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Elementos em comum entre São Paulo e River

River e São Paulo têm incríveis semelhanças ao longo da rica história em branco, vermelho e preto de ambos. Além das cores, à primeira vista se detecta o estereótipo aristocrático, as três Libertadores e uma abarrotada sala de troféus que na linha do tempo comum deles só não foi preenchida nos anos 60, a ponto do clube argentino gabar-se como El Más Grande e o brasileiro, de “Soberano”. Apesar de poucos terem passado tanto em um como em outro (foram sete, curiosamente de uma forma quase Mercosul), os pontos em comum vão bem além.

Para começar, vamos mesmo aos inícios, com o perdão da redundância: eles nasceram de fusões. La Rosales e Santa Rosa formaram os millonarios, enquanto o Paulistano e a Associação Atlética das Palmeiras originaram o Tricolor. Também há discrepâncias sobre o ano da fundação. No caso brasileiro, há correntes para o ano de 1930 (ano da fusão) e para o de 1935 (ano da refundação após uma breve extinção); já a equipe argentina se diz criada em 1901, mas há evidências robustas que apontam que o ano correto seria 1904 – veja aqui.

Circunstâncias semelhantes envolveram a construção dos estádios da dupla, em áreas distantes do centro histórico de São Paulo e Buenos Aires e que eram fracamente povoadas, rendendo certa resistência para que o Monumental de Núñez e o Morumbi fossem erguidos. Os estádios receberam oficialmente os nomes dos entusiastas das obras: o presidente são-paulino Cícero Pompeu de Toledo e o dirigente riverplatense (posteriormente presidente também) Antonio Vespucio Liberti. Contamos aqui a saga para a construção do Monumental.

Muitos foram os anos em que ambos foram campeões. Os anos de títulos estaduais tricolores que coincidiram com taças nacionais millonarias foram 1945, 1953, 1957, 1975, 1980, 1981 e 2000. Os títulos de 1957, curiosamente, marcaram o início das maiores filas deles – a são-paulina durou até 1970 e a gallina, até 1975 (saiba mais). Também venceram torneios nacionais alusivos a 2008, 1977 e 1986, o ano mais mágico do torcedor do River, que ali celebrou também (pela primeira vez) a Libertadores e o Mundial, uma tríplice coroa então inédita no futebol argentino. Para os que se opõem à unificação do Brasileirão com os torneios nacionais pré-1971, o São Paulo é o maior campeão brasileiro, assim como o River é o maior campeão argentino.

Também conseguiram títulos continentais em 1996, quando o River levantou sua segunda Libertadores enquanto o São Paulo erguia a esquecida Copa Master da Conmebol, competição que reunia os vencedores da Copa Conmebol – torneio que os tricolores ergueram em 1994, ano em que o Millo venceu o Clausura. Tanta tradição já decidiu a final de outra competição sul-americana, a última edição da Supercopa (que por sua vez reunia os vencedores da Libertadores), em 1997. Com ambos de Adidas, deu River, que só voltaria a ser campeão no continente em 2014: saiba mais.

Negri, de gol decisivo no Paulistão de 1953; o brasileiro Roberto Frojuello, que pelo River fez dois na primeira derrota do Real de Di Stéfano em casa para estrangeiros em 8 anos

O River também levou a melhor nos pênaltis na Sul-Americana de 2003, lembrada pela pancadaria generalizada que se ocorresse em Buenos Aires faria os hermanos serem lembrados como brutais e péssimos perdedores, mas ocorreu no Brasil e acabou glamourizada por declarações bélicas de Luís Fabiano. O troco veio nas semifinais da Libertadores de 2005. Oficialmente, desconsiderando-se amistosos (como o 2-2 pelo Torneio Santiago de Compostela, em 1993, segundo jogo da carreira de Rogério Ceni pelo São Paulo), foram essas as outras partidas entre a dupla até a de logo mais.

Vamos a quem passou pelos dois:

Teófilo Juárez: despontou na Argentina no ainda badalado campeonato de seleções provinciais, ao ganhar a edição de 1928 por sua Santiago del Estero, no primeiro feito nacional do futebol do interior para além do rosarino. O zagueiro mudou-se inicialmente para o Rosario Central, então virando tricolor em 1932 – mas no Chacarita, cuja semelhança nos uniformes rendeu amizade com o próprio São Paulo. Esteve no River entre 1934-35, com relativo destaque a ponto de assinar com o Atlético de Madrid, negócio não efetivado em função da Guerra Civil Espanhola. Destacou-se ainda no Tigre. No São Paulo, esteve só no Rio-São Paulo de 1940, indo no ano seguinte ao Palestra/Palmeiras.

Juan José Negri: revelado pelo Estudiantes, como pincharrata esse meia-direita jogou uma vez pela seleção, em 1943, passando depois tanto pelo Boca como pelo River. Em Núñez, esteve na entressafra entre La Máquina e La Maquinita, os timaços dos anos 40 e 50, sem ter êxito na passagem como millonario (1949-50). Em São Paulo, já veterano, jogou inicialmente no Juventus, virando tricolor na vitoriosa campanha do Estadual de 1953, incluindo gol no clássico que valeu o título, no 3-1 contra o Santos – clube que defenderia em seguida. E onde chegou a ter o iniciante Pelé de reserva.

Roberto Fernando Frojuello: no Brasil, era só Roberto. Reserva de Canhoteiro, ainda assim jogou pela seleção brasileira, em dois jogos de maio de 1960 contra a Argentina pela Copa Roca. Ambos no Monumental, aliás. Apesar de jogar fora, o Brasil ficou com o caneco ao aplicar um 4-1 depois de perder por 4-2 no primeiro jogo. O River abriu o olho e contratou dois tupiniquins daquela façanha: Roberto e o vascaíno Delém. Fizeram uma legião brasuca em Núñez.

Também vieram os flamenguistas Moacyr (da Copa de 1958), Décio Crespo (talvez confundido com o banguense Décio Esteves, que esteve nos 4-1) e Paulinho de Almeida (não confundir com o vascaíno vencedor da Copa América de 1959); e Salvador, ex-colorado que pelo Peñarol vencera a primeira Libertadores, em 1960. Mas, em meio ao terrível jejum millonario, só Delém se sobressairia. Ainda assim, Roberto Frojuello, como ficou lembrado na Argentina, teve seus momentos. Em especial, os dois gols nos 3-2 sobre o Real Madrid de Di Stéfano recém-penta seguido da Liga dos Campeões, em 1961. Delém, aliás, fez o outro gol na primeira derrota caseira do Real em oito anos contra estrangeiros.

O brasileiro Didi viveu o longo jejum das duas equipes, mas foi bem reconhecido no River. O uruguaio Carrasco hoje trabalha no River do Uruguai

Didi: o “Príncipe Etíope” esteve no São Paulo no fim da carreira. Como foi por meros quatro jogos e em pleno jejum de 1957-70, não ficou tão marcado como no futebol carioca. Conviveu com a seca também no River, onde fora técnico de 1970 a 1972, credenciado pelo bom trabalho na seleção peruana (quadrifinalista na Copa de 1970, para a qual se classificara após eliminar a Argentina na Bombonera). Mas se as taças não vieram, sua passagem não deixou de ser respeitada.

Foi reconhecido por apostar em jovens pratas-da-casa que futuramente virariam ídolos, como Norberto Alonso, Juan José López, Reinaldo Merlo e Carlos Morete, vitais para a seca cair em 1975. Com eles ainda juvenis, Didi venceu um Superclásico contra o time principal do Boca, enquanto os profissionais do River estavam suspensos em função de uma greve: saiba mais.

Juan Ramón Carrasco: River e São Paulo têm em comum também um sucesso característico com uruguaios. Mas se Carrasco cumpriu essa regra na Argentina (onde também brilhou no Racing), no Morumbi foi a exceção. Em Núñez, tinha categoria em tiro livre e pegada forte, sendo aquele tipo de meia falso-lento bastante técnico, mas ao mesmo tempo potente. Ficou só dois anos, mas o suficiente para embalar dupla de armadores com Norberto Alonso e ganhar o tricampeonato do Metropolitano 1979, Nacional 1979 e Metropolitano 1980, participando ativamente sobretudo nos dois primeiros.

Em 43 jogos pelo Millo, fez 15 gols, ótimos números para um meia – e dois foram em um 5-2 no Boca na Bombonera. No São Paulo, veio junto com o hoje técnico atleticano Diego Aguirre, no segundo semestre de 1990, já um veterano. Os tricolores decidiram o Brasileirão, mas sem contar muito com os uruguaios. Aguirre, talismã do Peñarol dramaticamente campeão da Libertadores em 1987, fez só três gols. Carrasco, nenhum. Mas ficou reconhecido como um técnico ultraofensivo, sobretudo em outro River Plate, o do Uruguai natal – clube do qual é técnico e que participa dessa Libertadores.

Celso Ayala: o mitológico setor defensivo do Paraguai do fim dos anos 90 era “brasentino”. O gremista-palmeirense Francisco Arce e o colorado-corintiano Carlos Gamarra (ex-Independiente) se juntavam ao velezano José Luis Chilavert e ao millonario Celso Ayala, complementados ou por Pedro Sarabia (do River) ou Catalino Rivarola (Grêmio/Palmeiras também, e ex-Talleres). Os titulares absolutos foram todos lendas em seus clubes à época. Ayala não foi exceção. Cria do Olimpia com passagem pelo Rosario Central, foi um zagueiro sólido e rápido no glorioso tempo vivido entre 1995-98. Faturou um tri argentino, uma Libertadores e aquela Supercopa sobre o São Paulo.

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O paraguaio Ayala (antes da final da Supercopa 1997, contra o São Paulo) e Ameli

Individualmente, o maior momento de Ayala em Núñez foi um cabeceio que empatou no finzinho um Superclásico que o River chegou a estar perdendo de 3-0, em 1997 – em nenhum outro Boca x River o time que perdia de 3-0 conseguiu evitar a derrota. Ele esteve no São Paulo para a Copa João Havelange, em 2000, sob empréstimo (jogava no recém-rebaixado Atlético de Madrid, onda a dupla com Gamarra não fez o mesmo sucesso). Foi avaliado como um dos dez melhores zagueiros do torneio pela Placar, chegando a estar até em segundo na Bola de Prata da posição, embora frequentemente se ausentasse por contusões ou por compromissos com a seleção paraguaia. Sua esposa não teria se ambientado e o defensor voltou ao River no início de 2001. Saiu em 2002, com mais um título argentino.

Horacio Ameli: em 2001, o San Lorenzo foi campeão após seis anos. Em alto estilo: primeiro nacionalmente, com um recorde de pontuação na era dos torneios curtos (47), no embalo de outro recorde nacional, o de vitórias seguidas: 13. Depois, na Copa Mercosul (sobre o Flamengo), primeira taça internacional azulgrana. O técnico era o chileno Manuel Pellegrini, hoje (ainda) no Manchester City. Os xerifes eram Eduardo Tuzzio e o capitão Ameli, que o Internacional comprou em 2002. O Inter vivia seca parecida no Estadual e a quebrou. Então, o São Paulo trouxe Ameli para o segundo semestre. O Tricolor fez a melhor campanha da primeira fase no último Brasileirão mata-mata. Mas Ameli exagerava no vermelho; foi expulso até em plena estreia, contra o Paysandu.

A maior alegria dada aos são-paulinos foi pelo River. Pellegrini havia assumido a Banda Roja em 2003 e chamou seu antigo capitão, que participou da tumultuada eliminação corintiana na Libertadores. A dupla com Tuzzio também foi refeita, mas se acabou da pior forma: Ameli mantinha caso extraconjugal com a esposa do colega, o que se descobriu com o time em plenas semifinais da Libertadores de 2005; teria pesado na eliminação frente ao próprio São Paulo, com o vestiário dividido. Ameli, ídolo momentâneo, terminou crucificado e sua carreira afundou. Já o River revivia a amargura então rotineira de cair tão perto das finais mesmo com um time de ótimos nomes (Marcelo Salas, Marcelo Gallardo, Javier Mascherano, Lucho González…).

Além deles, um outro vestiu as duas camisas: Toninho Cerezo, que, trajando o manto millonario,  foi capa da revista argentina El Gráfico. O meia negociou com Núñez em 1980, mas a transferência não se efetivou. No fim da carreira, Cerezo se consagrou no São Paulo bi da Libertadores e do Mundial no início dos anos 90. Por fim, vale ressaltar que, ao contrário do que chega a ser sustentado em alguns veículos, o São Paulo jamais chegou a ser treinado por um Paulinho de Almeida, segundo o especialista Alexandre Giesbrecht. De todo modo, as fontes errôneas se referem ao Paulinho de Almeida do Vasco nos anos 50 (um branco), e não o do Flamengo (um negro), este sim o que jogou no River.

Veja mais: 

Elementos em comum entre São Paulo e San Lorenzo

Elementos em comum entre Cruzeiro e River

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Roberto Frojuello marcando na vitória sobre o Real Madrid (fez outro também) e dois momentos de Cerezo com a camisa do River: na capa da El Gráfico em 1981 e após jogo contra ele pelo Torneio de Compostela, “abençoado” pelo jovem Ceni

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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