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Desde 1968 até ontem o Racing não conseguia três gols de diferença no clássico com o Independiente

No fim de semana em que o Palmeiras quebrou um jejum de 22 anos, o tênis argentino (no fantástico ano de Juan Martín Del Potro) venceu pela primeira vez a Copa Davis e Keke e Nico Rosberg viraram só o segundo caso de pai e filho campeões da Fórmula 1, o Racing também pôde finalizar um jejum, ao saborear um 3-0 no clássico com o Independiente. Não é sempre que a Academia consegue essa diferença de gols no dérbi de Avellaneda. A última vez foi com um 4-1 em 1968, quando o homem não havia pisado na Lua e os alvicelestes eram quem sorriam mais: no ano anterior, o Racing havia se tornado o primeiro campeão mundial do futebol argentino.

Mesmo a maior goleada favorável ao Racing foi por três gols de diferença – curiosamente, no primeiro clássico profissional, nos 7-4 de 1931. Desde 1968, aliás, só uma vez conseguiu mais de três gols em um clássico e mesmo assim passou sufoco, nos 5-4 de 1975. Mesmo no período de maior invencibilidade alviceleste, entre 1983 e 1994 (com treze empates em vinte jogos, é verdade), não conseguiu. Vamos relembrar os principais momentos desde 1968, marcados pela mudança de domínio em Avellaneda:

1968: o poderoso Racing, único time argentino campeão mundial e segundo em títulos de Libertadores (um a menos que o rival Independiente) e nacionais (um a menos que o Boca), briga pelo título nacional, no qual perde em um triangular-extra com River e o campeão Vélez. Nessa campanha, aplica os 4-1 com três gols de Salomone e um de Basile contra o desconto de Yazalde.

1969: quase que a seca tem um ano a menos – o Racing ganhou um clássico por 3-1, gols de Cominelli, Cárdenas e Lamelza; teria sido 3-0 não fosse o desconto de Tarabini a treze minutos do fim. Naquele ano, a Academia quase é finalista do Metropolitano: embalada pelo superartilheiro brasileiro Silva “Batuta” (veja), tem a melhor campanha na primeira fase, mas é derrotada a quatro minutos do fim na semifinal em jogo único em campo neutro  pelo futuro campeão Chacarita.

1970: o Independiente é campeão do Metropolitano justo em um clássico de Avellaneda no qual o Racing esteve por duas vezes à frente do placar. Yazalde, ex-jogador dos infantis racinguistas (viria a ser o único argentino Chuteira de Ouro europeu além de Messi, em 1974), faz o gol da virada e do título a nove minutos do fim.

1972: o Independiente vence a primeira de suas quatro Libertadores seguidas nos anos 70 e se iguala em vitórias no clássico. Mas o Racing, vice-campeão do Metropolitano e que não derrotava o rival desde os 3-1 de 1969, ainda consegue equilibrar: no fim do ano, o time do goleiro Fillol vence por 2-1 (gols por sinal dos mesmos Lamelza e Cárdenas de 1969) e se recoloca à frente. O gol rival foi o primeiro da lenda roja Ricardo Bochini, profissionalizado naquele ano, no encontro.

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Yazalde e o gol do título em 1970. O desfile da taça mundial em 1973. Bochini nos 5-1 de 1975

1973: o Independiente vence nova Libertadores e é enfim campeão mundial, graças a um gol de Bochini sobre a Juventus dentro da Itália. O jogo seguinte ao título é justo o clássico. Em pleno estádio racinguista, os rojos desfilam com a taça antes da partida. Que vencem por 3-1, gols de Bertoni, Maglioni e Sá, com o ex-gremista Néstor Scotta descontando. Nesse jogo, o Independiente volta a se igualar em vitórias no dérbi: 44 triunfos para cada um.

1974: o Independiente soma nova Libertadores e supera em alto estilo o Racing em número de vitórias: primeiro com um 4-1 com três gols de Bochini (Galván faz o outro e Mifflin desconta). Depois, com um 5-1 em pleno Cilindro, de virada. Scotta volta a marcar, mas Raimondo, Saggioratto, Bertoni duas vezes e Galván deixam os deles depois.

1975: o roteiro, incrivelmente, se repete: o Independiente vence nova Libertadores e ganha por 4-1 (Bochini duas vezes, Giribet e Bertoni contra Buzzo) e fora de casa por 5-1 (Ruiz Moreno, duas vezes Balbuena, Pavoni e Giribet contra outro gol solitário de Scotta). Ainda há consolo alviceleste: no primeiro encontro após o título continental, o Racing vence pela primeira vez desde 1972. E em um maluco 5-4 com quatro gols de Alberto Jorge. Detalhamos neste outro Especial.

1976: o Independiente deixa de vencer a Libertadores, mas ganha por 4-2, 3-1 e 2-1.

1979: ano curioso em que cada um vence o outro fora de casa por 3-2.

1980: com um gol de Mazo aos 44 do segundo tempo, o Independiente vence por 2-1 no último clássico travado no Cilindro em seis anos. A casa racinguista é fechada no ano seguinte. Endividada, a Academia faz seu templo virar por alguns anos depósito de frutas da feira municipal e tem de mandar suas partidas (e clássicos) em outros estádios.

1983: o Racing é rebaixado pela primeira vez, em jogo contra a “imitação” Racing de Córdoba. A partida seguinte, pela última rodada, é o clássico. No qual o Independiente é campeão, ao vencer por 2-0. Título que o faria jogar (e ganhar) no ano seguinte a Libertadores e novo Mundial, virando o clube argentino mais vezes campeão do mundo. Um dos gols da vitória no clássico foi do defensor Enzo Trossero, torcedor do Racing na infância mas que mudara de lado até no coração. Eis palavras suas em 2016, nesta entrevista à revista El Gráfico:

“Sim, [torcia para o Racing] por meu pai, mas isso acaba quando és profissional. Veja que quando jogava no Nantes, a equipe que dava mais grana para me trazer à Argentina era o Racing e eu preferi voltar ao Independiente. Aí se termina. [Rebaixar] me dava um pouco de pena, sim, mas nós vínhamos de dois vices e queríamos ganhar um título sim ou sim. Disse alguma vez [que era racinguista] e não tive problemas, eram outros tempos. Hoje, é muito mais complexo que um jogador possa dizê-lo. O mundo mudou, está tudo mais agressivo, não só no futebol”. Indagado sobre quem prefere atualmente que vença, terminou de fulminar: “Independiente. Sofro muito quando vai mal o Independiente. Sempre desejo sorte ao Rojo. Me doeu que perdesse a final da liguilla [em 2015] para o Racing, esperemos que possa estar na próxima Libertadores”.

1988: ano festivo ao Racing. Em março, ganha o clássico pela primeira vez desde 1981, um 3-1 de virada com Colombatti, Wiktor marcando contra e Medina Bello revertendo o placar aberto por Barberón. Meses depois, a Academia quebra o jejum de títulos a perdurar desde 1967 ao vencer a primeira Supercopa Libertadores – o gol do título, por sua vez, é de um ex-torcedor rojo, o ponta Catalán. No segundo semestre, vence outro dérbi, por 2-1. Termina líder do primeiro turno do campeonato de 1988-89 (mas o título, já em 1989, fica com o rival, na última taça da Era Bochini).

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O ex-torcedor Trossero celebre o gol no clássico histórico de 1983. García provoca dez anos depois: o Independiente ainda não havia voltado a vencer

1992: o Racing, com um 2-1 e um 0-0, elimina o Independiente da Supercopa Libertadores, nos únicos clássicos em âmbito internacional. Um dos gols, do ídolo Claudio “Turco” García, é feito com a mão. Mas La Acadé termina no vice, em revanche para o Cruzeiro, o derrotado em 1988.

1993: o Racing também elimina o Independiente na Copa Centenário ao ganhar duas vezes, por 3-2 e 1-0 – jogo mais lembrado por “Turco” García devolver as vaias por aquele gol de mão ao abaixar as calças para a plateia roja. A Academia de outro ponta arisco, Claudio López, termina o ano líder do Apertura, a se concluir só em 1994.

1994: na retomada do Apertura, o Racing abre 2-0 sobre o Ferro Carril Oeste, mas ao comemorar o segundo gol Mariano Dalla Libera, já amarelado, tira a camisa e é expulso. O Ferro reage e empata. O Racing não vence as duas partidas seguintes, uma delas em derrota de 6-0 para o Boca. Reage na última com um 3-1 no Estudiantes, mas perde o título exatamente por um ponto. Quem encerra jejuns em Avellaneda, para piorar, é o Independiente, tanto em âmbito nacional (no campeonato seguinte) como no internacional (na Supercopa) e no local, ao vencer pela primeira vez desde “aquela” vitória de 1983. Um dos gols dos 2-0 é de Hugo Pérez, assumido torcedor racinguista, que não comemora. Também ex-jogador rival, Perico, reserva na Supercopa 1988, ainda é o último campeão pelos dois.

1998: o jejum dos três gols de diferença poderia ter se encerrado ali. Em plena casa rival, o Racing dá show e abre com menos de meia hora um 2-0 em novo clássico sem comemoração: ex-jogador rival, Ángel “Matute” Morales prefere respeitar a antiga torcida. O banho de bola era tamanho que ainda aos 39 do primeiro tempo, misteriosamente, cai a energia na Doble Visera. O jogo é reiniciado dias depois e o Racing confirma a vitória, mas por 3-1, pelo Apertura – onde, mesmo quebrada (em março de 1999, viria a célebre frase “hoje, o Racing deixou de existir”), a Academia terminou em terceira.

2001: na última rodada do Clausura, o Racing vence pela primeira vez o rival desde 1998, também na Doble Visera, um magro 1-0 em pênalti de Maximiliano Estévez, resultado vital em nova briga racinguista contra o rebaixamento (o time é o último que se salva). No semestre seguinte, o mesmo elenco supreende e vence o Apertura, quebrando jejum nacional de 35 anos: saiba mais.

2002: dessa vez o roteiro se passa na outra metade de Avellaneda. O Independiente começa o Apertura brigando para não cair, mas termina campeão. E com o melhor ataque da década, capaz de um 4-1 no clássico, gols de Ríos, Silvera e duas vezes Montenegro contra Romero.

2004: para o Racing, continua mais fácil vencer fora de casa o clássico. Gastón Fernández (duas vezes) e Lisandro López decretam o 3-1 na Doble Visera.

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Pérez e Morales, ex-jogadores rivais, não comemoram em 1994 (quebra de jejum do Independiente) e 1998 (quando o time do ainda cabeludo Cambiasso, à esquerda, apagou as luzes)

2005: o Racing de Diego Simeone, na briga pelo título, vence em casa pela primeira vez desde 1993 no primeiro dérbi após o centenário do vizinho. Lisandro López, no fim, marca o último em novo 3-1 para deixar César Menotti (ex-jogador racinguista que como técnico se apegou mais ao rival) em apuros. O troco vem com juros no segundo semestre: Frutos marca três, mas o que se sobressai é golaço do adolescente Kun Agüero driblando a zaga alviceleste em um 4-0.

2006: o Independiente vence ambos por 2-0, gols dos carrascos recorrentes Agüero no primeiro semestre (cuja venda no segundo semestre permite a construção do estádio Libertadores de América no lugar da Doble Visera) e de Montenegro no segundo.

2010: no Apertura, o Independiente vai mal e o Racing briga pela taça. Mas no clássico, dá Rojo com um magro 1-0 de Báez. E prioriza de vez a Sul-Americana quando a Conmebol define que o título dá vaga na Libertadores – algo que, caso se confirme, tira uma das vagas do campeonato argentino. O Independiente termina em último a nível nacional, mas vence a Sula. E de quem tira indiretamente a vaga na Libertadores? Do Racing.

2011: o Racing ganha pela primeira vez desde 2005, graças a Hauche e Teo Gutiérrez.

2012: Teo Gutiérrez abre o placar, mas Parra vira e o Independiente termina vencendo por 4-1, goleada confirmada com dois gols nos acréscimos, de Vidal e Rodríguez.

2013: na briga para não cair, o Independiente vence por 2-0, gols de Miranda e Santana. Mas o desleixo paralelo à Sul-Americana em 2010 custa caro e os promedios rebaixam por antecipação o Rojo.

2014: no reencontro após o acesso do Independiente, Diego Milito, de volta a Avellaneda, abre o placar em pleno Libertadores de América. O rival vira ainda antes dos 30 minutos com Penco e Mancuello. Ainda assim, o Racing termina campeão, somando 17 títulos argentinos contra 16 do vizinho.

2015: Milito marca e o Racing vence por 1-0 o primeiro clássico. O Independiente revida com um 3-0 (Benítez, Méndez e Vera). A rivalidade se prolonga na final da liguilla, torneio-repescagem pela última vaga na Libertadores. Bou e Romero decretam a primeira vitória racinguista no Libertadores de América. Na segunda final, o Independiente arranca no Cilindro uma vitória heroica no último minuto, com dois jogadores a menos, mas por 2-1. Sorrindo amarelo, o Racing vai à Libertadores.

2016: novo final frenético no primeiro clássico. O Independiente abre o placar aos 40 minutos do segundo tempo, mas Lisandro López, de volta à Avellaneda, evita com gol de bicicleta a derrota. Aperitivo para os dois gols que fez ontem.

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Lisandro nos 3-1 em 2005 e suas obras em 2016: bicicleta no primeiro semestre e dois gols ontem

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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