25 anos de uma das maiores reviravoltas do futebol: a Copa Conmebol do Rosario Central
Matéria originalmente publicada no aniversário de 20 anos, em 19-12-2015
A camiseta de 1995 do Rosario Central não era exatamente bonita. O logo da Le Coq Sportiff era maior que o distintivo do clube. E o da patrocinadora General Paz Seguros, além de nada sóbrio, continha a pecaminosa cor vermelha, atrelada ao arquirrival canalla. Mesmo assim, o uniforme se tornou um clássico. Pudera! Foi um ano de alegrias raríssimas para a massa auriazul. A menos conhecida no exterior veio em fevereiro: o ídolo Mario Kempes vestiu aquele duvidoso manto para despedir-se do futebol justo no clássico com o Newell’s. Não só o venceu como, mesmo gordo, marcou gol para renovar a freguesia. E a mais famosa foi o primeiro título internacional do Central e do interior argentino. E revertendo derrota de 4-0! Pior para o Atlético Mineiro.
E pensar que os problemas econômicos fizeram os dirigentes centralistas cogitarem não disputar a Copa Conmebol… Seria um torneio de tiro curto, iniciado ainda no fim de outubro. Ciente da capacidade de levantar a taça, os jogadores optaram para não fazer greve diante do atraso de pagamentos. Ídolos como El Puma José Luis Rodríguez e El Chelo Marcelo Delgado haviam partido ainda no ano anterior, enquanto Kily González fora ao Boca justo naquele semestre, seduzido pelo projeto da volta de Maradona. O Boca, de fato, liderou a maior parte do Apertura, encerrado na antevéspera daquela final. Mas a favor do Vélez.
As novidades de 1995 eram boas e baratas: o atacante Martín Cardetti, promovido das inferiores; o carismático volante Eduardo Coudet, comprado do um Platense forte onde um tal de David Trezeguet ficava no banco; e o atacante uruguaio Rubén da Silva, vindo em baixa do Boca. “Me tragam pelo menos El Polillita Da Silva”, pediu o técnico Ángel Tulio Zof aos dirigentes. Foi atendido. Afinal, Zof tinha um toque de Midas no Central, assim como um veterano jogador daquele elenco: El Negro Omar Palma. Uma parceria iniciada em 1979.
“Uma vez Maradona te perguntou quem era teu ídolo e você disse que era El Negro Palma. Qual foi a reação dele?”, perguntou a revista El Gráfico a Kily González, fanático pelo Rosario Central e que passara a ser colega de Maradona no Boca. A resposta risonha foi “me mandou à merda”. Palma viera das inferiores e, promovido por Zof, estreou marcando gol em 1979. É o atleta mais vezes campeão no Central, sempre marcando nos jogos dos títulos: no torneio Nacional de 1980 (outra conquista perto de aniversário redondo: em dois dias, fará 40 anos) na segunda divisão de 1985, no campeonato de 1986-87 (deixando de vice justo o rival Newell’s).
À exceção de 1985, quando os canallas foram treinados por Pedro Marchetta, Zof era o técnico em todos esses momentos. Ele voltou mais uma vez à velha casa em 1995 para conduzir o trabalho iniciado justamente por Marchetta. Afinal, por mais querido que Marchetta fosse, a vaga rosarina à Conmebol viera por acaso. Em tempos onde só os campeões de Apertura e Clausura iam à Libertadores (vices só tinham chance se um mesmo clube faturasse ambos os turnos), um River invicto e um San Lorenzo dramático paparam respectivamente esses turnos na temporada 1994-95, se garantindo na Libertadores de 1996. O Central? Ficou só em 9º no Apertura e em 7º no Clausura.
Além de classificar à Libertadores de 1996, realizada no primeiro semestre, a temporada 1994-95 também definiu as vagas da Conmebol que ocorreria ainda em 1995, no segundo semestre, a partir da tabela somada. E aí a sorte sorriu aos auriazuis: calhou que os times acima da tabela já teriam o calendário internacional do semestre ocupado com a Supercopa, o valorizado torneio que reunia os campões da Libertadores (e que viu naquele dezembro um Maracanazo do Independiente sobre o centenário do Flamengo): era o caso de Boca, Vélez (ambos acima dos canallas tanto no Apertura como no Clausura), Argentinos Jrs (melhor no Apertura) e Racing (Clausura). As vagas na Conmebol, assim, caíram nos colos do Gimnasia LP e seus 49 pontos somados e do Central, que acumulou 39. Um a mais que o Newell’s, por sinal…
Se o Nacional de 1980 faz aniversário em 21 de dezembro, a data de 19 de dezembro já era um dia glorificado em todo canalla mesmo antes daquela epopeia de 1995. Nela, tanto em 1970 como em 1971, o time avançou na semifinal do Torneio Nacional. E em 1971 a festa foi maior, muito maior: a classificação veio no Clásico Rosarino. E, diferentemente de 1971, o Central ao fim terminou campeão, no primeiro troféu argentino que terminou no interior. A festa, na verdade, nunca acabou: o autor do único gol das semifinais, Aldo Poy, é desde então convidado a repetir seu lance de peixinho (palomita, para os argentinos) em confraternizações de torcedores espalhados pelo mundo, ensejando pedidos que o Guinness reconheça o gol como “o mais comemorado do mundo”.
A Conmebol de 1995 também foi comemorada mirando-se no rival, de certo modo. Afinal, em anos recentíssimos o Newell’s, em sua fase áurea, havia chegado perto de vencer a Libertadores, em 1988 e em 1992. Não por acaso, convencera Maradona a ir jogar lá em 1993. Mas o título continental escapou dos rubronegros nas duas ocasiões. A Conmebol não era a Libertadores, mas fez do Central o primeiro time do interior argentino a ser campeão da América. E tudo com uma campanha categórica: os rosarinos não tiveram problemas em chegar à final. Venceram todos os oponentes tanto dentro como fora de casa, quase sempre com margens confortáveis: 3-1 no Defensor em Montevidéu e 2-1 em Rosario, 2-0 no Cobreloa em casa e 3-1 no Chile, 2-0 no Colegiales em Assunção e 3-1 em casa.
Isso se voltou contra eles no jogo de ida da decisão. Em documentários, os canallas confessaram que foram com confiança excessiva ao Mineirão, sabendo que, jogador por jogador, tinham um elenco parelho com o do Atlético, por mais que no gol adversário estivesse o recém-tetracampeão do mundo Taffarel. Se no primeiro tempo ficou só no 1-0, em cabeceio de Ézio, no segundo os argentinos sofreram um caminhão de gols. Primeiramente, Cairo pegou a sobra de uma dividida na grande área e, antes que os atleticanos pedissem pênalti por ela, driblou Roberto Bonano para fazer o segundo gol. O terceiro, ainda com 15 minutos do segundo tempo, veio após pixotada da defesa auriazul em recuo desastroso da zaga a Bonano. O Galo roubou a bola e Paulo Roberto, em um chute desengonçado, fez o terceiro.
O último veio em disparada do reserva Silva, que definiu cruzado pela ponta-direita em contra-ataque para encerrar um 4-0 que em nada desanimou a massa centralista, que compareceu em peso e muito ruído no Gigante de Arroyito na recepção ao pouso de seus jogadores. Foi um grande diferencial no ânimo. “Saí (do túnel) querendo comer um brasileiro”, afirmou Patricio Graff (é ele quem divide com Euller na foto que abre a matéria, observado por Pablo Sánchez) sobre o clima de exaltação repassado aos jogadores. Zof lhes disse que “se fizermos dois gols no primeiro tempo, a coisa pode sair”. Bem, os rosarinos fizeram três. E o terceiro, logo na reposição de bola após o segundo.
Logo no início, o narrador foi profético. No primeiro lance ofensivo do Central, Palma cobrou falta pela direita. “Cuidado con el cabezazo de Horacio Carbonari” é a advertência que o leitor poderá conferir aos 2 mi40s do vídeo ao fim. A pressão argentina foi forte no início, com duas reclamações de pênalti na primeira metade da etapa inicial. O jogo, porém, rolava, nada truncado. Mas apenas o Central atacava e o primeiro gol enfim apareceu aos 23 minutos. Palma girou sobre a marcação de Doriva e lançou Diego Ordóñez, que bailou entre dois alvinegros e assistiu Cardetti na ponta-direita. El Chapulín cruzou rasteiro e Da Silva emendou fraco, mas suficiente para abrir o marcador.
O Central ainda precisava de pelo menos mais três gols para ter sobrevida, mas a louca torcida canalla já ousava gritar olé quando Palma gingava. Pablo Vitamina Sánchez, em jogada individual, também desfilou, mas concluiu fraco. Perto do fim, Da Silva quase fez mais um ao emendar de calcanhar, mas Taffarel esteve atento. Só que o goleirão brasileiro não segurou uma traulitada de Carbonari, em cobrança de falta já aos 39 minutos. O primeiro tempo, que transcorria sem maiores incidentes, se incendiou e gerou as expulsões dos laterais Paulo Roberto e Federico Lussenhoff após os atleticanos tentarem segurar a bola nas redes para atrasar o reinício.
De nada adiantou a catimba. Ao contrário. No reinício, a defesa atleticana se atrapalhou. A bola respingou para Da Silva, que viu Cardetti escandalosamente livre pela direita na entrada da área. Cardetti teve todo o tempo para dominar a bola e executar com a banda do pé um chute rasteiro colocado na saída de Taffarel. E por muito pouco o quarto gol não veio ainda no primeiro tempo. Até saiu, na verdade: Taffarel bateu roupa e Carbonari, na dividida, colocou nas redes, mas o árbitro considerou faltoso o lance. No finzinho, Pablo Sánchez arriscou de fora da área e acertou a trave direita de Taffarel. Já o segundo tempo foi diferente. O Atlético preocupou-se mais em segurar a bola. E o Central não conseguia gols – Raúl Gordillo até balançou as redes, mas em impedimento corretamente assinalado.
Se no primeiro tempo os argentinos dominaram amplamente, no segundo as boas chances foram mais equilibradas aos dois lados: para os argentinos, uma falta colocada de Palma e outra em petardo de Carbonari em que Taffarel voltou a soltar a bola, mas agarrando-a em seguida; um cabeceio de Da Silva que resvalou em Carbonari e quase encobriu Taffarel. Os brasileiros responderam com Euller, que tentou primeiramente encobrir Bonano; e, em outro lance, acossado por Carbonari, o “Filho do Vento” mandou para fora com o gol vazio. À medida que o gol necessário ao Central não chegava, a tensão naturalmente se elevava. O segundo tempo teve muitas faltas, uma delas após um ensandecido Cardetti buscar forte demais a bola seguidamente contra dois atleticanos. Foi expulso juntamente com Dedé.
Perto do fim, uma tentativa fraca de Da Silva em colocar a bola no ângulo quase resultou no gol: Taffarel soltou. Carbonari, que não esperava a falha, demorou demais para aproveitar o rebote e a zaga afastou. Mas ele e os canallas terminariam premiados no antepenúltimo minuto. Após um escanteio, o lateral se desvencilhou da marcação, subindo sozinho. Taffarel buscou o canto, mas a bola entrou antes. Contexto que deixava a decisão por pênaltis algo protocolar. Doriva isolou. Palma deslocou Taffarel. Bonano foi no canto esquerdo espalmar o chute de Leandro Tavares, que ainda acertou a trave, voltando para o campo. Mario Pobersnik (que substituíra Gordillo) deslocou Taffarel. Ronaldo Guiaro converteu com uma bomba no meio do gol, e Carbonari idem.
Mas um título tão emocionante não deixou de reservar algum suspense para aquela hora: Taffarel acertou uma cobrança muito bem colocada no ângulo, com Bonano voando inutilmente até lá, e em seguida segurou o arremate de Cristian Colusso (substituto de Ordóñez). Euller converteu similarmente a Taffarel. Ao fim, Coudet e Sánchez não se esquivaram em cumprir a promessa idealizada após a goleada no Mineirão, caso a revertessem: já na madrugada, dormiram naquele gramado logo tomado pela invasão assim que Da Silva também encaixou no ângulo a sua cobrança para deixar em Rosario a mais emocionante das taças sul-americanas garantidas ao futebol argentino – a menos que você prefira o mainstream do Boca x River de 2018.
Em 2019, escalamos Palma, Zof e Carbonari para o time dos sonhos do Rosario Central. E em 2014, incluímos essa final entre as dez maiores viradas do futebol argentino, em matéria inspirada justamente pelos feitos recentes do Atlético Mineiro
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Excelente matéria, parabéns!
Há pouca informação na internet sobre os torneios extintos da Conmebol.
Vocês tem material sobre a participação do Rosario Central na Copa Ouro em Manaus, em 96?
Não consigo achar uma foto sequer do jogo contra o Flamengo.
Valeu!
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