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Há 20 anos, Kempes voltava a fazer o Newell’s de freguês no clássico rosarino

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1995 é muito especial ao Rosario Central. O que é menos sabido é que já seria bem festivo mesmo que o time não vencesse a Copa Conmebol (em circunstâncias épicas: na final, levou de 4-0 do Atlético no Mineirão, conseguiu devolver o placar em Rosario e venceu o Galo de Taffarel nos pênaltis), até hoje a última taça expressiva dos auriazuis. É que, em 8 de fevereiro, o ídolo Mario Kempes voltou a defender uma última vez o manto canalla. El Matador havia parado de jogar em 1992, no sumido futebol austríaco. Mas ainda não tivera um tradicional amistoso de despedida. O que acabou acontecendo há 20 anos, sendo nada menos que o clássico da cidade. E não é que o desfecho foi cinematográfico?

Um aperitivo do ocorrido foi deixado ao fim do especial que dedicamos a Kempes no ano passado: clique aqui. Como demonstramos lá, o atacante tivera uma decadência fulminante a partir de 1982. Há quem o subestime como o craque que já havia sido, como se fosse um jogador valorizado apenas pelo desempenho na Copa do Mundo de 1978. Mas só o fato de Kempes, com só 23 anos, ter ido àquela Copa como único argentino vindo do futebol estrangeiro já indica como ele era especial.

Diferentemente de hoje, jogar na Europa, na época, mais atrapalhava do que ajudava se manter na seleção, e acabou privando outros grandes atacantes de um lugar naquela Copa, casos de Carlos Bianchi, Delio Onnis, Héctor Scotta e Héctor Yazalde. E, de fato, a convocação de Kempes veio com ele ausente havia dois anos da Albiceleste. Mas Menotti não pôde ignorar que nesse período o cordobês de Bell Ville havia emendando duas artilharias do campeonato espanhol. Na temporada imediatamente anterior, foi com excelentes 28 gols em 34 jogos pelo seu Valencia.

E ele não teria ido à Europa se não se destacasse tanto antes na Argentina. Inseriu o Instituto de Córdoba pela primeira vez no torneio nacional em 1973, e na ocasião fez 13 gols em 15 jogos por um clube que mais perdeu do que ganhou. A performance rendeu-lhe a primeira convocação à seleção (a primeira de alguém do futebol cordobês desde 1921, mais de meio século antes) e a contratação pelo Rosario Central, que havia sido o campeão daquele nacional.

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Kempes não conseguiu títulos no Rosario Central. Mas brilhou, em uma geração verdadeiramente dourada do futebol argentino, presente nos dois títulos mundiais da seleção (a grande maioria dos jogadores campeões de 1986 começou a carreira ainda na década anterior). No nacional de 1974, fez 25 gols em 25 jogos. No Torneio Metropolitano de 1975, foram 25 em 28. E no Metropolitano 1976, foram 21 em 22.

Dentre os profissionais, Kempes é o segundo maior artilheiro do clube, com 94 gols em 123 jogos. Está só três gols abaixo do recordista, Waldino Aguirre. A diferença é que Aguirre precisou de 191 jogos e oito anos para chegar aos 97 gols. Os maiores goleadores gerais do clube, os irmãos amadores Harry Hayes (174 gols) e Ennis Hayes (133), defenderam-no por mais de dez anos, com Harry fazendo-o por mais de vinte. El Matador precisou de apenas dois anos e meio para fazer tanto.

Esta contextualização também faz-se necessária a respeito do clássico com o Newell’s. O mencionado Harry Hayes é o maior goleador auriazul neste quesito também, com 21 gols, mas em vinte anos. O segundo é Edgardo Bauza (o mesmo que hoje treina o San Lorenzo), com 9. Mas o ex-zagueiro também tem média de um gol por ano, pois somou nove temporadas em Rosario. O terceiro é Kempes, com 7 naqueles dois anos e meio. Foi um período particularmente difícil para o Newell’s na rivalidade: foi incapaz de vencer o Central fora de casa por quinze anos, entre 1965 e 1980.

Ressalte-se que no período de Kempes o rival vivia grande momento também: venceu o Metropolitano 1974. E o título veio com um empate no clássico. Mas poucos se recordam que Kempes não pôde estar presente: em 2 de junho de 1974, data da partida, ele estava servindo a seleção na Copa do Mundo. Mas o Newell’s não escapou dele na Libertadores de 1975. Os dois rivais disputaram em um jogo-desempate um lugar na semifinal. E coube ao Matador fazer o único gol da partida…

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Vinte anos depois, a Libertadores embalava o melhor momento do Newell’s, vice em 1988 e 1992 (período em que venceu três campeonatos argentinos) e que havia contado com Maradona até janeiro de 1994. Até o Rosario Central ser campeão continental, ainda que da Copa Conmebol, a resposta centralista era tachar os rivais de pechos fríos – literalmente, “peitos frios”, mas com o mesmo sentido figurado de desempolgados em campo – em razão desses vices na Libertadores e por declaração neste sentido do próprio técnico rubronegro ao ser vice argentino em 1987 exatamente para o Central.

Outra razão para o apelido veio naquela partida que, mesmo amistosa, envolvia a rivalidade mais ferrenha da Argentina: há mais de 30 anos não há vira-casacas entre a dupla, desde 1984. Até dérbis religiosos como Celtic-Rangers, políticos como Lazio-Roma, cinematográficos como Millwall-West Ham, bem como os também ferozes de Praga, Istambul e Belgrado tiveram seus “traidores” desde então. Kempes estava com 41 anos e visivelmente acima do peso. Se dizia que jogaria apenas uns poucos minutos. Foi colocado em campo desde o início. Sua última partida pelo Central havia sido 19 anos antes, em 1 de outubro de 1976, igualmente em um clássico rosarino, mas empatado sem gols. Tal última pendência ruiu aos 25 minutos do dérbi de vinte anos atrás.

Molina recebeu pela lateral-direita e passou a Lussenhoff, ao centro. El Colorado cruzou à ponta-esquerda para Sergio Fernández, que de cabeça fez a bola chegar à entrada da pequena área. El Matador se antecipou ao goleiro e marcou o único gol dos 45 minutos. Não houve outros 45: a torcida rubronegra, inconformada, começou a atirar garrafas em campo e uma atingiu o zagueiro Balbis. O árbitro resolveu finalizar a partida no intervalo. Se os rivais queriam evitar um vexame ainda maior, não conseguiram. Eles mesmos confirmavam a freguesia – não menos do que o veterano carrasco.

Pena que Kempes não se despediu exatamente ali: em setembro daquele ano, ele retomou a carreira, pelo Fernández Vial, na segunda divisão chilena. Mas isso é outra história… abaixo, a ficha técnica daquele clássico de cinema.

Rosario Central: Roberto Abbondanzieri, Diego Ordóñez, Jorge Balbis, Federico Lussenhoff, Juan Jara, Roberto Molina, Omar Palma, Pablo Sánchez, Sergio Fernández, Darío Scotto e Mario Kempes. T: Pedro Marchetta. Newell’s: Pablo Del Vecchio, Fabián Basualdo, Alberto Galucci, Diego Castagno Suárez, Gustavo Siviero, Hugo Smaldone, Gustavo Raggio, Ernest Mtawali, Marcelo Escudero, Diego Garay e Iván Gabrich. T: Jorge Castelli. Árbitro: Ángel Fernández.

httpv://www.youtube.com/watch?v=TrnuZYPBh5g

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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