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Avellaneda é a menor das 7 cidades com dois campeões mundiais. E hoje seu clássico faz 115 anos: Racing x Independiente

Originalmente publicado nos 110 anos, em 09-06-2017

“Finalizava o ano de 1906 e com ele o contrato pelo terreno da Avenida San Martín. (…) De novo em busca de outro campo e após não poucas incursões, encontramos um no berço de um clube – ‘Racing’ – que, já prestigioso, monopolizava esportivamente aquela importante zona: Avellaneda. Sabíamos da simpatia e adesão que rodeava o clube de referência, o que podia parecer nossa intenção de nos endereçarmos ali um tanto temerária; mas sabíamos também que alguém havia dito que não há que torcer o curso do próprio destino”.

Essas palavras foram redigidas em 1935 pelos próprios criadores do Independiente, fundado trinta anos antes, espaço de tempo suficiente para deturpar e exagerar um pouco a história do clube. Os fundadores então se reuniram para contar o que seria a verdadeira trajetória do Rojo. Nascido em Buenos Aires em 1904, oficializado em ata fundacional de 1905 e enraizado em Avellaneda em 1907, o então Independiente Foot Ball Club cruzou pela primeira vez com o Racing Club (nascido em 1903 já na cidade vizinha à capital federal) naquele 9 de junho de 1907. Há exatos 115 anos.

Na época, o Independiente ainda não era o Rojo. Nem o Racing era o Blanquiceleste. A camisa racinguista, heresia, era quem tinha um tom próximo do vermelho, que se dividia com o celeste em um xadrez de quatro quadrados; o modelo alviceleste só surgiria em 1910, no embalo das festividades do centenário da Revolução de Maio (o movimento que desencadeou a independência). Já os novatos já tinham calças e meias azul marinhas, mas a camisa era branca, com um brasão azul marinho dividido por uma cruz em X, com as iniciais IFC. O uniforme fazia referência ao colégio St. Andrew’s, da comunidade escocesa e cujo time de futebol havia sido o primeiro campeão argentino, em 1891. Foi em 1908 que a camisa virou roja, embora o azul marinho típico da Escócia fosse mantido nas meias e calções.

Simeone e Forlán com versões modernas das camisas usadas em 1907. À direita, Independiente campeão da Copa Bullrich em 1909, cheio de ex-racinguistas do primeiro clássico

Nos seus primórdios, o Independiente quase se fundiu com o Atlanta (hoje na terceira divisão). Isso não só não ocorreu como ambos se enfrentaram em 1907. O oponente aplicou simplesmente um 21-0. Voltemos às palavras dos fundadores rojos: “não obstante a derrota que se havia experimentado, não se perde o entusiasmo nem mesmo a fé. Os jogos contra outros clubes se sucedem até que chega o domingo de 9 de junho de 1907, em cujo dia nos corresponde jogar com o Racing. Recorde-se que o Racing contava como aderentes a maior parte dos aficionados; que havia vencido o Atlanta amplamente, vencedor este por sua vez do nosso team por grande score, e será fácil imaginar quantos supunham, quase asseguravam, como precária a vida do nosso clube em Avellaneda”.

O comentário é que os experientes adversários, por terem ganho bem do Atlanta, venceriam o novo vizinho por 40-0. E o que diriam os fundadores do Independiente? “Não faremos uma descrição da partida: só diremos que se iniciaram as ações com tranquila segurança do triunfo por uma parte; pela outra, com a energia que se supõe em quem tem a firme vontade de cumprir com o tácito lema de ‘jogar-se inteiros’. Consignaremos, é claro, algumas cifras: primeiro tempo: Independiente 2, Racing 0; 30 minutos do segundo tempo: Racing empata. Faltam dois minutos para finalizar o encontro; um defensor quita, adianta a bola. Toma Pomarini, esquiva uma, duas, três vezes. Envia cruzamento que recolhe Rosendo Degiorgi. Se acomoda, atira: GOAL! Se reinicia o jogo, breves boladas e apito final. O Independiente triunfa por 3-2. Clamor na multidão!”.

Nascia um dos maiores clássicos do mundo. As escalações que se digladiaram a partir das 14h45 no campo do Independiente foram, do lado vencedor, Antonio Barraza; Enrique González e Luis Paitz; Fernando Zetti, José Hermida e Marcelo Degiorgi; Antenor Pomarini, Alberto Arregui, Jacinto Tagliaferro, Miguel Peluffo e Rosendo Degiorgi (pai do clube: primeiro sócio e primeiro presidente rojo); e, do lado perdedor, R. Marengo; Juan Ohaco e Ricardo Mignaburu; Pedro Werner, Manuel Deluchi e Amadeo Larralde; Alberto Ohaco (ainda o maior artilheiro do Racing, defenderia o clube até os anos 20), Juan Collazo, Leopoldo Bruzzone, Braulio Ibáñez e Abraham Piatti.

Barraza e Rosendo Degiorgi nos anos 30. Ao lado, imagens da homenagem solene prestada pelo Independiente ao rival pelo título mundial, há cerca de 50 anos. Outros tempos…

Depois daquela partida, diversos jogadores racinguistas passaram ao vizinho. Deluchi, Larralde, Collazo, Ibáñez e Balbino Ochoa estariam na primeira Copa vencida pelo futuro Rey de Copas, em 1909: a Copa Bullrich, travada pelas equipes da segunda divisão (criada em 1899, de modo que todos os clubes da Grande Buenos Aires nascidos no século XX precisaram joga-la). Larralde inclusive seria o autor do hino do Independiente. “Y ha que gritar el que pueda, siguiendo nuestra corrriente, Hurra al Independiente, del pueblo de Avellaneda”, termina a letra. Outro vira-casaca foi um dos fundadores do Racing, justamente quem sugerira-lhe o nome: Germán Vidaillac.

E houve quem fez a travessia oposta. O Racing teria sorte com o novo manto alviceleste em 1910, vencendo a segunda divisão (com Vidaillac de volta) ainda que tenha perdido o dérbi – e com gol de um adolescente, Juan Hospital, de apenas 15 anos. Só que o prodígio se apaixonou pelo oponente e solicitou jogar nele em 1911. Já em 1912, o atacante estrearia pela seleção como um dos mais jovens debutantes da Albiceleste. A partir de 1913, ele e o Racing iniciariam um heptacampeonato argentino seguido, ainda um recorde no país – e que demorou cem anos para ser superado em alguma outra nação vencedora de Copa do Mundo. Em 1915, ocorreu o primeiro clássico na elite.

E, assim como há 115 anos e em 1910, ocorreu o paradoxo. O Independiente podia perder para equipes menores, mas endurecia contra a Academia, “que não era assim quando tinha pela frente onze leões vermelhos”, exalta a publicação Historia del Rey de Copas. O Rojo venceu por 2-1, na única derrota da campanha racinguista campeã de 1915. E outra história se repetiu: autor de um dos gols da vitória, o ponta-direita Albérico Zabaleta logo viria a jogar naquele Racing multicampeão, onde somou 99 gols. Racing que conquistou nos tribunais os pontos que perdera em 1915, devido à escalação irregular do autor do outro gol rival, Victorio Cappelletti.

Outro ângulo dos aplausos do Independiente ao título mundial do Racing, antes do clássico na rodada final de 1967: Mura, Acevedo, Santoro, Pavoni, Bernao, Artime (torcedor racingista), Ferreiro, Monges, Tarabini, o goleiro reserva Trucchia e Pastoriza (ex-Racing)

Em 1917, o novo título do Racing novamente teve como única derrota o Clásico de Avellaneda, já com dez anos de idade. Dessa vez, a derrota se manteve na pontuação. Por outro lado, ao caírem de 4-0 em amistoso de 1918, os Rojos protagonizaram o primeiro abandono do clássico (ainda aos 10 minutos do segundo tempo), temendo humilhação maior. Cena parecida se repetiria oitenta anos depois, quando, com o Independiente perdendo em casa por 2-0 em menos de meia hora, as luzes da Doble Visera suspeitamente foram cortadas (a partida foi completada outro dia e ficou no 3-1).

Mas o equilíbrio nos primórdios era mesmo a tônica. Em 1931, Racing e Independiente adentraram na era profissional com uma discrepância gritante de troféus. A Academia tinha nove títulos na elite e o Rojo, somente dois. Mas de fato os duelos diretos eram renhidos: na elite, haviam sido dezoito confrontos. Com número igual de vitórias, oito para cada um. O Independiente desfrutava a maior goleada, o 7-4 de 1927, devolvida integralmente pelo 7-4 do Racing no primeiro clássico profissional, em 1931. A aspereza já chamava a atenção em 1921, quando o racinguista Natalio Perinetti (único membro daquele hepta que estaria na Copa do Mundo de 1930) pediu que “deve se lutar para que a tranquilidade não se altere no estádio, já que se Racing e Independiente são adversários no field, mantém fora do mesmo uma cordial amizade que não deve quebrar-se”.

E os rivais se uniram no luto em 1923. Aquele tal Zabaleta havia sido artilheiro do campeonato argentino em 1918 e em 1921. Em 1922, marcou dois gols na vitória racinguista fora de casa em um 3-2 no clássico contra o ex-clube. Mas no ano seguinte faleceu subitamente, menos de um mês após seu último gol. O ex-time cancelou o jogo que faria no dia seguinte contra o Defensores de Belgrano para juntar-se às homenagens.

Charge de 1919 da revista Caras & Caretas criticando a crescente violência da rivalidade. E outros irmãos adversários no clássico, os Adorno

Os dois clubes se alternaram na supremacia do clássico até os anos 70. Ela foi racinguista de 1931 a 1935. Virou roja até 1950, incluindo a maior goleada do dérbi, o 7-0 em 1940. O Racing foi tricampeão seguido de 1949 a 1951 (na primeira vez que alguém conseguiu isso no profissionalismo), retomando a dianteira com direito a quatro triunfos seguidos, todos categóricos: 5-2 fora de casa e 3-0 em 1949, 3-1 e 4-2 (fora de casa) em 1950. Em 1953, com um quinteto ofensivo formidável transportado integralmente à seleção (algo inédito) e capaz de impor um 6-0 sobre o Real Madrid de Di Stéfano em Madrid, o Independiente aplicou um 5-1.

Nos anos 60, por sua vez, pode-se dizer com tranquilidade que apenas o clássico de Milão (cujos clubes foram ambos bicampeões continentais na década, conseguindo também o Mundial) foi mais relevante no mundo na época: Avellaneda se tornou naquele ano a primeira cidade sul-americana a ter dois campeões na Libertadores, com o bi do Independiente em 1964 (sobre o Nacional) e em 1965 (sobre o Peñarol) e o título racinguista em 1967, que evoluiria para o primeiro Mundial ganho pelo futebol argentino. Até hoje, o município de 350 mil habitantes é a menor das sete cidades do mundo com dois campeões mundiais – Milão, Montevidéu, Madrid, Buenos Aires, São Paulo, Porto Alegre são as outras. Esteve à frente até da vizinha Buenos Aires.

Pois o ano de 1967 não foi festivo só ao Racing, tanto em troféus como no confronto, em que os alvicelestes impuseram fora de casa um 3-0 em maio. No elenco, três ex-jogadores rivais (Miguel Ángel Mori, único a vencer como jogador a Libertadores pela dupla; o artilheiro Norberto Raffo e o brasileiro João Cardoso) e dois que na infância torciam pelo Rojo: o xerifão Alfio Basile e o técnico Juan José Pizzuti, que como jogador fora o segundo maior artilheiro profissional da Academia. No fim do ano, troco: treinado pelo brasileiro Osvaldo Brandão, o Independiente foi campeão nacional com um recorde de aproveitamento no profissionalismo (87%).

Destaques brasileiros: Cardoso e o Osvaldo Brandão, campeões em 1967. À direita, chute de Maschio quando a minúscula Avellaneda tinha o segundo clássico mais relevante no mundo

O título veio na última rodada, justo contra o Racing. Antes da partida, o Independiente homenageou solenemente o rival recém-campeão do mundo. No desenrolar, sapecou um 4-0. Dois gols foram de Luis Artime, até hoje torcedor racinguista mas justamente quem mais marcou gol sobre os alvicelestes. Foi a primeira das três vezes que o Rojo foi campeão argentino jogando o clássico. Em 1970, virou para 3-2 nos últimos dez minutos, com gol de Héctor Yazalde, ex-jogador das categorias de base do Racing. Mas somente em 1974 o Rojo voltaria a ter mais vitórias no confronto. Eram os tempos do elenco tetra seguido na Libertadores. Que, semanas após o tetra se assegurar, levou de 5-4 do rival.

Dado curioso: o título argentino de 1971 que permitiu o ingresso na Libertadores de 1972, a primeira do tetra, veio sob o comando técnico de Vladislao Cap. O técnico campeão das Libertadores de 1972 e de 1975 foi Pedro Dellacha. E o da de 1973 foi Humberto Maschio. Todos ídolos do Racing como jogadores, com passado inclusive como colegas nos anos 50. Estão inclusive no seleto grupo de campeões pelas duas camisas, pois Cap e Dellacha estiveram no título argentino de 1958 – e Maschio, que estava na época na Itália, pôde vencer tudo entre 1966 e 1967 antes de pendurar as chuteiras.

Maschio, ainda jogador no elenco campeão mundial em 1967, brinca com isso ao responder provocações rojas; à revista El Gráfico, em 2012, dedicava aos rivais que “graças ao Racing, vocês foram campeões várias vezes’, lhes digo. Havia algo de folclore, e me gritavam um pouco nos treinos. O hincha do Racing me perdoa. Antes era outro espírito, outra coisa. Te conto uma anedota mais dos clássicos: almoçávamos no Racing e íamos caminhando até o campo deles. E não em grupo, um a um. Ninguém te dizia nada. E terminava o jogo e voltávamos caminhando também. As torcidas se mesclavam, se zombavam, mas não acontecia nada. Nessa confeitaria onde estamos hoje, nos anos 60 e 70, se juntavam as torcidas do Racing e do Independiente. E daqui iam ao campo: os do Racing por uma vereda e os do Rojo, pela outra. Não acontecia nada”.

À esquerda, Cap (1º em pé), Dellacha (3º em pé) e Maschio (2º agachado) juntos como ídolos do Racing em 1956. Todos seriam técnicos campeões no Independiente: Cap no Metropolitano 1971, Dellacha nas Libertadores 1972 e 1975 e Maschio na Libertadores 1973…

Outro membro do Racing de 1967 foi Juan Carlos Cárdenas, eternizado como autor do gol do título mundial. Quando ele faleceu, há três meses, voltou à tona depoimentos de torcedores rivais exaltando lembranças de como o festejo mundial naquele ano foi comunitário e desejado por todos os argentinos, inclusive os do Rojo. Quando a balança virou, ainda houve reciprocidade, segundo o próprio Cárdenas – que assim destacou em 2017 ao La Nación: “deixávamos os carros no estádio do Racing e íamos caminhando até o do Independiente, em meio a seus torcedores. Nos abraçavam e nos felicitavam. Hoje as pessoas acham que uma partida é a morte. Não posso entender. Nós fomos muito felizes com o futebol. Nos anos 70, quando o Independiente chegou a várias finais seguidas, eu ia ao estádio deles também, porque queria vê-los, era um momento histórico ter uma equipe argentina na final da Libertadores. E podia pagar meu ingresso, mas quando me viam não me deixavam, o pessoal do Independiente sempre se preocupava em me dar o melhor lugar que tinham disponível. Não estou dizendo nada raro, é o mais normal do mundo”.

Um ano depois, o depoimento pertinente ao La Nación foi do capitão daquele Independiente tetra da Libertadores, o lateral Ricardo Pavoni: “quando íamos treinar, passávamos pela casa da Tita, no Racing, e ficávamos tomando mate com eles. Os garotos do Racing vinham ao nosso campo tomar mate conosco. Por aí nos matávamos a pontapés em uma partida, mas ao longo da semana nos juntávamos, havia amizade. Quando o Racing foi campeão do mundo, os recebemos com uma guirlanda de flores no campo de jogo. E quando fomos nós os campeões, em 1973, demos a volta olímpica no campo do Racing levantando a taça e a torcida nos aplaudia. A torcida do Racing nos aplaudia!”. Sim: o primeiro jogo do Independiente após ganhar o mundo foi um dérbi em pleno estádio adversário. Vencido por 3-1. Mas a imagem abaixo permite notar a esportividade da torcida racinguista.

Outro componente do Independiente tetra foi o zagueiro Francisco Sá, até hoje o jogador mais vezes campeão da Libertadores. Também ao La Nación, ele foi na mesma linha, já nesse 2022: “naqueles anos, não existia a loucura de hoje, não havia tanta rivalidade fora do campo. Mais de uma vez, El Pato [José Omar] Pastoriza me dizia: ‘vamos tomar uns mates com a Tita’, e cruzávamos depois do treino ao campo do Racing e compartilhávamos uns mates com os garotos do Racing, tínhamos boa relação”. Tita era Tita Mattiussi, histórica zeladora da pensão racinguista por décadas a fio e virtual matriarca de quem jogasse pelos alvicelestes.

A volta olímpica do primeiro mundial do Independiente foi dada antes de um clássico com o Racing na casa vizinha. E é possível ver o aplauso da torcida rival para o desfile, retribuindo 1967

Essa harmonia entre as torcidas começou a se quebrar nos anos 80, em meio ao caos social decorrente dos desmandos da ditadura; as diretorias, ao menos, historicamente mantém uma boa relação; os cartolas de La Acadé não tiveram pudor em vender diretamente aos vizinhos em 1981 a joia Gabriel Calderón (colega de Maradona no Mundial sub-20 de 1979) para mitigar a severa crise financeira que já os havia feito preferir usar mais lucrativamente o Cilindro naquele ano como depósito da feira municipal do que para receber jogos. Calderón é o segundo e ainda o último a defender a seleção vindo de ambos – seu único antecessor datava ainda dos anos 10, o goleiro Carlos Muttoni, presente no primeiro Brasil x Argentina. O negócio não serviu para aliviar por completo a crise, que levaria ao rebaixamento racinguista ainda na penúltima rodada de 1983. Tristeza foi permeada com uma repressão policial nas arquibancadas.

Como se não bastasse, a torcida racinguista ainda precisou suportar a necessidade de cumprir tabela em rodada final exatamente contra um Independiente que lutava pelo título. Novamente, o Clásico de Avellaneda viu volta olímpica, sempre ao lado vermelho: a conquista veio com um 2-0 sobre o rebaixado rival. O tal Pastoriza, revelado pelo Racing, já havia sido campeão no dérbi como jogador em 1967 e 1970 e, agora como treinador, virou o único presente nas três ocasiões históricas. Pastoriza, naturalmente, tornou-se tornou-se ícone rojo mesmo tendo trabalhado na Academia também como treinador (em 1981). Um dos gols foi do zagueiro Enzo Trossero, torcedor blanquiceleste na infância, mas que teria dois ciclos como jogador do Independiente, onde também seria treinador.

Jogador de outros tempos, Trossero teceu um depoimento mais cru à El Gráfico, em 2016: “sim, [era torcedor] pelo meu pai, mas isso acaba quando viras profissional. Veja que quando eu jogava no Nantes, a equipe que oferecia mais grana para me trazer à Argentina era o Racing e eu preferi voltar ao Independiente. Acaba aí. [Em 1983, tive] um pouco de pena, sim, mas nós vínhamos de dois vice-campeonatos e queríamos ganhar um título sim ou sim. Disse alguma vez [que torcia pelo Racing] e não tive problemas. Hoje é muito mais complexo para que um jogador possa dizer. O mundo mudou, está tudo mais agressivo, não só no futebol. [Hoje quero que ganhe o] Independiente. Sofro muito quando o Independiente vai mal. Sempre desejo sorte ao Rojo. Me doeu que perdesse a final da liguilla para o Racing”. A tal liguilla de 2015 era uma repescagem por vaga na Libertadores e serviu justamente de troco histórico da Academia.

Torcedores do Racing carrascos do time, algo curioso no clássico: Trossero preferiu comemorar em 1983 (memo com os alvicelestes rebaixados), Pérez não em 1994. Entre um dérbi o outro, o Racing não perdeu para o rival

Curiosamente, depois daquela derrota de 1983 o Racing reuniria dezesseis jogos e onze de invencibilidade no dérbi, até 1994, até hoje a maior série invicta de jogos e de anos no clássico. Ela caiu com um 2-0. Um dos gols foram de Hugo Pérez, que não comemorou: foi mais um caso de torcedor racinguista carrasco do clube do coração. Reserva do elenco alviceleste campeão em 1988 da primeira Supercopa Libertadores (o autor do gol do título, Omar Catalán, torcia para o Independiente…), El Perico Pérez venceria o torneio também pelo Independiente, em 1994 – o rival era o clube de torcida de seus pais, tendo ele se tornado racinguista por influência de um tio. Mas ele também viria a ter uma esposa, irmãos e sobrinhos de coração vermelho, enquanto os filhos se dividiram entre a dupla.

Em 2013, Pérez classificou aquelas duas conquistas como as mais felizes da carreira: “não posso escolher uma. A do Racing foi mais fodida, porque tivemos que ir defender a vitória no Mineirão, com 100 mil brasucas no campo. Era meu primeiro título e o Racing levava muitos anos sem ser campeão. Nunca esquecerei como nos receberam [no aeroporto de] Ezeiza. A do Rojo era o título internacional que faltava ao clube e eu passava a ser o único a ganha-la duas vezes. Sinceramente, eu sou torcedor do Racing, declarei sempre, mas também joguei, fui campeão e logo gerente no Independiente. Tenho um grande respeito às pessoas do Independiente e um carinho tremendo porque, sabendo de onde eu vinha, me aceitaram bem. Ando tranquilo na rua”. Campeão ainda do Clausura 1994 (ano em que esteve na Copa do Mundo) e da Recopa 1995 no Rojo, ele ainda é o último campeão internacional nos dois lados da rivalidade que faz hoje 115 anos.

Se encurtamos a longa e riquíssima história do Clásico de Avellaneda, é porque ela já foi contada a recontada diversas vezes no site. Já listamos  todos os jogos travados entre 1968 até o 3-0 imposto pela Academia ano passado. Clique abaixo para acessar especiais anteriores:

Independiente – Racing: Tradição de grandes goleadas

Racing x Independiente: Uma concorrência feroz e saudável

105 anos do Superclássico de Avellaneda

Elementos em comum entre Racing e Independiente

Antes de Sebastián Beccacece, Independiente e Racing já tiveram treinadores em comum

Nery Domínguez é o último campeão pela dupla: venceu a Superliga de 2019 pelo Racing após ter faturado a Sul-Americana 2017 com o Independiente

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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