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25 anos de um Superclássico épico: pela Libertadores, Boca vira 3-1 para 4-3 com bicicleta no fim

No início do mês, lembramos de uma das mais fantásticas viradas do futebol a nível mundial: em 1986, o River perdia de 4-2 até os últimos sete minutos para a fortíssima seleção polonesa da época. Virou para 5-4 com Francescoli marcando de bicicleta o da vitória: saiba mais. Mas os millonarios já provaram de veneno semelhante. E contra o maior rival, e pela Libertadores. Como foi pela primeira fase e em tempos onde o torneio não tinha a mesma divulgação no Brasil, trata-se de um episódio não conhecido em geral fora da Argentina, ofuscado por outros encontros intensos como os de 2000, 2004 ou o polêmico de 2015.

Vale lembrar o contexto da dupla na época. Os anos 80 viram os títulos rarearem para ambos. O River tivera um 1986 inesquecível. A vitória sobre a Polônia foi só um aperitivo para o primeiro time que venceu no mesmo ano o campeonato nacional, a Libertadores e o Mundial – com o adicional das taças internacionais serem inéditas em Núñez. Um ano tão especial que foi uma exceção: a Banda Roja ficara sem ganhar nada por meia década, entre 1981 e aquele 1986. Depois, passaria por seca parecida, de 1986 a 1990.

Já o Boca realmente vivera uma década perdida. Passaria onze anos sem ganhar nada no país, entre 1981 e 1992, o maior jejum nacional de sua história. Ambos se prejudicaram ainda no vitorioso ano de 1981 (o Boca venceu o Torneio Metropolitano e o River, o Torneio Nacional): os auriazuis, sem ganhar troféus havia três anos e vendo o rival ser tricampeão, gastaram 2 milhões e meio de dólares para se reforçarem com Maradona. A resposta do River foi usar a moeda ianque para tirar Kempes do Valencia. Só que o dólar se valorizaria 240% com as desventuras econômicas da ditadura, sem nada dever à dos Kirchner.

O jejum de onze anos do Boca só não foi completo porque venceu-se em 1989 a Supercopa e em 1990, a Recopa. Taças que aliviaram mas não espantavam totalmente a seca. Outra alegria paliativa foram as liguillas pré-Libertadores, repescagem pós-temporada que valiam vaga na principal competição continental e até rendiam volta olímpica: entenda. Tanto River como Boca conseguiram liguillas também. Foi vencendo a liguilla de 1989-90 que o Boca se classificou à Libertadores.

Já o Millo voltara a ser campeão argentino, mesmo com turbulências internas: Norberto Alonso e Reinaldo Merlo, que compunham a dupla técnica, saíram junto com o presidente que lhes contratara, não reeleito. Foram substituídos pelo recém-aposentado Daniel Passarella, que realizara o último jogo de sua carreira meses antes exatamente em um Superclásico, na semifinal da liguilla de 1988-89. O Kaiser havia sido expulso na partida. O River venceria sobre o San Lorenzo aquela liguilla, graças a um golaço do jovem reforço Gabriel Batistuta. O futuro Batigol, titular sob a dupla Alonso e Merlo, perderia lugar com Passarella.

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Dupla com Batistuta levou Latorre à Fiorentina e seleção

O título calou as possíveis reclamações e não se reclamou que após a temporada 1989-90 o River cedesse Batistuta ao grande rival. Especialmente porque Bati não realizaria um grande segundo semestre de 1990 no novo clube. Para o azar millonario, porém, o futuro maior goleador da seleção argentina “nasceria” no primeiro semestre de 1991, fazendo uma dupla infernal com Diego Latorre. Naquela Libertadores de 1991, cada um seria decisivo contra o River. Batistuta, faria os dois gols de um 2-0 em pleno Monumental. Mas há 25 anos, naquele 27 de fevereiro, o clássico seria de Latorre.

Mas a noite não começou dessa forma, e sim do pior jeito possível para os xeneizes. Era a estreia de ambos na edição de 1991 de La Copa. Antes dos 15 minutos, o River abriu 2-0 em plena La Bombonera, com cabeceios de Juan José Borrelli (aos 10 minutos) e Gustavo Zapata (aos 13). Latorre foi festejado pela primeira vez aos 28 minutos, insistindo após um escanteio favorável. Só que em cinco minutos a reação boquense foi esfriada pelo apito de Juan Bava, que viu um pênalti de Enrique Hrabina sobre Jorge da Silva. Borrelli não deu chances a Carlos Navarro Montoya (que havia feito 25 anos na véspera) a anotou os 3-1.

Um sopro de esperança, porém, veio ainda antes do fim do primeiro tempo aos comandados do maestro uruguaio Oscar Tabárez: os rivais perderam o volante Leonardo Astrada, expulso após falta forte render-lhe o segundo amarelo. O ânimo foi logo retomado no reinício, com o raçudo Blas Giunta usando a cabeça para diminuir aos 11 minutos. Tabárez substituiu Hrabina por Walter Pico, mais ofensivo. A contínua pressão boquense inspirou um obscuro zagueiro a ter seu momento de herói: Víctor Hugo Marchesini, aos 26 minutos, deixou a defesa. Tabelou com Latorre e teve frieza de matador para definir certeiro na saída de Oscar Passet. Era o empate.

A dupla dinâmica completaria o milagre aos 42 minutos. Acionado por José Villarreal, Batistuta ganhou pela direita e cruzou. Latorre fez a massa xeneize perder de vez a voz. Mas não naquele instante em que emendou de meia-bicicleta, e sim pelos gritos de gol sem fim que ainda ecoam na memória de todo boquense lúcido naquela noite. Momento que foi listado no Top 10 de Superclásicos favoráveis ao Boca listados pela enciclopédia oficial do centenário do clube (em 2005), El Libro del Xentenario, tirando lugar até daquele cardíaco encontro pelas semifinais de 2004.

A derrota do jeito que veio parece ter abalado o River. Mesmo com três times se classificando em um grupo de quatro, formado com as camisas pouco pesadas de Bolívar e Oriente Petrolero, os millonarios seriam os eliminados, em último graças à derrota de 2-0 comandada posteriormente por Batistuta no Monumental. O Boca eliminaria ainda Corinthians e Flamengo e só pararia com muita polêmica na semifinal, diante do futuro campeão Colo-Colo, como comentamos ontem no especial dos 50 anos do goleirão Navarro Montoya: confira.

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Latorre era querido como Maradona havia sido e Riquelme seria. Os reencontros pelo Racing abaixaram sua idolatria

E Latorre? Garoto de classe alta, havia sido descoberto em torneios de country clubs e jogava nas divisões de base do Ferro Carril Oeste, clube elitista que vivia o auge do seu futebol nos anos 80. Pouco tinha a ver com o esterótipo de ídolo xeneize – além disso, tinha familiares torcedores do River, mais relacionado a seu estilo: “cheguei e quis voltar”, admitiu em 2008 em entrevista à El Gráfico sobre sua primeira impressão dos juvenis boquenses. Treinava só uma vez por semana para não largar os estudos. Além disso, seu esporte favorito era o tênis…

Só que Latorre tinha talento, não sendo apelidado por acaso de Gambetita (gambeta é como os argentinos chamam o drible). Foi promovido ao time adulto em 1987. Após aquele grande primeiro semestre de 1991, Batistuta e Latorre estrearam na seleção, vencendo a Copa América e de lá sendo negociados com a Fiorentina. Mas só Bati ficou na Viola, que emprestou Diego ao ex-clube por uma temporada. Por ironia, Latorre deixou o Boca em 1992 antes do desjejum nacional. Foi brilhar no melhor momento da história do Tenerife, chegando a marcar dois gols em um 3-0 no Real Madrid no Bernabéu. Mas fraturou-se contra o mesmo Real Madrid e perdeu o bonde da Copa de 1994.

Voltou bem ácido ao Boca em 1996. Após o fim do jejum nacional em 1992, os auriazuis viviam nova estiagem de títulos enquanto o River ganhava quase tudo. Latorre chegou a declarar que o clube era “um cabaré” e uma declaração sua de que a imprensa queria vender que havia “um Diego bom e um Diego mau” (que seria Maradona) também rendeu polêmica.

Latorre voltou a deixar o clube justo antes de um campeonato vitorioso, em 1998. No Racing, tampou o nariz em reencontros, gesto clássico de quem quer ofender os bosteros (era muito usado por Ángel Labruna, lenda do River) e virou um renegado por um tempo: o tal Libro del Xentenario, por exemplo, não o listou entre os cem maiores ídolos boquenses. Passado mais algum tempo, os ânimos deram uma acalmada e foi incluso em outro Top 100, um da revista El Gráfico em 2010. Não deixa de ser um bom condimento para o próximo encontro dos dois clubes, amanhã.

“Agora que o povo está mais frio e vê as imagens do passado e compara com o atual, me valoriza muito, me dizem”, declarou por outro lado Gambetita naquela entrevista de 2008. Nela, respondeu também que seu dia mais feliz no futebol foi aquele de 25 anos atrás.

Clique aqui para acessar matéria da época daquela partidaça, através do blog La Passucci.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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