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Meia década do 3º e último título nacional do Argentinos Jrs

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Não há expressão melhor que “o bom filho à casa torna” para classificar aquele título. E o bom filho do Argentinos Jrs não é Diego Armando Maradona, que está mais para o filho pródigo. E sim Claudio Borghi, apesar de ter jogado também pelo rival Platense. Só que o Argentinos Jrs, incrivelmente, só conseguiu seus poucos troféus com Borghi presente. O inverso é parecido: primeiro a ser rotulado de “novo Maradona” (venceu com ele a Copa 1986), El Bichi jogou por Milan, River, Flamengo e Independiente sem repetir o futebol reproduzido pelo Bicho no bi argentino de 1984 e 1985, ano em que venceu ainda a Libertadores. Além dessas taças, o clube só conseguiu a de cinco anos atrás, dessa vez com o ídolo-mor de técnico. Foi um roteiro de cinema de apropriado desfecho no estádio do Huracán, usado em O Segredo dos seus Olhos, a receber naquele semestre o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Borghi só tem outra casa: o Colo-Colo, o outro clube onde foi vitorioso jogando e treinando. Sua tremenda ligação com o Chile foi talvez o maior empecilho ao título: seus familiares estavam radicados no país vizinho, que no meio da campanha sofreu um terremoto que matou quase mil pessoas. El Bichi pensou em não renovar o contrato para ficar com a família. O Argentinos já sofrera abalo nas terras vizinhas antes: escrevemos que “a primeira partida do ano não poderia ser pior para o Argentinos Juniors. Em um amistoso contra um o fraco Provincial Osorno, da segunda divisão chilena – onde os comandados de Carlos Borghi fazem a pré-temporada – os donos da casa humilharam e meteram 4 a 0“. Além disso, o Colo-Colo tirou do Bicho o xerife uruguaio Andrés Scotti.

Para piorar, logo antes do campeonato o bairro de La Paternal perdeu sua grande revelação, o atacante Gabriel Hauche, para o Racing (que, visando um torneio redentor, contratara também o veterano Roberto Ayala). Para substitui-lo, o Argentinos Jrs convenceu um aposentado a voltar a jogar: José Luis Calderón, que aos 39 anos somaria mais uma camisa vermelha para brilhar – havia sido artilheiro do campeonato pelo Independiente ainda nos anos 90, venceu a Sul-Americana pelo nanico Arsenal em 2007 e tivera diversas passagens pelo Estudiantes.

Campeão da segundona em 1995, do Apertura 2006 após 23 anos de jejum na elite com direito a um 7-0 com três gols dele no clássico com o Gimnasia LP (maior goleada da história do dérbi de La Plata) e da Libertadores de 2009, Calderón deixou o Estudiantes após não ser inscrito para o Mundial de Clubes, desentendido com Verón e Alejandro Sabella, então técnico dos pincharratas. Topou o convite para ser um dos destaques campeões, junto da dos outros artilheiros Ismael Sosa e Nicolás Pavlovich, da dupla de zaga Matías Caruzzo (o mordido por Emerson Sheik na final da Libertadores 2012) e Santiago Gentiletti e da excelente dupla de volantes armadores Néstor Ortigoza e Juan Mercier, os três últimos de futuro brilho no San Lorenzo campeão pela primeira vez da Libertadores em 2014.

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Borghi ainda como jogador, arrebentando no épico mundial contra a Juventus de Laudrup (ao fundo) e Scirea (de carrinho) em 1985, e abraçando a Jabulani e Calderón após vencer no Argentinos Jrs também como treinador

Aquele Argentinos Jrs ainda teria outro elemento desse San Lorenzo se não tivesse devolvido o goleiro Sebastián Torrico ao Godoy Cruz. Mas não sentiu falta, graças à outra conexão chilena, o seguro goleiro Nicolás Perić, e ao bom reserva Luis Ojeda. Já o próprio Godoy Cruz seria a outra grande sensação daquele Clausura 2010. O clube mendocino adentrou o torneio com sério risco de rebaixamento. Em 30 de dezembro de 2009, anunciamos que ele contratou para técnico Omar Asad, goleador em 1994 do Vélez nas finais da Libertadores (contra o São Paulo) e Mundial (contra o Milan): “a gente pode fazer uma boa campanha“, declarou na época El Turco. De fato, seria a melhor campanha do Tomba.

O título do Argentinos veio também por turbulências nos cinco grandes. O Independiente ameaçou ser campeão e de fato venceria ao fim do ano a Sul-Americana, mas atrasos nos salários teriam afastado os bons resultados na reta final. Já o estrelado Racing foi um fiasco do início ao fim, para o desgosto do seu célebre torcedor Gustavo Cerati: o líder do Soda Stereo entrou em coma naquele mesmo 16 de maio de 2010 (que também marcou a morte de Ronnie James Dio, mas isso é outra história). O River, com os vovôs Gallardo, Ortega e Almeyda, passava longe dos anos 90 e não melhorava a situação que lhe rebaixaria ao fim da temporada seguinte. Diego Simeone, hoje tão festejado, não conseguia êxito treinando o San Lorenzo. Outro tradicional em crise era o Rosario Central, que seria rebaixado na repescagem com o All Boys, de volta à elite após trinta anos. O clássico com o Newell’s foi naturalmente nervoso, um empate com quatro expulsões.

O Boca foi muito instável. Conseguiu tanto vencer o Superclásico com dois gols chilenos, por sinal (de Gary Medel), como perder do ameaçado Rosario Central e do Huracán em La Bombonera após vinte anos e trinta anos invictos, respectivamente, contra tais oponentes. Abbondanzieri saiu atirando contra a diretoria ao acertar com o Internacional e o fracassado reforço brasileiro Luiz Alberto atestou o péssimo ambiente interno ao disparar que “nem os melhores do mundo salvariam o Boca“. A má relação se evidenciou até em momento feliz, quando Palermo se tornou o maior artilheiro do clube mas foi ignorado nos festejos pelo desafeto Riquelme, que lhe dera o passe e comemorou sozinho.

Foi contra este time que o futuro campeão estreou. O Boca esteve por duas vezes à frente, com Palermo e o próprio Riquelme, este já aos 40 do segundo tempo contra o clube que o revelou. Mas o Bicho buscou o empate nas duas vezes. Enquanto isso, o Gimnasia LP vencia pela última vez o clássico com o Estudiantes. Essa foi a única vitória do Gimnasia nos últimos dez anos e faria toda a diferença adiante, pois os alvirrubros seriam vices por um único ponto. O líder era o Godoy Cruz após bater o San Lorenzo. A primeira vitória do futuro campeão foi um cartão de visitas: 6-3 no Lanús, que jogava em casa e havia aberto 2-0. O problema é que tardou a vencer depois disso. E ainda passou certo tempo dois jogos a menos, ambos suspensos pelas fortes chuvas.

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Mercier (abrindo o placar no jogo do título) e Ortigoza, dupla de volantes que brilhou também no San Lorenzo campeão da Libertadores (onde foi a vez de Ortigoza marcar o do título)

O que seria uma bênção só fez aumentar um ritmo que já seria frenético, com o calendário já apertado em razão da Copa do Mundo que se aproximava. Em um desses jogos, não teve jeito: o Argentinos levou de 3-0 do então campeão Banfield, vencedor do Apertura 2009 e que na época contava com o colombiano James Rodríguez. Em Tucumán, Perić foi a figura no empate com o Atlético, em um campeonato ainda embolado: “Independiente almeja liderança do Clausura“, escrevemos após ele vencer o clássico com o Racing. Assim como o Estudiantes seria o líder se vencesse como mandante o Argentinos, que desde aquele 6-3 não havia triunfado. O primeiro jogo de Calderón na campanha foi justamente contra o Estudiantes. Fez valer a lei do ex, marcando o único gol da partida, outra que adiante faria toda a diferença para definir o título.

O Godoy Cruz também se metia. “Está assim hoje, surpreendendo, por mérito próprio e não por deficiência de nossos adversários. Temos identidade” resumiu Asad antes de enfrentar o Newell’s, jogo que daria a liderança aos mendoncinos se vencessem. Não deu e El Turco declarou que “tiramos um peso das costas. Todos ficavam dizendo que estávamos invictos e nós estamos aqui por outra coisa. Vamos jogar um pouco mais tranquilos daqui para agora e na sexta-feira vamos voltar a felicidade com mais uma vitória no torneio“.

O Estudiantes sofria com eventuais desfalques para a seleção (Verón e Clemente Rodríguez estavam convocados por Maradona). Em compensação, a FIFA autorizou o retorno de Gastón Fernández, em imbróglio com o Tigres-MEX. Empolgado, sua dupla no título da Libertadores 2009, o artilheiro Mauro Boselli, falou em “lutar pelos dois títulos”, referindo-se àquele Clausura e à Libertadores 2010 também. Já a fase do Godoy Cruz era boa, seguindo na cola do Independiente.

O Argentinos só conseguiu vencer em casa o Vélez graças e gol contra e desperdiçava chances de se aproximar. Só empatou em casa o restante da partida interrompida pelas chuvas contra o Newell’s, em um insólito e frenético jogo de dois tempos de 13 minutos. Conseguiu vencer o Racing em Avellaneda com direito a pênalti defendido pelo goleiro reserva Luis Ojeda, mas em casa voltou a só empatar, com o Tigre. O Independiente empatava fora de casa com o Colón e parecia se consolidar, com resultados negativos dos oponentes Estudiantes e Godoy Cruz. Mas Argentinos Jrs enfim engatou, vencendo o River no Monumental e também batendo o Chacarita com gols-relâmpago.

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Sosa, artilheiro do campeão com 7 gols; Caruzzo, entre Calderón e Canuto, celebra seu gol na vitória por 4-3 sobre o Independiente, que vencia até os 44 do segundo tempo. Era a penúltima rodada e o clube virou líder assim

O Independiente, então, começou seus maus resultados. Perdeu para o Gimnasia em La Plata. O Godoy Cruz, que assumiria a ponta se vencesse o Racing em Avellaneda, não conseguiu, mas Asad já assumia acreditar em título inédito. E o Estudiantes perdia o artilheiro Boselli por duas semanas, em lesão no 1-1 com o Banfield. Assim, ainda no início de abril alertávamos “cuidado com o Bicho. O Argentinos venceu o Central e estava a dois pontos do líder e o campeonato pegou fogo: o quebrado San Lorenzo de Simeone bateu o Independiente e o Godoy Cruz, com um 6-2 no Tigre, voltou à liderança a cinco rodadas do fim, dividindo-a com o Argentinos, que venceu o Colón por 3-1. Calderón, contudo, ainda dizia que a meta era chegar na Sul-Americana.

O Independiente até retomou a dianteira com um 3-1 fora de casa no Banfield, mas já dependia de outros resultados para mantê-la. Ainda não foi a vez do Argentinos se isolar, segurado pelo Arsenal em um 2-2. Só que o Independiente ficou no zero com o Huracán e todos os demais venceram: Estudiantes sobre o River, Godoy Cruz contra o Chacarita (rebaixando-o) e o Argentinos Jrs contra o Gimnasia LP, conosco apontando-o como ótimo candidato a evitar título do Estudiantes. Mas Ortigoza jogou a responsabilidade para os alvirrubros de La Plata, dois pontos à frente. Já Calderón estava ansioso para seus “últimos 270 minutos no futebol”, acreditando que o Estudiantes perderia pontos importantes na reta final.

O Boca, após seis jogos sem vencer em casa, bateu o Independiente o tirou de vez da briga. Já o Argentinos superava a má arbitragem para vencer fora de casa o San Lorenzo mesmo com um gol mal anulado de Calderón e um pênalti não marcado em Ismael Sosa. Mas o líder ainda era o Estudiantes, que venceu o Chacarita, o que se inverteu na emocionante penúltima rodada: o Estudiantes ficou no 0-0, sofrendo com uma arbitragem suspeita contra o desesperado Rosario Central em Rosario: dois gols anulados de Gastón Fernández e expulsão direta de Verón, enquanto o Argentinos virava nos últimos minutos para 4-3 jogo que perdia por 3-1 para o Independiente. “Me vieram as imagens de quando jogava a segunda divisão com o clube, onde não me sentia útil, da minha família, que me bancou sempre. (…) Fizemos um triplo esforço. Cheguei ao vestiário e larguei mais lágrimas”, confessou Ortigoza, sondado por Maradona mas decidido a defender o Paraguai.

Borghi, que brincou que após o terceiro gol adversário “deveria ter estudado, me dedicado mais em alguma outra coisa ou ter um comércio“, já definia que só sairia do Argentinos como campeão. Na última rodada, o Estudiantes goleou, mas de nada adiantou: fora de casa, o Argentinos bateu por 2-1 o Huracán. O campeão não perdia desde a sétima rodada, sobrando lamentos em La Plata: “se o Estudiantes estivesse com as atenções somente para o Clausura, levaria o título tranquilamente” era a impressão da torcida, que ficou sem nada. Pois apenas quatro dias depois o Internacional, no esfumaçado gol de Giuliano, eliminou-os da Libertadores. O desafogo caseiro para Verón, Sabella e diversos chamados por este à Copa de 2014 como Enzo Pérez, Marcos Rojo, Federico Fernández e Agustín Orión ficariam para o segundo semestre. Conforme contaremos em alguns meses…

*Não detalhamos os jogos pois suas descrições encontram-se em notícias do próprio Futebol Portenho na época, inseridas nas palavras azuis. É uma homenagem ao primeiro ano do site, completado naquele campeonato. Fizemos o mesmo na matéria sobre o Apertura 2009, único título do Banfield: clique aqui.

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Gustavo Oberman, Juan Sabia, Gonzalo Prósperi, Matías Caruzzo, Luis Ojeda e Santiago Gentiletti; Ismael Sosa, Néstor Ortigoza, Facundo Coria, José Luis Calderón e Juan Mercier naquele 16 de maio. E Nicolas Perić, goleiro titular

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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