillo não foi uma exceção à regra: quem se dava bem em um costumava ser ídolo também no outro, e quem não se sobressaía no outro tinha desempenho similar no um. Em ambos, Montillo teve lesões cedo.

Waldemar de Brito foi o primeiro, com passagens obscuras nos dois: estreou pelo Botafogo em dezembro de 1934 e um semestre depois teria uma passagem aquém do que prometia no San Lorenzo, por sinal prejudicado por uma fatura no segundo jogo – voltou para em 1939, mas como coadjuvante. O goleiro uruguaio Fernando Álvez foi outra figurinha difícil nas duas equipes.

Mais recentemente, outro uruguaio, Juan Manuel Salgueiro, vivenciou o terrível semestre de quase rebaixamento do Ciclón em 2012, enquanto que em 2016, mesmo em um Botafogo classificado à Libertadores, viveu uma das piores fases da carreira. No Diccionario Azulgrana, publicado no centenário sanlorencista para reunir verbetes de todos os jogadores entre 1908 e 2008, Germán Herrera teve como principais qualidades enumeradas a sua “vontade e sacrifício”, atributos que também no Brasil mais chamaram a atenção por todos os clubes onde passou.

Mas quem brilhou em um, tendeu a brilhar em outro. No mês passado, o zagueirão Oscar Basso, presente em todos os jogos do San Lorenzo campeão de 1946 (único troféu entre 1936 e 1959) e eleito duas vezes para o time botafoguense dos sonhos mesmo não passando de vinte jogos nem ter títulos como alvinegro, inaugurou a similaridade impressionante. Os artilheiros Rodolfo Fischer e Sebastián Loco Abreu foram outros grandes ídolos em comum.

Melhor momento, em 2003, o levou ao Mundial Sub-20

Houve exceções que confirmavam a regra: Tim, sem êxito como jogador em General Severiano, foi o técnico do primeiro campeão argentino invicto no profissionalismo, o San Lorenzo de 1968, enquanto Raúl Estévez fez o gol talismã na final da vitoriosa Copa Mercosul de 2001 para abandonar o barco alvinegro no quase-rebaixamento de 2004. Como se vê, ao chegar ao Rio de Janeiro, caberia a La Ardilla (“O Esquilo”) Montillo ser a exceção pró-Botafogo. Porque sua passagem pelo Sanloré foi na maior parte periclitante. Eis a íntegra do verbete do meia naquele dicionário do San Lorenzo:

Montillo, Walter Damián. Enganche. 2002-06, 100 partidas (10 internacionais), 7 gols (1). De Remedios de Escalada (14/04/84). Rubén Insúa lhe pôs o olho nem bem assumiu como técnico e o fez estrear na primeira rodada do Apertura 2002, contra o Rosario Central. Malandro, movediço e insinuante, sua apresentação gerou bastante entusiasmo porque dava o perfil ideal para associar-se com Romagnoli nas tarefas criativas. Porém, em poucas semanas lesionou o joelho em um treino e ficou inativo durante grande parte da temporada. Na segunda metade de 2003, já com Gorosito como técnico e Romagnoli lesionado, deveu amadurecer à força: se topou com a pesada responsabilidade de ser o regente do elenco. Esse foi seu ponto de desdobramento. Calçou o traje de condutor e foi a revelação da equipe vice-campeã do Apertura 2003, torneio que não pôde concluir por estar ocupado na seleção sub-20 que disputou o Mundial dos Emirados Árabes”.

A estreia de Montillo, na verdade, foi em um amistoso de pré-temporada em 20 de julho de 2002, um 5-1 no Deportivo Español no qual substituiu justamente Leandro Romagnoli. Seis dias depois, em 26 de julho, veio aquela primeira rodada do Apertura, voltando a substituir Romagnoli em derrota de 1-0 para o Central no Gigante de Arroyito. Voltou a ser usado na terceira rodada, em nova derrota fora de casa: 3-1 para o Unión, contra quem entrou para substituir Cristian Zurita, em 8 de agosto.

Antes de um novo jogo, veio a primeira lesão da carreira, em 20 de agosto. Esta nota publicada dois dias depois no La Nación mostra que o meia ficaria parado pelo menos dois meses ao fraturar o perônio direito em um treino, sendo a quarta lesão no elenco após quatro rodadas. Naquele mesmo semestre, o clube faturou a primeira edição da Copa Sul-Americana, mas sem nenhuma participação de Montillo. O torneio iniciou-se em 19 de setembro, um mês após a lesão.

Entre o também ex-botafoguense Herrera e Lavezzi

Se a expectativa inicial era de volta em dois meses, na verdade foram necessários cerca de dez: a terceira partida de Montillo viria em 28 de junho de 2003, já na penúltima rodada de uma campanha decepcionante no Clausura. Substituiu Damián Luna em um 2-2 com o Talleres. Em 5 de julho, na última rodada, a primeira vez como titular, ainda que não atuasse os 90 minutos (foi substituído por José Luis García). Fora de casa, o San Lorenzo bateu o Independiente por 1-0. Naquele bom Apertura 2003, Montillo foi usado regularmente entre a 2ª e a 14ª rodadas segunda rodada, sempre como titular, ainda que também sempre substituído (só não foi na 11ª).

O primeiro gol da carreira veio na 10ª rodada, o segundo em vitória por 2-1 sobre o River no Monumental. Também marcou no 1-1 com o Colón, empatando a partida em Santa Fe, na despedida: ocupado com a seleção sub-20, não esteve nas cinco rodadas finais. Com ele em campo, o clube havia venceu oito jogos em treze, empatando três. Nas cinco rodadas finais, venceu só duas e perdeu as outras três. A taça, por três pontos, foi perdida para o Boca, que venceu o confronto direto (1-0, gol de Iarley) no primeiro jogo que o Ciclón teve após o desfalque da revelação. A fase de Montillo era tão boa que antes desse jogo, houve quem indagasse quem seria o desfalque mais sentido em função do Mundial sub-20: ele ou Tévez.

Voltou a jogar pelo San Lorenzo em 21 de janeiro de 2004, como titular em dupla com Romagnoli no torneio pentagonal de verão em um 1-0 nada amistoso com o River: a partida em Mendoza foi suspensa ainda aos 32 do primeiro tempo devido a projéteis lançados pela torcida adversária. Só que no campeonato seguinte, o Clausura 2004, voltou à reserva de Romagnoli. A titularidade só voltou a partir da 11ª rodada, após o clube vir de uma sequência de dez jogos sem vencer. Mas foi perdida após as duas rodadas iniciais do Apertura 2004: 1-1 em casa com o Olimpo e derrota de 3-0 para o Boca, ainda que continuasse uma opção regular de banco para substituir sobretudo Romagnoli ou o recém-contratado Ezequiel Lavezzi.

No primeiro semestre de 2005, com Romagnoli vendido ao Sporting Lisboa, Montillo demonstrou à mídia estar animado em sucedê-lo. Foi titular na Libertadores, mas o clube, em entressafra, decepcionou caindo na primeira fase. No Clausura, a outra concorrência além de Lavezzi passava a ser Darío Bottinelli. Tinha seus momentos, como, sem ângulo e caído, fazer um verdadeiro golaço de cobertura nos últimos vinte minutos para empatar contra o Independiente e manter o San Lorenzo, com dois jogadores a menos, na liderança provisória no início do Apertura 2005, mas não conseguia mais uma regularidade como titular. Aquele gol (veja no vídeo ao fim) foi o seu penúltimo pelos cuervos.

Quando ainda era titular, no início de 2005, e no breve retorno em 2007

Em 2006, após não sair do banco na maioria dos jogos, com momentos esparsos de titularidade (2ª, 8ª, 9ª a 18ª rodadas), então foi emprestado ao Monarcas Morelia mexicano, voltando após um ano. Sem ele, o San Lorenzo havia acabado de vencer o Clausura 2007. Mas o Ciclón, que havia acabado de vender Lavezzi ao Napoli e ceder o decaído Bottinelli ao Racing, não concordou em estender o empréstimo de sua antiga promessa.

Montillo foi usado na primeira rodada do Apertura 2007, substituindo o artilheiro do vitorioso campeonato anterior, Gastón Fernández, na derrota de 1-0 para o Newell’s em Rosario. E o filme do primeiro ciclo praticamente se repetiu. Após a segunda rodada, voltou ao departamento médico, constatando-se uma contratura muscular que o deixaria de fora entre duas e três semanas, tempo de espera fatal no contexto de um campeonato curto. Montillo só voltou a ser usado já na 13ª rodada. Ainda que tenha entrado em quatro dos sete jogos da reta final, foi sempre saindo do banco.

Para piorar, a tática do técnico Ramón Díaz não usava meias-armadores: as chances de Montillo vinham longe de sua posição original, seja substituindo um atacante como La Gata Fernández (1ª e 19ª rodadas) ou Juan Carlos Menseguez (13ª), um cabeça de área como Santiago Hirsig (17ª), um lateral como Aureliano Torres (18ª). Essa postura parecia mudar para o ano do centenário que se aproximava, mas por intermédio da contratação do astro Andrés D’Alessandro.

Montillo foi então vendido para a Universidad de Chile. Começava a etapa mais importante e reconhecida da carreira, com o pico de rendimento entre 2009-11 por La U e Cruzeiro e recebendo chances ocasionais da seleção até seus primeiros meses de Santos, em 2013. A ponto de inspirar o comentário reproduzido abaixo pelo saudoso colega Tiago de Melo Gomes, horas após o Brasil 2-1 Argentina pelo Superclássico das Américas de 2012.

Sucesso, Montillo!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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