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Néstor Rossi, o “Patrão da América” (e do River Plate)

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Em 1955, quando voltou ao River após aperfeiçoar-se na Colômbia

“Quieto, senão eu chamo o Néstor Rossi!”, segundo a Placar em 1987, era a “simples frase” em que “pais severos costumavam serenar filhos traquinas”. “Nada mais justificável: el grán capitán Néstor Rossi era a síntese dos times argentinos que sapecavam sem dó nas equipes nativas”, explicava a revista brasileira. El Pipo Rossi foi de fato o modelo de volantão caudilho, a popularizar temperamento forte e berros entre os que vestem a camisa 5. Nascido em 10 de maio de 1925, este símbolo dos anos dourados do River e da seleção argentina faria 90 anos ontem.

Rossi cresceu no bairro de Parque de los Patricios, torcendo na infância para o representante de lá, o Huracán. Mas deu os primeiros passos ao norte da Grande Buenos Aires – Parque Patricios fica ao sul da capital federal -, para onde se mudara na adolescência. Ainda não no River, e sim nos juvenis do Acasusso e do Platense. O volante iria na verdade ao Boca, com quem vinha combinando ainda nas categorias de base. Carlos Peucelle, ex-jogador do River, técnico da base millonaria e um dos “criadores” do celebrado elenco riverplatense apelidado de La Máquina, porém, foi mais astuto.

Peucelle, autor de um dos gols da final da Copa de 1930, convidou Rossi para passar um tempo em seu sítio e o liberou do “sequestro” só com algumas horas para o fim do prazo de novas inscrições de jogadores. Com Rossi, por 5 mil pesos, já assinado com o River, claro. Ainda na base, tornou-se colega de Amadeo Carrizo e Alfredo Di Stéfano. Como eles, estreou profissionalmente em 1945. À diferença deles dois, Rossi começou a cavar lugar entre os titulares já ali. A estreia veio em um 2-0 no Racing, pela décima rodada, e a posição de médio-volante, que era de Manuel Giúdice, acabou ocupada pelo novato em um terço dos jogos. Em 1946, ganhou de vez a posição, mesmo precisando intercalar a carreira com o serviço militar obrigatório, e o Racing rendeu outra estória para o garoto:

“Aí havia um sargento principal que me dava umas licenças bárbaras de 15 ou 20 dias porque era fanático pelo River. Um dia, para minha desgraça, a alguém se ocorreu de revisar meu expediente e me mandaram preso um mês ao Regimento de Patricios. O que mandava nesse lugar era um sargento torcedor do Racing e justo no último jogo do campeonato jogávamos contra eles. (…) Antes de retirar-me, devia almoçar com ele. (…) Me serviram um ravióli impressionante”.

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Em 1946, quando firmou-se na titularidade, e veteraníssimo em 1957, com o irmão Omar, falecido naquele ano

“O sargento supunha que depois dessa comida, não poderia nem me mover. Quando terminei saí correndo para o campo e cheguei em cima da hora. Joguei, lhes ganhamos por 2-1 e, além disso, converti meu primeiro gol na primeira divisão. O que jamais soube o sargento é que antes de entrar em campo vomitei tudo o que me haviam dado. No momento de jogar, estava mais leve que nunca”.

O primeiro título como titular absoluto veio em 1947, para semanas depois repetir na seleção o roteiro de River. Em dezembro de 1947, estreou pela Argentina, na Copa América. O dono da posição, Ángel Perucca, tinha experiência como campeão do torneio em 1945 e era apelidado de “Portão da América”. Tal como fizera com Giúdice, Rossi não tardou a desbancar o titular, pegando a vaga para si já na segunda partida. O “Portão da América” dava lugar ao “Patrão da América”. Ainda que uma nova partida de Rossi pela seleção, após o jogo final contra o Uruguai, tenha demorado nove anos.

Rossi foi um dos líderes do movimento grevista que paralisou o futebol argentino no ano seguinte, na reta final do campeonato. Em maio de 1949, o presidente Juan Domingo Perón decretou um piso salarial de 1.500 pesos para os jogadores, que aspiravam muito mais e entraram de cabeça no Eldorado Colombiano, a mais lucrativa liga de futebol no mundo na época (entenda clicando aqui). O Millonarios de Bogotá colheu os melhores frutos, embalado com mitos daquele grande River dos anos 40. Além de Di Stéfano, também o atacante Adolfo Pedernera, o ponta Hugo Reyes e o próprio Rossi. O embarque veio apenas um dia depois de derrota de 3-2 para o San Lorenzo.

O Real Madrid contratou Di Stéfano em 1953 e queria levar Rossi junto. Mas na época os merengues eram um decadente time espanhol que não vencia La Liga havia vinte anos. El Pipo preferiu ficar na Colômbia e só deixou o Ballet Azul do Millonarios ao fim do acordo firmado pela liga do país com as demais federações sul-americanas, que tolerariam até 1954 a ausência de seus jogadores aliciados pelos vizinhos do noroeste do continente. Rossi regressou assim ao River em 1955, com glória. Teria até o gosto de jogar com seu irmão, Omar, até 1957, quando um linfoma tirou a vida do caçula.

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As outras camisas onde reluziu: Millonarios (com Di Stéfano agachado à frente), seleção e Huracán

Exatamente entre 1955 e 1957, o clube logrou seu primeiro tricampeonato seguido no Argentinão e seu volante reestreou pela seleção. Foi em meados de 1956, na primeira das três vitórias da Albiceleste sobre o Brasil no Maracanã, pela Taça do Atlântico. Rossi também esteve na segunda delas, no ano seguinte, pela Copa Roca. Foi o jogo que marcou a estreia e também o primeiro gol de Pelé pelos canarinhos.

O próprio Pelé assim lembrou daquela partida, em depoimento à Placar em 1971, quando se despedia da seleção: “o Brasil perdeu por 2-1. Quando eu entrei, por ordem do técnico Silvio Pirillo, o placar estava 1-0 para a Argentina. Fiz o gol do Brasil, enganando Néstor Rossi e vencendo Carrizo, dois dos maiores jogadores argentinos de todos os tempos“. Aquela partida foi em 7 de julho, meses depois do “Patrão da América” virar a “Voz da América” no Peru. O novo apelido caía bem, pois Rossi foi expulso mais vezes por reclamações do que propriamente por lances faltosos.

A idade já pesava e Rossi não tinha a velocidade de antes para interromper afoito os adversários e remeter a bola aos meias para iniciar o contra-ataque. Mas, em uma seleção cheia de jovens e por isso apelidada justamente de Carasucias (“cara-sujas”, gíria para moleques”) de Lima compensava com senso de colocação aprimorado para se antecipar e a liderança expressa nos gritos, como os despejados sobre o craque Omar Sívori nos 3-0 sobre o Brasil: “Cabezón, cola no negro”. “Pipo, são todos negros”, respondeu o confuso Sívori. “Bom, então cola em todos, imbecil”.

A tamanha identificação com a seleção tornou-o, apesar de jogar na Suécia com lumbago, um dos principais alvos da ira da torcida após a vexatória Copa do Mundo de 1958, em que a Argentina terminou eliminada na primeira fase ao levar de 6-1 da Tchecoslováquia, até hoje a goleada mais elástica sofrida pelos hermanos. Ele e outro mito do River, Ángel Labruna, foram os únicos remanescentes da dourada seleção dos anos 40 a jogarem a Copa – Carrizo só estrearia pela Albiceleste nos anos 50 e Di Stéfano, embora tenha ido à de 1962 pela Espanha, foi privado de jogar em razão de lesão.

Como treinador, só foi campeão justamente no Boca – e sobre o River, em 1965

A derrota foi sua despedida amarga da seleção, com um epílogo em 1962: em um 3-1 no Chile, já após a Copa do Mundo, atuou como técnico interino. Base daquela seleção de 1958, o River acabou afetado. O volante despediu-se na tarde em que, para o San Lorenzo, o clube perdeu uma invencibilidade de três anos e meio no Monumental, caindo por 4-2. Foi enfim defender o Huracán e começou muito bem: apesar da oitava colocação em 1959, o Globo só esteve a três pontos do terceiro colocado, em um torneio embolado. As campanhas seguintes, como jogador-treinador, já foram medianas, após a venda de outro Rossi de destaque, Oscar (não eram parentes), justo ao rival San Lorenzo em 1960.

Néstor pendurou as chuteiras em 1961, no Huracán do coração. Seguiu como treinador no Tigre, na reta final da segunda divisão daquele ano. Mas a carreira de técnico do Pipo não seria tão campeã. A velha idolatria no River e na seleção serviu-lhe para ter chances nas duas camisas em 1962; na Albiceleste, foi uma passagem interina de uma partida, pelo troféu binacional Copa Lipton com o Uruguai, no primeiro jogo da Argentina (em 15 de agosto, vitória por 3-1) após o fracasso no Mundial do Chile. No antigo clube, vinha razoavelmente, mas pegou uma suspensão a partir da 24ª rodada até a última – e os pupilos praticamente deram adeus ao título na penúltima, derrotados em célebre Superclásico protagonizado por brasileiros.

Em 1963, assumiu o Racing e até foi 3º colocado, algo ofuscado por um rival Independiente campeão, embora levasse de 4-0 no Clásico de Avellaneda. Durou até a 10ª rodada de 1964 no Cilindro, após quatro jogos seguidos sem vencer. Em 1965, então, veio o único troféu da nova carreira. Heresia: treinando o Boca. Tal como em 1962, os xeneizes saborearam justamente em cima do River. Rossi era na verdade o assistente de outro vira-casaca, o ex-colega Pedernera, que precisou ausentar-se para recuperar-se de um acidente automobilístico. E seguiu no cargo também na temporada seguinte. Em ambas, também foi semifinalista da Libertadores – e, assim, o Millonarios promoveu o regresso do ídolo a Bogotá. Mas foi preciso contentar-se com o vice colombiano de 1967, para o Deportivo Cali.

Em 1968, seu clube foi o Huracán, cujo grande momento foi a quase vitória para cima do rival San Lorenzo, em um 2-2 na campanha marcada pelo pioneiro título invicto do vizinho. Rossi passaria pelo futebol espanhol à frente do Granada (1969-70) e pelo Cerro Porteño em 1972 – no Paraguai, conseguiu a primeira vitória cerrista sobre um brasileiro na Libertadores, mas o elenco campeão nacional ao fim daquele ano já era comandado por Marcos Pavlovsky. Rossi só reapareceria na liga argentina em 1973, à frente da última grande campanha do sumido Atlanta, 3º colocado no Torneio Nacional – inclusive, arruinando qualquer chance de título do River na rodada final, onde o Bohemio buscou o empate em 2-2, facilitando a vida do campeão Rosario Central.

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Com Juan José López e Norberto Alonso em 1974, quando treinou o River. E nas celebrações dos 90 anos, em 1991, entre Pedernera e Di Stéfano, outros nomes de seleção, River, Millonarios e Huracán. Já tinha Alzheimer

A reação da diretoria riverplatense foi recontratar o antigo ídolo para o ano de 1974, mas ele não deu liga na volta a Núñez; caiu na 18ª rodada, após sofrer um 3-0 do Banfield, em ano bagunçado no qual o Millo teria outros três treinadores. Após passar pelo Elche na liga espanhola de 1974-75, reapareceu em Buenos Aires em 1976, repatriado pelo Atlanta, mas foi sombra de 1973: caiu após a 5ª rodada, após quatro derrotas e um empate para o bairro de Villa Crespo. Com renome na Colômbia, trabalhou ainda naquele ano no Deportivo Cali. Tal como em 1967, foi vice. Em 1977, foi um dos bombeiros que não evitaram a lanterna e rebaixamento do Ferro Carril Oeste, sendo o treinador verdolaga da 31ª à 35ª rodada.

Em 1978, só trabalhou na rodada inicial do Nacional, no All Boys derrotado por 3-0 pelo Talleres. Voltou a esse clube no Nacional de 1979, da 7ª à 11ª rodadas, como interino no trabalho do velho colega Aristóbulo Deambrossi. Também esteve à frente do Albo por cinco rodadas no Metropolitano 1980, última aparição do time do bairro na Floresta na primeira divisão até 2010; ainda naquele ano, assumiu o Colón. Em 1981, voltou ao Huracán, ao menos até a 9ª rodada do Metropolitano. Por fim, trabalhou na segunda divisão com o Atlanta em 1982. Foi bem, como vice-líder do grupo que teve a concorrência desleal do campeão San Lorenzo, o primeiro gigante rebaixado. A equipe posteriormente avançou à decisão dos mata-matas pela segunda vaga de acesso, mas caiu nos pênaltis para o Temperley.

A falta de taças como técnico não era um empecilho para Rossi seguir reconhecido pela carreira. Acabou quase sempre lembrado em enquetes argentinas para escolher os melhores jogadores do país por posição. A revista El Gráfico, em uma de 1975, o incluiu na melhor seleção do futebol argentino. Em duas outras em que ela promoveu só para jogadores do River, ele foi eleito tanto em uma extremamente saudosista de 1981 (na qual dez dos onze nomes foram de antes dos anos 60) como em outra atual demais de 1999, onde só ele, o ponta Félix Loustau e o goleirão Carrizo foram pincelados de antes dos anos 70. E se não pôde ser campeão em Núñez como treinador, foi ao menos o responsável por um dos maiores acertos do clube.

Foi o ex-volante quem intermediou a vinda de um torcedor fanático do Boca para testes em Núñez após o garoto, do modesto Sarmiento de Junín, desiludir-se por ser rejeitado no clube do coração. E foi El Pipo quem promoveu no River a estreia daquele jovem, que era Daniel Passarella, em 1974. Uma das estórias contadas na autobiografia Yo, Pipo, lançada em 1994 enquanto o ex-craque ainda podia lembrar-se delas: em 1991, quando ainda pôde juntar-se ao desfile de velhos ídolos nas cerimônias do 90º aniversário oficial do Millo, havia sido diagnosticado com Alzheimer. Néstor Rossi faleceu em 13 de junho de 2007, sem mais saber quem havia sido o Patrão da América.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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