Primeira Divisão

Miguel Ángel Brindisi, mito do Huracán e “irmão mais velho” de Maradona no Boca

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Dieguito e Miguelito, a explosiva dupla do Boca de 1981

O interminável Javier Zanetti é, sem surpresas, o homem que mais vezes defendeu a Argentina. Este recorde já pertenceu a um certo Miguel Ángel Brindisi. E enquanto Zanetti vinha da estrelada Internazionale, o clube de Brindisi era o modesto Huracán, equipe que teve seus últimos momentos de grandeza contínua graças a este meia-atacante que hoje chega aos 65 anos – e que iniciou larga decadência após perdê-lo. As contribuições de Brindisi ao futebol argentino foram ainda além: entre os dez maiores artilheiros do Argentinão (e terceiro no clássico com o San Lorenzo), fez história já veterano com Maradona no Boca e deixou boa marca ainda em outro gigante, o Independiente.

Carregando no sobrenome uma cidadezinha italiana da região da Apúlia, começou graças a outro ídolo huracanense histórico, Emilio Baldonedo (que marcou OITO gols em um único ano na seleção brasileira, em 1940), que o descobriu. A estreia profissional veio a poucos dias dos 17 anos, em uma das maiores goleadas do Globo: foi em 1 de outubro de 1967, em um 8-2 no Juventud Alianza de San Juan. “Eu não trabalhava (…), mas lutei muito. Treinava três vezes por dia, três dias na semana. Na manhã, com o plantel profissional; pela tarde, com minhas divisões de base; e à noite, ia ao Parque Chacabuco para pôr-me às ordens do preparador Delfo Cabrera, aquele que ganhou a medalha de ouro (na maratona) nos Jogos Olímpicos de 1948”.

O progresso foi contínuo, inicialmente como um incansável volante-armador, que ia, voltava, sabia driblar em velocidade e finalizar de longa e pequena distância. Um jogador completo, que ainda antes dos 19 anos completos estreava na seleção. E marcando gol: foi em um 2-1 no Chile em La Plata em 11 de junho de 1969. Dois meses antes, marcara um dos gols da vitória no primeiro clássico com o San Lorenzo que o Huracán vencia fora de casa desde 1956.

Brindisi teria, porém, o desgosto de vivenciar a desclassificação nas eliminatórias à Copa de 1970. O gol seguinte pela Albiceleste viria no Maracanã, em amistoso em março de 1970 perdido por 2-1, chutando alto pela direita enquanto Leão não pulou pensando que a bola iria para fora. Miguelito voltaria a deixar sua marca nos brasileiros na Copa de 1974: em nova derrota de 2-1, descontou em bela cobrança de falta. O jogo seguinte (contra a Alemanha Oriental), o último no mundial e da trajetória de Brindisi pela seleção, foi justamente a partida onde ele tornou-se o então recordista de jogos pela Argentina, superando José Salomón. Mas o sabor foi amargo: “esperei quatro anos (pela Copa, após a desclassificação de 1970). Antes ias ao (futebol) exterior e era o exílio. Eu fiquei esperando e fui mal”. Principal jogador do país, recusou diversas ofertas estrangeiras para poder atuar na Copa.

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Nos inícios de Huracán, no auge e no retorno. E condecorado por Perón

O Huracán compunha a base da seleção naquela Copa: além de Brindisi, também foram o lateral Jorge Carrascosa, o ponta-direita René Houseman (artilheiro argentino no mundial, com três gols) e o meia Carlos Babington – também iria o atacante Roque Avallay, cortado ao lesionar-se no último amistoso prévio. O time, após anos irregulares (em 1969, chegou a vencer sete e empatar duas nas dez primeiras rodadas do nacional, para depois somar apenas um ponto nas sete rodadas seguintes; em 1970, lutou contra o rebaixamento assim como enfiou 9-0 no Colón, maior goleada profissional do clube. Brindisi, é claro, marcou), encantara o país com um futebol maravilhoso no campeonato de 1973.

A equipe do bairro de Parque de los Patricios já havia sido terceira em 1972, com Brindisi sendo o artilheiro do campeonato com direito a dois gols em um 5-1 no Boca e outro em um 3-0 que jogou água no chope do rival San Lorenzo, campeão exatamente na rodada anterior. Em 1973, então, o Globo encerrou em altíssimo estilo um jejum nacional de 45 anos, sendo eleito em 1999 o time argentino mais bonito no século XX ao lado da mitológica La Máquina do River dos anos 40. O técnico era César Menotti, projetado à seleção por causa do feito – clique aqui para saber mais daquele timaço. A ótima fase em 1973 de Brindisi não se limitou ao clube. Fez oito gols naquele ano pela seleção, incluindo um na vitória sobre a futura campeã Alemanha Ocidental em um 3-2 em Munique.

Ironicamente, o meia (lembrado na narração da cena do estádio no oscarizado filme O Segredo de seus Olhos) estava justamente ocupado com a Albiceleste no Paraguai na rodada em que o Huracán garantiu o título, em setembro. No fim do ano, também se exibiu por outras seleções: em outubro, atuou no festivo 4-4 entre um combinado sul-americano contra um europeu em Barcelona. “Do lado direito não eram menos magníficas as jogadas do argentino Brindisi”, relatou a Placar ao compara-lo a Rivelino e Paulo Cézar Caju, seus colegas de meio-campo na ocasião. Já em dezembro, fez o gol do Resto do Mundo na partida que celebrou a despedida de Garrincha pelo Brasil, ameaçando estragar a festa ao abrir o placar, e foi condecorado pelo presidente Perón (outro nascido em 8 de outubro) por não ir ao futebol europeu.

A Argentina não foi feliz na Copa de 1974 (e Brindisi ainda teve transferência à Juventus negada pelo fechamento do campeonato italiano a estrangeiros), mas o Huracán teve bons momentos. Esteve no quadrangular final do campeonato argentino e chegou às semifinais da Libertadores, após superar uma primeira fase duríssima vencendo tanto dentro como no Chile os vice-campeões do torneio no ano anterior (Colo-Colo) e no seguinte (Unión Española), com direito a um 5-1 na Unión com três gols de Miguelito. A classificação veio com um 4-0 no encardido Rosario Central, com mais dois gols do meia. Mas na semifinal o Independiente fez prevalecer a experiência de tetra seguido no torneio.

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Nas duas vezes em que marcou sobre o Brasil: antes da partida no Maracanã, em 1970, e em falta na Copa de 1974

O Huracán ainda lutaria pelos títulos argentinos em 1975 (com direito a um 7-1 no Chacarita com dois do aniversariante, um deles quase do meio-campo) e em 1976, ano especial onde venceu-se os cinco clássicos com o San Lorenzo – o último deles, um 4-2 com dois gols de Brindisi. O Globo, porém, teve de amargar o vice em ambos, para a poderosa dupla Boca e River. Ainda em alta, aquele timaço foi base de um combinado estrangeiro reforçado por Elías Figueroa, Pedro Rocha e Johan Cruijff que empatou em 1-1 com um combinado brasileiro no Pacaembu, em junho. Brindisi esteve lá também.

O meia foi contratado então pelo futebol espanhol em 1977. “Eu me criei, cresci e me fiz grande pelo Huracán, por isso sinto tando essa despedida”, declarou na época. Não menos emocionando foi o discurso do vice-presidente Osvaldo De Sanctis: “sei que é teu futuro e nós não podemos pôr travas no mesmo, mas ainda lutando contra esse profissionalismo que no momento atual nos faz trabalhar muitas vezes contra nossa vontade e em desvantagem, digo que este é um dos momentos que mais sinto em minha vida como homem do Huracán”. Deixou o dinheiro que lhe cabia na venda às divisões de base huracanenses.

Brindisi foi às Canárias formar uma colônia argentina no Las Palmas com Daniel Carnevali, goleiro argentino titular da Copa 1974, e Carlos Morete, artilheiro do River campeão sobre o Huracán em 1975. Foram os últimos anos dourados do clube, que acostumada à metade inferior da tabela lutou pelas cabeças e chegou em 1978 pela única vez à final da Copa do Rei: perdeu de 3-1 para o Barcelona. Brindisi marcou o gol dos vices. Paralelamente, o Huracán despencava para a 15ª colocação geral naquele 1978 e para a 8ª (em um grupo de dez times) em 1979. Atuar na Europa na época, porém, mais atrapalhava do que ajudava e Brindisi foi esquecido por Menotti na convocação à Copa do Mundo. Voltou rapidamente ao Huracán (e foi a vez do Las Palmas decair, não superando o 12º lugar até ser rebaixado em 1983 depois de dezenove anos seguidos na elite espanhola), a tempo de estar em outro clássico memorável com o San Lorenzo: 2-1 fora de casa no último dérbi realizado no estádio Gasómetro, vendido naquele 1979.

Avallay e Babington também voltavam e Houseman seguia no clube, mas a beleza de 1973 não se repetia. Ainda assim, o Boca contratou em 1981 o veterano meia juntamente da joia Maradona. Com a dupla, os auriazuis encerraram cinco anos de jejum nacional. Foi o campeonato de Maradona para a mídia, mas não são poucos os torcedores que julgam Brindisi (capitão daquele Boca) como ainda mais importante. Já com 30 anos, Miguelito passara a jogar de segundo atacante, chegou a liderar a artilharia e ao fim só fez um gol a menos que um Dieguito jovem e saudável. A grande tarde foi os 3-0 no River, com todos lembrando o golaço em que Maradona driblou a defesa arquirrival para fechar a goleada, mas com poucos se recordando que ela fora aberta com dois de Brindisi – um deles, de rebote de fora da área.

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No Unión e no Racing, os outros clubes onde jogou na Argentina, e cumprimentando Jairzinho na Copa Pelé, em 1987

A Placar relatou seguidamente aquele Boca, escrevendo em abril que “o Boca Juniors é o único time invicto do campeonato. Além disso, tem Diego Maradona. Na frente, Brindisi vem conferindo tudo. Está em excelente fase”. A taça veio com sabor especial a ele: o Boca garantiu o título na mesma tarde em que o ex-rival pessoal San Lorenzo tornava-se o primeiro grande rebaixado na Argentina. Nos quatro jogos em que Maradona se ausentou, Brindisi marcou em cada um (incluindo um 2-1 no San Lorenzo. Ele também deixou outro em um 4-0 no returno) e o Boca venceu todos.

Em 1983, já decadente, foi vendido ao Nacional uruguaio e no mesmo ano voltou à Argentina, no Unión de Santa Fe, deixando grata recordação: estreou justo contra o Boca (derrotado na Bombonera por 1-0) e foi um dos líderes da última boa campanha do Tatengue na elite, um quinto lugar – a equipe havia quase sido rebaixada no ano anterior. Ainda ajudou a impedir que o campeão fosse o San Lorenzo; marcou na vitória por 2-0 e os azulgranas adiante perderiam o título por um ponto. Brindisi queimou seus últimos cartuchos no Racing em 1984, mas foi incapaz de ajuda-lo a sair da segundona. Parou no Municipal da Guatemala no ano seguinte (chegaria a treinar a seleção do país), mas já em 1987 desfilava em gramados brasileiros como capitão da Argentina campeã da Copa Pelé, espécie de mundial de ex-jogadores e veteranos que fez grande sucesso na época – o Brasil de Rivelino foi derrotado duas vezes.

Como técnico, foi vice da Libertadores de 1990 pelo Barcelona de Guayaquil eliminando o River nas semifinais e teve seus melhores momentos em Avellaneda. Em 1994, foi campeão sobre velhos conhecidos: ganhou o Argentinão em confronto direto com o Huracán na última rodada (o ex-clube era líder mas levou de 4-0) e a Supercopa sobre o Boca de César Menotti após eliminar Santos, Cruzeiro e Grêmio. Foram os primeiros títulos do Independiente após a era Ricardo Bochini: saiba mais. Em 1995, obteve ainda a Recopa sobre o grande Vélez de Carlos Bianchi, mas desentendeu-se com a diretoria roja e atravessou o quarteirão para voltar ao rival Racing. E por pouco não conseguiu ser campeão pela dupla no mesmo ano: foi vice no Apertura, para aquele Vélez. O título chegou a ser sonhado ao vencer-se na antepenúltima rodada o então líder Boca (de Maradona e Caniggia) em plena La Bombonera por 6-4, mas a taça se esvaiu na rodada seguinte após goleada de 5-1 para o Colón.

O último trabalho de Brindisi foi emergencial, contratado a dez rodadas do fim da campanha que rebaixou o Independiente em 2013, com o time melhorando tarde demais. A carreira nova não decolou tanto, com ele virando técnico-bombeiro: treinou o Espanyol em 1998 para substituir o recém-chegado Marcelo Bielsa, contratado pela seleção (por um ponto não conseguiu ir à Copa da UEFA e chegou a vencer amistoso com a seleção argentina em 1999); quase acertou com o recém-rebaixado Atlético de Madrid em 2000; substituiu Carlos Bianchi no Boca em 2004; e tentou livrar o Huracán de rebaixamentos em 2003 e 2011. Não conseguiu, mas deixou alguma marca: sob ele o Globo venceu o San Lorenzo pela primeira vez no Nuevo Gasómetro, em 2001, e conseguiu um 3-0 em 2010. Essa foi a última vitória huracanense no dérbi até o mês passado e a primeira por três gols de diferença desde aquela em 1972, quando Miguelito ainda jogava (e fazia gols)…

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Como técnico, quase foi campeão no mesmo ano pelos arquirrivais Independiente e Racing. Melhor para os Rojos

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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