Elementos em comum entre San Lorenzo e Real Madrid
Os finalistas do Mundial de Clubes não tiveram poucos elementos em comum, mas não há exatamente um sucesso absoluto em ambos. A lista não se restringe a argentinos: mesmo espanhóis fazem parte. Buenos Aires já teve o Hispano Argentino e hoje conta com o Centro Español e o Deportivo Español, mas o Sanloré também é visto como clube da comunidade: isso porque abrigou jogadores do Euzkadi, uma seleção de jogadores bascos que buscavam fundos para o lado republicano na Guerra Civil Espanhola, vencida pelos franquistas e que fez muitos conterrâneos se exilarem mundo afora. Posteriormente, a ascensão argentina no futebol é que inverteu a trilha, levando hermanos à antiga metrópole.
O mais brilhante destes espanhóis no San Lorenzo foi Isidro Lángara, que liquidara o Brasil na Copa do Mundo de 1934. Já dedicamos-lhe um especial: clique aqui. Outro que se tornou ídolo cuervo foi Ángel Zubieta. Outros chegaram ao futebol argentino – Leonardo Cilaurren, eleito entre os melhores daquela Copa, veio ao River; Julio Munlloch, ao Vélez; Pedro Areso, ao Tigre e ao Racing. Mas o bairro de Boedo foi o destino mais comum, fazendo seu clube ganhar bastante apelo na comunidade hispano-argentina: José Iraragorri, que também marcara gol naquele jogo contra os brasileiros (o primeiro da Furia em Copas), e Fernando García Lorenzo, que defenderia ainda o Vélez, foram alguns outros a virem.
Mas só um deles havia jogado no Real Madrid: o atacante Emilio Alonso Larrazábal, mais conhecido como Emilín. Havia jogado três anos nos merengues, entre 1933-36, participando dos dois primeiros títulos espanhóis dos maiores vencedores de La Liga. Chegara à seleção, trajetória interrompida pela guerra civil. Já na Argentina ele passou despercebido: utilizado duas vezes ainda em 1939 em dois amistosos (3-3 com o Boca em 29 de junho e 2-1 no Belgrano em 8 de julho), reapareceu já em 10 de agosto de 1940 em outro amistoso (1-1 com o San Martín de Tucumán). E enfim fez sua única partida pela liga argentina: derrota de 3-1 para o Gimnasia, pela 23ª rodada de 1940, em setembro.
Curiosamente, todos os jogos de Emilín foram na casa adversária; ele também é o primeiro jogador em comum entre o Real Madrid e um clube argentino. A seguir, veio Antonio Imbelloni, contratado pelo San Lorenzo junto ao Sportivo Dock Sud em 1945. Esteve no título argentino de 1946, integrando o quinteto ofensivo no qual se destacavam especialmente Rinaldo Martino, terceiro maior artilheiro azulgrana e vendido à Juventus em 1949, e René Pontoni, ídolo de infância do Papa Francisco (entenda). Imbelloni jogava pela ponta-direita e foi titular na reta final e era tão driblador quanto fominha. Apareceu na Europa na virada da década, com o Real Madrid incluso em 1951. Se ligou mais ao Sporting Lisboa.
O próximo a ter os dois clubes no currículo foi outro atacante, um argentino que chegou ao Real Madrid após brilhar no Eldorado Colombiano, chegando a defender a seleção espanhola. Não se trata, porém, do ídolo-mor madridista, Alfredo Di Stéfano, que na terra natal passara justamente pelo arquirrival sanlorencista, o Huracán. Mas sim de Héctor Rial, que era filho de espanhóis. Teve média de meio gol por jogo no San Lorenzo: fez 20 em 40. Mas não ficou tão marcado na história do clube em parte pela falta de taças e porque teve de esperar Rinaldo Martino ir embora à Juventus, em 1949.
Rial encantou espanhóis em turnê pela Europa em 1950, a ponto de despertar interesse justo do Barcelona (em quem marcou dois gols em vitória por 3-2) e do Valencia. Mas eram outros tempos: a liga financeira mais vantajosa vinha sendo a da Colômbia, que se encheu de argentinos mesmo muito depois do fim do Eldorado (veja aqui). El Nene havia sido recomendado pelo tal René Pontoni, que havia ido jogar no Independiente Santa Fe, exatamente o rival do Millonarios de Di Stéfano no clássico de Bogotá.
Depois de três anos no Santa Fe, Rial foi contratado pelo Nacional uruguaio, onde também brilhou (confira) e de onde foi contratado pelo Real juntamente com o lateral José Santamaría. Rial passaria sete anos de sucesso em Madrid, vencendo as cinco Ligas dos Campeões seguidas, embora nas últimas já tivesse perdido a titularidade para o húngaro Ferenc Puskás. Inclusive praticamente decidiu as primeira delas, marcando dois gols nos 4-3 sobre o Stade de Reims de Raymond Kopa. Um foi o da suada vitória de virada (e do título). Também deixou o seu na final de 1958, contra o Milan. Rial, no fim da carreira, ainda jogaria por outros clubes “hispânicos”, o Espanyol de Barcelona e o Unión Española, do Chile.
Desde 1957 Rial convivia no elenco madridista com o goleiro Rogelio Domínguez, contratado junto ao Racing após ser campeão da Copa América 1957. Domínguez foi o titular nas duas últimas Ligas dos Campeões do ciclo do penta e no primeiro Mundial, em 1960. Na época, contudo, jogar fora da Argentina privava o jogador da seleção e isso o impediu de ir à Copa 1958. Foi à de 1962, quando foi jogar no River. Pendurou as luvas em 1969, no Flamengo. A passagem pelo San Lorenzo deu-se como treinador – na verdade foram duas, em 1971 e em 1977.
Segundo relato do Diccionario Azulgrana, Domínguez não era um técnico taticamente inovador, e não se preocupava com a defesa. Quando teve um timaço, na primeira passagem (os cuervos viveram seus melhores momentos até então entre 1968-74, ganhando quatro títulos argentinos em seis anos), os resultados apareceram e quase foi campeão do nacional, perdido para o Rosario Central. Saiu por conflitos com o volante Victorio Cocco e o atacante Carlos Veglio, respaldados pelo presidente. Em 1977, os bons momentos do clube haviam passado – apenas dois anos depois, teria que vender o estádio Gasómetro – e o ex-goleiro foi demitido logo ao fim da primeira rodada.
Rial e Domínguez chegaram a ser treinados no Real Madrid pelo compatriota Luis Carniglia. O técnico conquistou o tri e o tetra no ciclo daquele penta mas foi mandado embora pelo presidente Santiago Bernabéu por recusar-se a usar Puskás, considerado gordo. Veio ao San Lorenzo como uma contratação de impacto em 1973 (havia treinado também clubes como Milan e Juventus) para substituir o histórico Juan Carlos Lorenzo, que após treinar o primeiro elenco a vencer os dois campeonatos argentinos do ano (em 1972) foi conduzir justo o Atlético de Madrid quase campeão da Liga dos Campeões de 1973-74. Mas Carniglia não fez sucesso em Boedo e foi demitido durante o torneio nacional.
O próximo blanco azulgrana foi o defensor Oscar Ruggeri. Estatisticamente, foi um vencedor incrível: é o único campeão e o único que jogou pela seleção pelo trio Boca, River e San Lorenzo, os três grandes da capital. Ele esteve na Quinta del Buitre, o Real Madrid penta espanhol de 1986-90. A estadia durou só o último campeonato do ciclo, quando havia chegado do Logroñés. El Cabezón teve um problema no púbis que o obrigou a se afastar por três meses após a Copa 1990. Na época pré-Lei Bosman, só eram permitidos três estrangeiros e o clube preferiu vende-lo ao Vélez ao invés de desperdiçar a vaga.
Ruggeri apareceu no San Lorenzo em 1994. O clube não era campeão desde 1974 e quase venceu o Apertura, atrás do River. O jejum se quebrou no torneio seguinte, o Clausura 1995, com o caudilho colocando ordem na defesa. Destacou-se também na Libertadores 1996, quando um cabeceio seu nas quartas-de-final quase eliminou o mesmo River, futuro campeão do torneio. Ruggeri também teve duas passagens como técnico, sem o mesmo sucesso. Na primeira, entre 1998-2000, teve o valor de apostar na base e foi quem lançou Diego Saja e Leandro Romagnoli (líder do elenco atual), dentre outros. A outra, entre 2006-07, foi um desastre, com goleadas de 7-0 (em casa) para o Boca e de 5-0 para o River.
A ironia sobre o técnico Ruggeri, que chegou a ter no elenco em 1999 o volante espanhol Javier Artero (esteve no Real Madrid C para depois trotar o mundo. Jogou mais na Copa Mercosul do que no Argentinão) é que os técnicos que lhe sucederam vieram sob desconfiança e foram imediatamente campeões: Ramón Díaz em 2007 e, antes, o chileno Manuel Pellegrini em 2001. El Ingeniero hoje treina o badalado Manchester City. A trajetória europeia veio após ser campeão por San Lorenzo e River. Nos azulgranas, Pellegrini fez mais história: o elenco de 2001 venceu o Clausura com um recorde de pontuação nos torneios curtos no embalo de outro recorde não-batido, o de 13 vitórias seguidas no país. Também venceu a Copa Mercosul, primeiro título continental do clube, sobre o Flamengo: clique aqui.
Ele chegou ao Real Madrid em 2009, após bons trabalhos naquele Villarreal de sucesso em meados da década passada. Foi a temporada da chegada de Cristiano Ronaldo, em resposta à tríplice coroa que o Barcelona acabar de conseguir. Com Pellegrini, o Real voltou a ultrapassar as oitavas-de-final da Liga dos Campeões após cinco anos e alcançou sua maior pontuação na liga até então, 96. Mas não bastou: o Barcelona foi ainda mais incrível e somou 99, e os merengues caíram nas semis continentais. O exigente presidente Florentino Pérez preferiu chamar José Mourinho para o lugar do chileno.
Mas entre Artero e Pellegrini houve outro homem em comum entre os finalistas: Santiago Solari foi o último a jogar em ambos. Revelado no grande River dos anos 90, ele chegou à capital espanhola inicialmente para jogar no Atlético de Madrid. A temporada de estreia foi agridoce: o time foi rebaixado, mas Solari salvou-se – estreou na seleção e chamou a atenção do rival, que o contratou. Foi titular no elenco campeão da Liga dos Campeões de 2002, no centenário madridista e a última vencida até La Décima neste ano, mas Marcelo Bielsa preferiu deixa-lo de fora da Copa do Mundo.
El Indiecito perdeu espaço com o aprofundamento da primeira era galática e saiu em 2006 à Internazionale, onde nunca se firmou. Chegou no segundo semestre de 2008 ao San Lorenzo, que buscava um título para seu próprio centenário. A taça chegou perto na última tentativa, no Apertura, decidido em um triangular final entre cuervos com Boca e Tigre (os três haviam terminado empatados na liderança). Solari saiu um ano depois, querendo sossego após os barrabravas quase lincharem o elenco no aeroporto de Ezeiza por eliminação na Libertadores ainda na fase de grupos.
Além deles, houve ainda uma família em ambos: Jorge Higuaín e Gonzalo Higuaín, pai e filho. Jorge, como muitos narigudos na Argentina, foi apelidado de Pipa, daí o filho ser chamado de Pipita. Revelado no Nueva Chicago, o pai foi contratado pelo San Lorenzo em 1983 junto ao Gimnasia LP. Era um zagueiro áspero que não brincava em serviço, não hesitando em mandar a bola às tribunas se necessário para afastar perigo. O time acabava de voltar da segunda divisão e lutou pelo título da elite até a última rodada. Jorge poderia ter se eternizado como ídolo mas logo saiu, em 1985 para o Boca.
E, como Ruggeri, Jorge também passaria pelo River, onde o filho se formou (treinado lá por Pellegrini, inclusive). Gonzalo, ainda como promessa, foi ao Real Madrid em 2006. Seu azar foi ter vindo sem grife na administração austera de Ramón Calderón. Florentino Pérez depois retornou, buscando retomar o projeto galáticos e assim esnobava Gonzalo, apesar do franco-argentino ter sido mais eficiente que astros como Benzema e Adebayor. A diretoria o liberou no ano passado.
Outro elemento em comum é o ator Viggo Mortensen, torcedor dos dois. O eterno Aragorn morou na Argentina durante a infância e era o hincha mais célebre do San Lorenzo antes de Jorge Bergoglio se tornar o Papa Francisco. Já revelou que foi discriminado duas vezes em Madrid ao usar uma camisa azulgrana, que um grupo de madrilenhos confundiu com a do Barcelona: a segunda discriminação veio após esclarecê-los de que vestia a malha de um grande clube argentino – a reação do grupo foi menosprezar dessa vez sotaque e clube “sudacas” do ator… É tão fanático que já doou dinheiro ao clube (veja), já usou a camisa cuerva em festa pós-Oscar e teve de prestar esclarecimentos a policiais em um aeroporto dos EUA após vibrar efusivamente com um resultado positivo do Sanloré contra o rebaixamento quase iminente em 2012. Já como madridista, reclamou pesadamente de José Mourinho em 2012.
Vale ainda lembrar que Real Madrid e San Lorenzo poderiam ter se encontrado no Mundial bem antes, no primeiro, em 1960. Enquanto os espanhóis venciam a quinta Liga dos Campeões seguida, os argentinos chegaram às semifinais da primeira Libertadores e poderiam ter passado pelo futuro campeão Peñarol. Mas simplesmente esnobaram a nascente competição e, após dois empates, venderam aos uruguaios o mando de campo do terceiro jogo entre eles pela semifinal: falamos aqui. Até este sábado, os enfrentamentos foram apenas três, todos naturalmente amistosos. E o Real Madrid venceu todos: 4-1 em 1946 e 1-0 em 1950, ambos em Madrid, e 3-2 com gols de Di Stéfano e Rial (que jogou os dois últimos encontros, um por cada) em Buenos Aires em 1958.
*Já dedicamos especial a todos os argentinos do Real Madrid: veja-o aqui.