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Jejum do River em casa contra Boca foi maior que o do São Paulo x Corinthians

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Aimar ruge: o fim do tabu, em 1999, com golaço dele

A vitória do São Paulo ontem sobre o Corinthians não apenas classificou o Tricolor no lugar do San Lorenzo às oitavas da Libertadores. Foi também em oito anos o primeiro triunfo são-paulino na própria casa sobre o maior rival, que desde 2007 seguia invicto no Morumbi no clássico. O River viveu algo parecido nos anos 90: nove anos sem um triunfo sobre o Boca em pleno Monumental de Núñez. Menos mal que, ao contrário do São Paulo nos últimos anos, vivia época gloriosa, e o rival nem tanto. “O Boca ganha clássicos e o River, campeonatos”, era o alento riverplatense.

Outras grandes rivalidades argentinas já passaram por algo parecido. O Huracán também teve de aguentar nove anos, de 1953 a 1962, sem bater o San Lorenzo em Parque de los Patricios. O Estudiantes, mais: esperou de 1987 a 1997 por um triunfo caseiro sobre o Gimnasia LP – eles não se enfrentaram na temporada 1994-95 por conta do rebaixamento alvirrubro, mas o jejum chegava ao sétimo ano. O Newell’s, de 1999 a 2005 pelo mesmo sobre o Rosario Central, assim como o Banfield de 2003 a 2010 contra o Lanús. O Independiente não venceu em casa (e o clássico) entre 1987 e 1994. O Atlanta não ganha em casa do Chacarita desde 1984 (!), mas ambos somaram 17 anos sem se ver nesse período por estarem em diferentes divisões, o que prejudica também rivalidades como Belgrano x Talleres (clássico mais vezes jogado na Argentina), Colón x Unión e Ferro Carril Oeste x Vélez.

O Boca já ficou sem vencer o rival em casa entre 1915 e 1927, mas só usou efetivamente seu campo três vezes nesse período – eles chegaram a ficar nove anos sem se enfrentar, por estarem em ligas separadas de 1918 a 1927. Seu maior jejum em casa no Superclásico, melhor falando, foi de 1981 a 1987 – mas vale ressaltar que mandou no Monumental mesmo um dérbi de 1984.

Já o jejum do River só não foi “total” pois venceu duas vezes na Bombonera, em 1994 (Clausura e Apertura), com shows de Ariel Ortega – seu baile no primeiro semestre teria garantido-o na Copa do Mundo dos EUA, embora não tivesse participado das eliminatórias; venceu pela Copa Centenário, em 1993, mas no estádio do Vélez; e ganhou alguns amistosos – mas estes não costumam ser considerados nas estatísticas argentinas e foram em campos neutros pelo país, como Mendoza e Mar del Plata.

Essa espinha ficou na garganta entre 1991 e 1999, enquanto o River se abarrotava de troféus a ponto de Ramón Díaz, técnico nada genial e com problemas de relacionamento com ícones do seu elenco, ser o treinador millonario mais campeão. Eis a lista, com destaque especial aos históricos de 1997:

23 de setembro de 1990: River 2-0 Boca, Apertura 1990. A última vitória em casa do Millo até a quebra do jejum, mais de nove anos depois, em 17 de outubro de 1999. Os gols, curiosamente, vieram de vira-casacas: do zagueiro Jorge Higuaín (ex-rival e pai de Gonzalo), aos 27, e do uruguaio Rubén da Silva (que por sua vez iria depois ao Boca) aos 16 do segundo tempo. Mas o River não terminou sorrindo: na última rodada, perdeu em casa para o Vélez com direito ao ídolo Ubaldo Fillol, como adversário, pegar um pênalti – ele se aposentou ali. A derrota deu a taça ao Newell’s de Marcelo Bielsa. Mas nem o mais pessimista millonario imaginaria o que viveria contra o grande rival a partir dali…

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Batistuta jogava no River e dele virou carrasco

1991: River 0-2 Boca, fase de grupos da Libertadores. Naquela edição, nada menos que os três primeiros colocados do grupo avançavam ao mata-mata. O River conseguiu ficar em último graças ao rival. Na Bombonera, antes, um jogão de cinema: o River abriu 2-0 e depois 3-1, mas levou de 4-3 com o gol da virada vindo de bicicleta (de Diego Latorre) aos 42 do segundo tempo. No Monumental, o carrasco foi o jovem Gabriel Batistuta, que anotou os dois gols e assim vingava-se do River, onde jogava até o ano anterior – sem receber as chances que merecia de Daniel Passarella (a má relação deles data daí), fora dispensado após a temporada 1989-90. Ele ainda marcaria gols para eliminar Corinthians e Flamengo e seu Boca só pararia em tumultuadas semifinais com o futuro campeão Colo-Colo.

1992: River 2-2 Boca, Clausura. Latorre foi novamente o carrasco, abrindo o placar. O River virou, mas Latorre reigualou a quinze minutos do fim.

1993: River 0-2 Boca, Clausura. O uruguaio Sergio “Manteca” Martínez abriu o placar logo aos 8 minutos. Alberto Acosta, que ironicamente era fanático pelo River na infância, ampliou aos 17 do segundo tempo. Depois disso, o Boca teria dois jogadores expulsos (o atacante Roberto Cabañas e o meia Carlos Tapia), e o River, um (o lateral Hernán Díaz), mas manteve o placar.

1993: River 0-1 Boca, Apertura. Hernán Díaz foi novamente expulso, aos 26 do segundo tempo. O castigo veio no minuto seguinte, com novo gol de Alberto Acosta – não confundir com o uruguaio ex-Náutico. Ainda houve tempo para o volante Alejandro Mancuso, este do Boca e futuramente flamenguista, ser expulso também. Ainda assim, o River seria o campeão do torneio, com um ponto de vantagem sobre Vélez e Racing e dois sobre o Boca.

1994: River 0-0 Boca, quartas-de-final da Supercopa. Para variar, Hernán Díaz levou o vermelho. O Boca teve dois expulsos, o volante Rodolfo Arruabarrena e o zagueiro Néstor Fabbri. Mas mantinha o tabu, venceria nos pênaltis no jogo de volta na Bombonera e acabaria vice-campeão.

1995: River 2-4 Boca, Clausura. Um gol contra do zagueiro Fernando Gamboa deixou o River em vantagem no primeiro tempo. Mas uma blitzkrieg boquense voltava a deixar o Monumental atônito: aos 2 minutos do segundo tempo, o lateral Julio Saldaña empata e aos 4, o armador Alberto Márcico vira. O final também é frenético, com o camaronês Alphonse Tchami anotando os 3-1 aos 40, o uruguaio Rubén da Silva (ex-River) ampliando aos 42 e Enzo Francescoli diminuindo o massacre aos 44.

1995: River 0-0 Boca, Apertura. O Boca, recém-reforçado com Maradona e Caniggia (ex-River), seguia líder invicto e este empate reforçava a três rodadas do fim o favoritismo dos estrelados auriazuis ao título. Mas na rodada seguinte eles desgringolaram ao levarem de 6-4 do Racing (concorrente ao título) em plena Bombonera, não venceram mais e terminaram só em quarto.

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O primeiro gol de Palermo, logo em seu primeiro Superclásico. Que ainda marcou a despedida de Maradona!

1997: River 3-3 Boca, Clausura. Neste até que o torcedor millonario saiu satisfeito. Pudera: em nenhum outro Superclásico o time que começou perdendo por 3-0 conseguiu evitar a derrota. O Boca do técnico Héctor Veira (que treinara o River campeão pela primeira vez da Libertadores e Mundial, em 1986) enfim virava um time sério, mesmo não contando no primeiro semestre (ou talvez justamente por não contar) com Maradona, com problemas físicos, e Caniggia, que tirou um ano sabático pelo suicídio da mãe. Aos 30 do primeiro tempo já estava 3-0, um 3-0 uruguaio com Gabriel Cedrés, ex-River, e dois do ídolo Sergio Martínez. Só não foi maior porque Roberto Bonano pegou pênalti de Roberto Pompei. Mas aos 42 o meia Sergio Berti, ex-Boca, pareceu reacender os donos da casa, diminuindo.

O problema é que aos 3 do segundo tempo o zagueiro millonario Eduardo Berizzo viu o cartão vermelho das mãos de Javier Castrilli (aquele mesmo “da Portuguesa”). A reação tardou até os 25 minutos, quando Martínez, por mão na bola em um ataque, também foi expulso. Facundo Villalba diminuiu aos 31 e o zagueirão paraguaio Celso Ayala cabeceou aos 43 para explodir o Monumental. Ainda houve tempo para Cedrés, aos 44, levar o vermelho também, em um Superclásico espetacular – veja o vídeo abaixo e tenha uma boa noção. O River seria o campeão.

1997: River 1-2 Boca, Apertura. Outro jogo histórico: ninguém sabia disso na época, mas foi a última partida da carreira de Maradona. Outra vez, Berti anotou ao fim do primeiro tempo, mas para abrir o placar. Maradona voltava a jogar após um mês parado e, sem ritmo de jogo, pediu para sair no intervalo. Mesmo sem o líder, aos 2 do segundo Julio César Toresani (ex-River) empatou.

Outra vez mais, Hernán Díaz foi expulso, aos 9. Aos 18, o então reforço Martín Palermo, em seu primeiro Superclásico, cabeceou para virar. Mesmo sem Maradona na metade final do torneio, o Boca de Veira fez excelente campanha, até hoje a melhor de um vice-campeão nos torneios curtos. Pois o troféu, por 1 ponto, continuou com o River, apesar de duas derrotas (o Boca só teve uma, mas empatou demais). Sobre o dérbi que despediu Maradona e começou a honrar Palermo, falamos neste outro Especial. E daquele torneio também histórico, que despediu Francescoli, relatamos neste aqui.

1998: River 0-0 Boca, Apertura. A perda do Apertura 1997 traumatizou o Boca, que ficou à deriva no primeiro semestre de 1998 e Veira foi embora. Veio Carlos Bianchi, que enfim colocou ordem na casa, sem o estrelismo de Caniggia e Latorre (que afirmara que o Boca “era um cabaré”). Os auriazuis, que desde 1976 só haviam sido campeões nacionais duas vezes, em 1981 e 1992, lograriam outros dois imediatamente, no bi naquele Apertura com o Clausura seguinte. E no embalo de um recorde nacional de invencibilidade, 40 jogos. Marca que o River não estragou nem de pênalti naquela tarde, pois Oscar Córdoba pegou aos 43 minutos do primeiro tempo a cobrança de Marcelo Gallardo.

1999: River 2-0 Boca, Apertura. Já o River demorou para se acertar após a aposentadoria de Francescoli e só voltou a ser campeão naquele Apertura. Os comandantes da vez eram os jovens pratas-da-casa Pablo Aimar e Javier Saviola, formando o tridente ofensivo com o reforço colombiano Juan Pablo Ángel. Além dos 9 anos em casa, eram 5 no geral sem vencer o Boca. Uma meia década (ou quase uma inteira) deixada para trás com Aimar encobrindo Córdoba com categoria aos 37 do primeiro, e com Ángel sedimentando de primeira fora da área aos 11 do segundo tempo que o tabu terminava ali.

httpv://www.youtube.com/watch?v=56Kdtb9zHBM

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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