Primeira Divisão

60 anos de Norberto Scoponi, o maior goleiro do Newell’s

Foram treze anos de Newell’s, com 408 partidas que fazem dele o segundo jogador que mais suou pela Lepra, atrás só do ex-volante Gerardo Tata Martino. Norberto Hugo Scoponi é por tabela o goleiro que mais jogou pelos rubronegros, e justo na época áurea deles. Não pode ser outro o maior nome da posição entre os sangre y luto que aquele cabeludo alto de ótima elasticidade, reflexos e voos para garantir campeonatos e classificações dramáticas nos torneios continentais tão frequentes ao clube do Parque Independencia na virada dos anos 80 para os 90. El Gringo (apelido que na Argentina indica alguém interiorano e não quem tem pinta de estrangeiro) faz hoje 60 anos. Vale assim revisar nota originalmente publicada quando fez 55.

Nos 110 anos do Ñuls, em 2013, o Futebol Portenho elegeu Scoponi o maior goleiro do clube sem nem precisar pensar. Mas nem sempre o casamento foi feliz. Quando Scoponi estreou, em 1981, o rival Rosario Central havia acabado de ser campeão argentino pela terceira vez (eliminando o Newell’s na semifinal), enquanto os leprosos tinham só uma taça nacional. As cobranças, porém, explodiram mesmo em 1986. Os leprosos, da forma mais dramática possível, perderam a vaga na Libertadores em um tira-teima com o Boca, na final da liguilla – torneio-repescagem que envolvia os melhores times abaixo do campeão. Haviam vencido por 2-0 em plena Bombonera na ida. Na volta, em casa, abriram 1-0 e contaram com uma expulsão adversária. Na última meia hora de jogo, porém, os visitantes marcaram quatro vezes.

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Newell’s campeão de 1988: Basualdo, Martino, Scoponi, Theiler, Pautasso e Sensini; Balbo, Rossi, Llop, Alfaro e Almirón

Tata Martino, que havia feito os dois gols na Bombonera, relembrou em 2007 da tragédia, citando o colega: “não tenho culpa por ter perdido o jogo, sinto bronca e ressentimento por todas as barbaridades que se disseram. Depois todos se esquecem, mas eu não (…). [Nos acusaram de] vendidos por grana, por casa, carros, tantas coisas se disseram… Scoponi e eu levamos a pior parte”. Em 1992, esse momento foi lembrado até em um debate que a El Gráfico promoveu entre três mitos do trio Boca (Hugo Gatti), River (Norberto Alonso) e Independiente (Ricardo Bochini); enquanto Gatti, recordista de jogos como goleiro no Boca, dizia que Scoponi era àquela altura o melhor goleiro do país, Alonso destacava: “atenção, Scoponi defendeu nos momentos difíceis, quando o insultavam. Depois daquela liguilla, queriam mata-lo”.

Para piorar, o campeonato seguinte foi perdido por um único ponto justamente para o Central – que voltava da segunda divisão! O desafogo veio outro campeonato depois, na temporada 1987-88 (marcado não apenas pelo título em si, mas pelo plantel ser inteiramente de pratas-da-casa), e o goleiro soltou seus demônios: “dedico este triunfo a todos os que acreditaram em nós. Este campeonato também é deles. A toda essa gente que nos acusou de vendidos nem me lembro, mas eles sim vão se lembrar toda a vida de nós”. Ainda naquele ano, os rubronegros chegaram a uma final de Libertadores. Até hoje, o mais longe que uma equipe do interior argentino conseguiu no torneio.

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Desengasgando o dramático Apertura da temporada 1990-91 e em imagem recente

Mas foi em 1991 que El Gringo, já com dez anos de casa, entrou para o panteão da Lepra. O Newell’s deu o troco tardio no Boca na finalíssima pela temporada 1990-91, onde cada um havia faturado um turno. Fazia dez anos que os auriazuis não eram campeões nacionais, desde a maradoniana taça do Metropolitano de 1981. “Vamos muchachos, vamos que é o último esforço!”, inflamou o arqueiro a colegas nos vestiários da Bombonera, calada por ele no jogo da volta ao pegar na decisão por pênaltis as cobranças de Alfredo Graciani e Claudio Rodríguez. Walter Pico, intimidado, depois acertaria o travessão.

O Boca só viria a ser novamente campeão argentino em dezembro de 1992, encerrando sua pior seca doméstica até hoje – onze anos que as luvas de Scoponi ajudaram a moldar naquele julho de 1991, em trauma tamanho ao ambiente boquense que gerou choro convulsivo até em gente experiente feito o veterano zagueiro Juan Simón. Em entrevista em 2013, Maxi Rodríguez declarou que, como torcedor leproso, “o (jogo) que mais me ficou (marcado) foi quando ganhamos a final contra o Boca por pênaltis na Bombonera, em 1991. Além disso, os pênaltis foram embaixo da nossa tribuna. Me ficou gravada a imagem de Scoponi saindo a gritar com os braços abertos e chocando com Llop no caminho, todos sujos de barro”.

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Quando virou ídolo incontestável: calando a Bombonera em 1991

Em 1992, o Newell’s chegou a nova final de Libertadores, com seu goleiro sendo fundamental na decisão por pênaltis nas semifinais com o América de Cali: os argentinos passaram após um 11-10 nos penais, depois de vinte e seis cobranças ao todo. Scoponi já havia pego o chute de Sergio Bermúdez (depois capitão do Boca de Carlos Bianchi e que já declarou que aquela lembrança amarga influiu em um jeito diferente de bater na decisão contra o Palmeiras em 2000) e garantiu a classificação ao salvar o de Orlando Maturana. A final, contra o São Paulo, também só foi definida nos pênaltis. Scoponi defendeu a cobrança de Ronaldão, mas os colegas desperdiçaram mais e a taça ficou no Morumbi. Restou aos rosarinos festejar semanas depois um novo título argentino. Na campanha daquele Clausura 1992, El Gringo não sofreu gols nos cinco primeiros jogos.

O terceiro título nacional em quatro anos, somado à taça rubronegra de 1974, ainda por cima empatou os quatro títulos somados pelo rival. Não à toa, a Lepra atraiu Maradona em 1993 – a imagem que abre a matéria retrata o goleiro e o compadre Martino antes do amistoso contra o Emelec a marcar a estreia de Dieguito. O ano de 1993 também foi o ano em que Scoponi, enfim, começou a ser lembrado pela seleção, tomando de Fabián Cancelarich o posto simbólico de terceiro goleiro (ocupado por este na Copa de 1990, na Copa América de 1991 e na Copa das Confederações de 1992) para a sombra do ícone Goycochea e do titular Islas. O arqueiro leproso já havia estado no plantel da Copa América de 1993, ainda o último título da seleção principal. E seguiu para as eliminatórias e, por fim, à Copa de 1994.

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Reflexo e elasticidade juntos contra o San Lorenzo na semifinal da Libertadores 1988 e entre os outros goleiros argentinos da Copa 1994, Islas e Goycochea

No clube, o sonho, porém, havia acabado. Jorge Castelli, o técnico que substituíra Marcelo Bielsa, e o novo presidente, Eduardo López, mostraram-se rígidos. Não só Maradona como o trio com mais jogos pelo Newell’s – Martino, Scoponi e o volante Juan Llop – pediram o boné entre o fim de 1993 e o início de 1994. E ironicamente, apesar da convocação à Copa do Mundo, El Gringo terminou por nunca jogar pela Albiceleste. Não foi algo inédito: Héctor Zelada (da Copa de 1986), o antecessor Cancelarich e também Ángel Comizzo (ambos da Copa de 1990), todos também goleiros, foram outros que apesar de convocações a Copas nunca entraram em campo pela Argentina, nem mesmo em jogos não-oficiais – aqueles contra clubes, combinados ou seleções não-reconhecidas pela FIFA. Scoponi segue como último a passar por isso.

Após a Copa, ele foi sondado pelo River, que procurava repor a saída de Goycochea para o projeto maradoniano do Mandiyú. O negócio não se concretizou porque queriam-lhe que cortasse os longos cabelos, uma política acatada por Sergio Berti, o recém-contratado Germán Burgos e Gabriel Amato, dentre outros. “Bom, mas que [o técnico Américo] Gallego perca os 20 quilos que têm demais” foi a desbocada contraproposta. Mas, após sua vivenda sofrer um atentado a bomba em setembro na sequência de diversos telefonemas anônimos que lhe exigiam que deixasse o Newell’s, Scoponi deu um basta e rumou por três temporadas na Cruz Azul. Ainda voltou ao futebol argentino em 1998, repatriado como confiável reserva de Faryd Mondragón no Independiente, onde pendurou as luvas em 2000.

No Independiente, ao lado de um adolescente Gabriel Milito

Os contatos feitos no futebol mexicano propiciaram que Scoponi voltasse à Liga MX como técnico de goleiros em diversos clubes astecas (em 2001 ele chegou mesmo a voltar do México especialmente para os festejos dos dez anos do dramático título argentino de 1991). Ele atualmente trabalha na própria seleção mexicana, na comissão técnica do velho parceiro Tata Martino. Mas falar do Gringo, em suma, é falar da história grande do Newell’s. Diversas glórias (e percalços) de ambos mencionadas no texto já foram retratadas em especiais próprios. Confira pela ordem cronológica dos eventos:

*Liguillas pre-Libertadores, fonte de boas anedotas do futebol argentino

*Rosario há 30 anos: Central (bi)campeão argentino, Newell’s vice

*25 anos do início dos anos dourados do Newell’s

*25 anos da primeira final de Libertadores do Newell’s

*Marcelo Bielsa e Newell’s Old Boys: uma era que terminou há 20 anos

*Newell’s: vice-campeão da Libertadores vinte anos atrás

*Há 25 anos, Maradona incendiava Rosario: estreia no Newell’s, com direito a golaço

Rara imagem de Scoponi com a camisa da Argentina (notem o “nunca disputou partidas pela seleção”…), em perfil no guia da Copa de 1994 feito pela Placar. E como técnico de goleiros da seleção mexicana, seu posto atual

https://twitter.com/CANOBoficial/status/1349192655977259009

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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