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70 anos de Aldo Poy, a pomba que jamais voltou a pousar do Rosario Central

Aldo Pedro Poy jugo en Rosario Central entre 1965 y 1974.

O Rosario Central desapontou a torcida ontem ao, em casa, não vencer pela quinta vez seguida o Newell’s, resultado que o deixaria na vice-liderança provisória. Uma vitória seria um presente e tanto para um ícone especial do clube e da história do clássico rosarino: Aldo Pedro Poy, autor do gol mais comemorado a nível mundial, segundo os apaixonados torcedores canallas. Sua grandeza ao futebol local não se limitou a isso: junto de ninguém menos que Mario Kempes, Poy foi o primeiro a ir a uma Copa do Mundo enquanto atuava no futebol rosarino (em 1974). Hora de relembra-lo.

Razões para idolatria nos auriazuis Poy tem as montes. Nascido a três quadras do Gigante de Arroyito, teve no Central o único clube de sua carreira, entre 1965 e 1974. Começou como jogador de área, mas paulatinamente converteu-se em um centroavante que recuava para ser também o cérebro da armação das jogadas – tanto que sua média de gols não é das mais altas. Fez 67 em 311 partidas. Mas crescia nos fervorosos dérbis com o Newell’s – seis do seus gols, ou cerca de 10% deles, foram sobre o grande rival. “Pedro Poy, Pedro Poy, o papai do Newell’s Old Boys” virou um cântico clássico.

Já declarou que “é muito difícil que eu vá a algum lado e alguém não me reconheça (…). Me reconhecem como se fosse um jogador de agora. (…) O mais louco é que muitos dos que me param nem sequer me viram jogar. Me fazem sentir bem, sentir vivo. O Rosario Central é uma paixão tremendamente intensa. O centralista pensa de uma forma muito particular e com uma devoção a suas cores que é inigualável. (…) Quando o Central sofreu o rebaixamento, por exemplo, houve 7.000 sócios novos”.

A declaração foi dada em coletânea de confissões à revista El Gráfico. Sobre os inícios, esclareceu que “sempre fui torcedor do Central. Comecei a ir vê-lo lá pelos 10 anos. (…) Já com 14 ou 15, admirava a loucura do Gitano Juárez. E aos 19 estreei na primeira. Com El Gitano joguei um par de partidas. Para mim era o máximo que podia pedir um torcedor. Não teria esperado mais. Fui jogar porque gostava de jogar, não pensava em jogar na primeira”. Um primo de segundo grau seu já havia atuado lá: o goleiro José Poy, muito mais conhecido no Brasil do que na terra natal – brilhou no São Paulo.

O futebol rosarino já tinha talento reconhecido pela seleção. Mas carecia de um título argentino: “até o ano de 1965 ou 1966, eram equipes profissionais bastante amadoras em muitos aspectos. (…) Os treinos não eram exigentes. Com Don Adolfo Boerio como presidente, mudou muito. Elegeu bem as divisões inferiores, trouxe Miguel Ignomiriello, que as organizou muito bem, e em 1967 lhe ofereceu a primeira. O futebol profissional passou a ser profissional de verdade”. O tal Ignomiriello, por sinal, foi quem primeiro lhe treinaria na seleção, já em 1973.

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A “palomita de Poy”. Ele já declarou que na época não tinha ciência da repercussão histórica trazida ao lance

Poy, porém, esteve próximo de sair. Foi em 1969, sondado pelo recém-ascendido Los Andes, clube treinado pelo mítico Ángel Tulio Zof. O atacante chegou ao cúmulo de esconder-se em uma ilha para melar a negociação. Em pouco tempo, Zof viria treinar o próprio Central e seria o técnico mais vencedor do clube – incluindo a sensacional Copa Conmebol de 1995, onde se conseguiu devolver no Gigante o 4-0 sofrido no Mineirão para o Atlético e ganha-lo nos pênaltis. Foi em um 19 de dezembro. Mas a data já tinha enorme significado no imaginário canalla há décadas. “Culpa” de Poy.

O Central ia ascendendo. Em 1970, com Zof de técnico, a equipe foi vice-campeã nacional para o Boca apenas na prorrogação. Para 1971, o ex-craque Ángel Labruna aportou para ser o novo treinador e foi só elogios a Poy: “com ele tenho assegurado o futebol, a condução e o sangue que necessita uma equipe para ser campeã”. As palavras seriam proféticas, pois a taça inédita para o futebol rosarino enfim viria. O concorrente final foi o mesmo San Lorenzo que hoje está à frente dos centralistas (o Boca também), e que levaria o troco após ter goleado o Central por 5-1 na fase inicial. Mas a semifinal é que terminou ainda mais recordada: foi contra o Newell’s.

O arquirrival também vivia bom momento, mas teria de esperar até 1974 para ser campeão também. O autor do gol do título rubronegro, Mario Zanabria (meia-esquerda das primeiras Libertadores vencidas pelo Boca, no bi de 1977-78), porém, já afirmou que “a equipe mais luxuosa que integrei foi a de 1971”. O sonho ruiu naquele semifinal, em jogo-único no neutro Monumental de Núñez, originando caravanas de dezenas de milhares de torcedores das duas equipes. E diversas lendas e contos, nenhuma tão incrível quanto um fato verídico: o marcador de Poy na jogada, Ricardo De Rienzo, posteriormente retirou o apêndice. O médico que o operou era fanático pelo Central, conservou o órgão e o doou à uma organização de torcedores por ter sido o “órgão mais próximo da bola na hora do gol”.

Já o conto mais célebre é do saudoso escritor Roberto Fontanarrosa, fanático pelo Central: “o gol do Poy vi pela TV, passaram a partida ao vivo. A pessoa se recorda sempre o que estava fazendo quando ocorrem esse tipo de coisas, como o dia que mataram o Kennedy”, exaltou. Fontanarrosa, no conto “19 de dezembro de 1971”, escreveu sobre um grupo de torcedores canallas que têm um talismã em um senhor idoso de sobrenome Casale, pois sempre que ele ia às arquibancadas o clube vencia o clássico. Mas, como sofre problemas cardíacos, se recusa a ir ao Monumental. A rapaziada então lhe prega uma peça, levando-o lá sem que ele note durante o caminho – até ser tarde demais para ir embora.

A partida foi dura, decidida em um único lance. Poy teria declarado aos fotógrafos para prepararem as câmeras quando, aos 10 minutos, Carlos Aimar viu o lateral Jorge González bem posicionado. González recebeu, foi à linha de fundo e cruzou à meia altura. Poy emendou de peixinho, mergulho que na Argentina é chamado pelo nome de outro animal – palomita (“pombinha”). “A única chance que tinha de chegar era se voasse. O cruzamento vinha bem forte e lhe dei de cheio, nem um segundo antes nem um segundo depois. Saiu fortíssimo num canto. Eu já via que ia ser gol antes que entrasse”.

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Representações artísticas da palomita, que significa literalmente “pombinha”, embora no Brasil a jogada seja chamada de “peixinho”

“A camisa da palomita tenho guardada. Me propuseram muitas vezes que a vendesse, mas é algo que não tem preço (…). Há um tempo me tocou conduzir um leilão e uma camisa normal do Central foi vendida por uns 10 mil pesos porque era minha. Não sei quando pode chegar a custar a da palomita, uma fortuna!”. Desde então aquela tarde no Monumental, Poy é reiteradamente convidado para reencenar a jogada em confraternizações canallas, que também reiteradamente pedem que Guinness reconheça o lance como o gol mais longamente comemorado no futebol.

“Já fizemos no Chile, Cuba – para o filho do Che -, Uruguai, Miami, Barcelona, Mallorca, e em muitas partes da Argentina. (…) Há torcedores que viajaram de Israel até Barcelona para poder participar. (…) Chegar a um lugar e encontrares com duas mil caras tuas que te olham foi uma coisa impactante. (…) Em 1997, armaram uma cena no clube Río Negro e só se podia entrar com uma máscara minha de látex, que era muito impressionante pelo realismo. Foi bastante impactante, de verdade. Uma das celebrações que mais lembro. Lhe chamaram de Hoy Soy Poy“.

Poy já não precisava de mais nada. Mas ainda armou a jogada dos dois gols do título (o Central venceu de virada o San Lorenzo por 2-1), em partida realizada justamente no estádio do Newell’s e cuja celebração foi feita em um bar chamado Polo Norte – uma grande piada, pois os torcedores rivais são pejorativamente chamados de pechos fríos (“peitos frios”, expressão argentina para torcida pouco vibrante). Em 1973, veio novo título argentino e o primeiro dos dois jogos pela seleção, 1-0 sobre a Bolívia em La Paz, fundamental para a classificação à Copa.

Poy não chegou a atuar no torneio e ainda em 1974 parou de jogar após lesionar o joelho direito. Justamente contra o Newell’s, em choque com o mencionado Zanabria. O prestígio, porém, seguiu vivo a ponto de Poy ser atualmente vereador em Rosario. Foi o segundo mais votado em 2011: “não é o mesmo que o esporte, mas tem uma parte de adrenalina que atrai”.

Vale encerrar com a conclusão do conto do velho Casale, que não resistiu à palomita: “essa é a maneira de morrer para um canalla! Ia seguir vivendo? Para quê? Para viver dois ou três anos arenosos mais, assim como estava vivendo, dentro de um vestiário, mal tratado pela esposa e toda a família? Mais vale morrer assim, irmão! Morreu saltando, feliz, abraçado aos muchachos, ao ar livre, com a alegria de ter ganhado da Lepra [apelido do Newell’s] pelo resto dos séculos! Assim que se tinha que morrer, que até o invejo, irmão, te juro, o invejo! Porque se alguém pudesse escolher a maneira de morrer, eu escolho essa, irmão! Eu escolho essa…”.

O título faz referência à nota que publicamos contado parte dessa história quando ela fez 40 anos: clique aqui.

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Na seleção, com Kempes. E em reencenações da jogada que o imortalizou

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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