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Há 40 anos a seleção descobria o talento do interior argentino

Copa-América-1975
Daniel Killer, Rebottaro, Mario Killer, Gatti e Pavoni; Bóveda, Gallego, Luque, Zanabria, Kempes e Ardiles, o capítulo seguinte ao prólogo de 40 anos atrás

Os anos 70, por hora, ainda são o forno da última geração dourada do futebol argentino. É dessa época o início da carreira da maioria dos campeões mundiais pelo país, em 1978 e 1986. E prova disso é a quantidade de bons jogadores encontrados mesmo fora dos gigantes do país. César Menotti foi o primeiro a notar isso e há exatos trinta anos arrancou uma vitória sobre a Bolívia na altitude oponente com uma seleção inteiramente estreante, um recorde de 14 novatos. 13 eram do rico interior argentino.

Jogadores longe dos arredores da capital federal já haviam sido aproveitados na seleção, claro. Mas eram sobretudo de Rosario Central e Newell’s Old Boys, a dupla forte rosarina admitida em 1939 na elite argentina, que apesar do nome era concentrada na Grande Buenos Aires e La Plata. Em 1967, a ditadura vigente pretendeu nacionalizar o futebol. Interviu na AFA e criou o Torneio Nacional, onde os melhores do campeonato argentino (renomeado então de Torneio Metropolitano) competiam com os campeões provinciais.

O Nacional rendeu diversas goleadas homéricas, mas foi um lugar ao sol aos talentos lacrados pela gigantesca centralização em Buenos Aires. Córdoba, conforme dissecamos neste outro Especial, foi o centro que melhor se aproveitou disso, a ponto de três clubes locais acabarem também sendo admitidos no Metropolitano: o Racing de Córdoba (vice nacional em 1980), o Instituto (que revelou Mario Kempes) e o Talleres, vice em 1977 e que só teve menos jogadores que os cinco do poderoso River Plate entre os campeões mundiais de 1978.

Foram três os tallarines na primeira Argentina campeã de Copa: o lateral Luis Galván, o meia-armador José Daniel Valencia (um dos homens que tiraram do mundial a possível vaga do adolescente Diego Maradona) e o volante Miguel Oviedo. Mas não é exagero dizer que o Instituto também teve presença tripla ou até maior que a do vizinho, pois além de Kempes La Gloria também havia revelado o próprio Oviedo e também Osvaldo Ardiles. O trio estava no elenco alvirrubro que conseguiu pela primeira vez a classificação ao Torneio Nacional, em 1973.

Na final da Copa, Ardiles (já no Huracán) e Kempes (já no Valencia-ESP) eram titulares, enquanto dos representantes de La T só Galván havia se mantido entre os onze iniciais. Outros “nativos” do interior entre os alvicelestes que começaram jogando contra a Holanda foram o centroavante Leopoldo Luque (do River), descoberto pela seleção justamente em 1975 ainda como atleta do Unión de Santa Fe, e o volante Américo Gallego, do Newell’s. Teriam sido mais um se Hugo Gatti, goleiro do Boca aproveitado também em 1975 vindo do Unión, não se lesionasse no fim de 1977. Era ele e não Fillol o dono da posição.

Praticamente metade dos titulares da final foram reconhecidos pela Albiceleste longe do centro principal, portanto. O mesmo se aplicava aos 22 convocados, com dez interioranos entre os 22 convocados: além dos titulares Ardiles, Kempes, Galván, Luque, Gallego e dos já mencionados Valencia e Oviedo, Menotti chamou ainda o goleiro Héctor Baley, do Huracán mas “descoberto” ainda no Colón de Santa Fe; Daniel Killer, do Racing, mas estreado como jogador do Rosario Central; e outro racinguista, o meia-armador Ricardo Villa. Ele também foi outro a “roubar” a vaga de Maradona e havia sido pinçado pela seleção ainda no Atlético de Tucumán. Ele faria sucesso com Ardiles no Tottenham Hotspur, inclusive marcando o golaço do título da Copa da Inglaterra de 1981.

(E poderiam ter sido mais, bem mais. Os três últimos cortados foram Humberto Bravo, mais um do Talleres; Víctor Bottaniz, ainda do Unión de Santa Fe, vice nacional em 1979; e Maradona).

O antecedente foi naquele 27 de junho de 1975, em jogo válido pela única edição da Copa Saavedra. Apenas uma outra vez a seleção foi composta apenas por estreantes: obviamente, no jogo inaugural dela, em 1902. Mas naquela ocasião só onze atuaram. Menotti foi além e fez uso das três substituições. A ousadia foi premiada com a penúltima vitória sobre a Bolívia em solo rival; a última demorou trinta anos, em 2005. A de 1975 não foi em La Paz, mas igualmente teve altitude contra, no estádio Félix Capriles de Cochabamba. Cinco futuros campeões mundiais estavam lá.

A escalação novata foi essa e em negrito destacamos os campeões: Oscar Quiroga (Talleres), Victorio Ocaño (Talleres), Luis Galván (Talleres), Pablo de las Mercedes Cárdenas (Juventud Antoniana) e Rafael Pavón (Belgrano); Osvaldo Ardiles (Instituto), Miguel Oviedo (não mais no Instituto e sim no rival Racing de Córdoba) e José Daniel Valencia (Talleres); René Alderete (Atlético Tucumán), Daniel Astegiano (Atlético Ledesma) e Antonio Alderete (Talleres). René Alderete, Oviedo e Antonio Alderete deram lugar a Ricardo Villa (Atlético Tucumán), Rubén Giordano (Racing) e Luis Ludueña (Talleres), respectivamente.

Astegiano e Cárdenas ainda são os únicos jogadores de seus respectivos clubes na seleção. Astegiano é também o único aproveitado nela vindo de um clube da província de Jujuy, no extremo norte argentino, fronteiriça à Bolívia. Cárdenas jogava em outro da região norte, na província de Salta. Giordano era o único “intruso”, pois seu Racing não era o de Córdoba e sim o original de Avellaneda mesmo. A presença maciça do Talleres se justificava pela campanha 4ª colocada no nacional de 1974, até então a melhor de um time do interior desconsiderando-se os rosarinos. O técnico de La T era ninguém menos que o mito Ángel Labruna.

A Bolívia usou a seguinte escalação: Bilbao; Del Llano, Rojas, Lima e Iriondo; Góngora, Liendo, Mezza e Sánchez; Linares (autor do gol local) e Veigazza. Ángulo entraria no lugar de Iriondo e Morales no de Veigazza. Já Liendo era um dos argentinos aproveitados pela seleção boliviana, a que mais naturalizou hermanos conforme contamos neste outro Especial.

Os gols da vitória por 2-1 foram de Astegiano e Ardiles, que quatro dias depois acertou sua transferência ao Huracán. Menotti se animou e novamente fez expediente de uma seleção do interior para a Copa América, dali a um mês. Se o enfoque há exatos 40 anos era nos cordobeses e nos nortistas, o torneio continental buscou lapidar as promessas da província de Santa Fe, que contém a cidade de mesmo nome e também Rosario: Ardiles, já no Huracán, era um dos intrusos de Buenos Aires, o outro sendo o meia Julio Asad, do Vélez (primo do Omar Asad que matou São Paulo e Milan em 1994).

Valencia e Pavón, ambos do futebol cordobês, eram os outros intrusos na “seleção santafesina”: Américo Gallego, José Luis Pavoni, Andrés Rebottaro, Mario Zanabria e Jorge Valdano vinham do Newell’s, em 1974 campeão argentino pela primeira vez; Mario Kempes, Ramón Bóveda e os irmãos Daniel e Mario Killer, do Rosario Central; e Hugo Gatti e Leopoldo Luque, do Unión. Ou seja, o capítulo seguinte àquele inaugurado há quatro décadas acrescentou mais cinco futuros campeões mundiais de 1978; dos interioranos campeões, faltava apenas Baley ter a sua vez e isto se daria já em agosto de 1975.

Além disso, Valdano, daquela Copa América, estaria na seleção campeã em 1986. Menotti foi mesmo um visionário!

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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